A angústia da criação

20 de Agosto de 2025

Compartilhe -

A angústia da criação

 

            Até que enfim consegui me sentar diante do computador. É sempre assim: muitas voltas pela casa, uma inquietação enorme, uma procura doida por palavras e ideias. Pareço uma galinha procurando um lugar para chocar os ovos. Primeiro, fome; procuro algo para comer. Depois, qualquer copo sujo na pia ou sapato fora do lugar se torna prioridade para desviar minha atenção. Se os cabelos estão presos, é hora de soltá-los; se estão soltos, é hora de prendê-los. Os pernilongos me atacam... assim não dá! Tenho que resolver isso agora!  Sinto calor, preciso de um banho... É isso: desculpas não faltam para adiar o momento da criação.

Tenho que mandar o texto na sexta, mas preocupada com algum imprevisto, prefiro mandar na quinta à noite, então... começo na quarta. Sim, alguém já disse que o texto é que nem massa de pão; a gente sua para fazer e depois fica esperando a massa crescer.

            Alinhavo umas ideias na quarta; na quinta, é hora de reler para encontrar os erros, achar as letras que engoli, mudar os parágrafos de lugar, substituir palavras repetidas. Às vezes, mudo o final; outras, simplesmente, divido um parágrafo longo.

Pronto! Acabei! Tiro uma cópia para meu marido ler e mando uma in box no face para o meu filho. Eles comentam; geralmente, concordam comigo e, só aí, envio para o jornal. Porém, já aconteceu de eles me aconselharem escrever sobre outro assunto. Entro em desespero; começar tudo de novo e, em cima da hora?

            Muitas pessoas que leem minhas crônicas dizem que sou espontânea, que escrevo com facilidade. É que elas só veem o produto pronto; não imaginam o quanto esse processo se parece com um parto. Li, há muitos anos, um texto do Stephen Kanitz –  articulista da Veja – em que ele confessa ler quarenta vezes seu artigo antes de mandar para a revista. Formado em Harvard, ele se diz perfeccionista. Eu leio várias vezes, mudo bastante, mas não chego a tanto.

            Tenho sempre um papel e uma caneta ao meu alcance. No meio da semana, leio algo, assisto a alguma cena na rua, vejo algum vídeo na internet e, então, começo juntar as ideias. Em conversa com amigos, familiares ou em cenas de filmes e novelas, pego alguma “pérola” e já anoto, como se plantasse uma semente que logo vai germinar.

            É claro que nem sempre fico satisfeita com o que escrevo; sei que há crônicas boas, outras, nem tanto. Pode parecer uma desculpa, mas acredito que isso seja humano e, sigo em frente, pensando que a próxima, quem sabe?...

            Quando o texto, finalmente, fica do jeito como eu queria, vem uma sensação muito boa. A impressão que eu tenho é de que as ideias ficam dançando numa nuvem sobre minha cabeça, desorganizadamente. Então, meu desafio é colocá-las em ordem, dar sentido a elas. O crítico literário Antônio Cândido diz que “escrever é organizar o caos”. É exatamente assim: ao finalizar o texto, sinto-me organizada por dentro e, só a partir daí, consigo relaxar.

            Não é fácil; o desafio é constante. Talvez seja essa adrenalina que, depois de tanta angústia, me faz querer começar tudo de novo: escrever outro texto, mais outro e mais outro. É um exercício dolorido, mas como um parto, vale a pena!