Cidinho do Paraíso, que já foi do Ipanema, agora é Cidinho de Fernandópolis

20 de Agosto de 2025

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Cidinho do Paraíso, que já foi do Ipanema, agora é Cidinho de Fernandópolis

As urnas em Fernandópolis revelaram um fenômeno de voto. Aparecido Moreira da Silva, 50 anos, ou, como é conhecido, Cidinho do Paraíso. Depois de 34 anos das proezas de Ricardo Franco de Almeida e Ademar Mazinho Custódio (em 1982) quando, ambos, romperam a barreira de 2 mil votos na eleição para a Câmara de Fernandópolis, um rapaz humilde, porteiro da Santa Casa, que cruza a cidade a pé, surpreendeu e obteve nas urnas de 2 de outubro votação histórica (2.881 votos) derrubando o tabu de 1982. “Jamais imaginei que poderia superar a votação de Maíza Rio. A ficha ainda não caiu”, descreveu. Cidinho chegou a Fernandópolis em 1995. Homossexual assumido, enfrentou a pobreza e o preconceito para alcançar seu maior objetivo: ser vereador. Tentou se eleger em três outras eleições, fazendo campanha de bicicleta e vestido com uma fantasia de veado. Atendeu os apelos dos amigos para abandonar a fantasia. Isso, mais o trabalho social que realiza em prol da Santa Casa turbinou a campanha, mas teve também no caminho a “benção do Papa”. Para a posse, já ganhou o terno e sapato de amigos que o ajudaram nesta caminhada. Na entrevista ao CIDADÃO, como o vereador eleito mais votado da história, Cidinho que era do Ipanema, virou do Paraíso e agora é de  Fernandópolis, diz que vai continuar porteiro da Santa Casa, acredita que Fernandópolis vai voltar a sorrir e avisa: vai continuar pedindo, agora ainda mais.

Cidinho como está sendo esta semana após ser proclamado o vereador mais votado da história de Fernandópolis?

A ficha ainda não caiu, chorando muito, alegria, muita visita, o telefone não para, no facebook muitas mensagens. Tá sendo assim.

Você também tirou um dia para visitar a mãe e os irmãos?

Na quarta-feira, fui a Martinópolis (região de Presidente Prudente). Ela está doente, ficou muito feliz, me reconheceu, chorou. Apesar de não estar lucida o tempo todo, ela me abençoou. A minha família, somos em 10 irmãos, todos estão muito feliz pela minha vitória. Grande parte da minha família está lá em Martinópolis. Aqui em Fernandópolis não tenho ninguém. Tenho minha amiga Ana Silvia, minha vizinha, onde como e bebo na casa dela. É uma mãezona para mim, uma grande irmã.

Essa foi a quarta eleição que você disputou?

A primeira foi em 2004 eu tive 399 votos. Fiz a campanha em uma bicicleta com som. Percorria os bairros mas não parava para pedir voto. A segunda, em 2008, 229 votos. A terceira em 2012, 236 votos, com a fantasia. E agora esse ano com 2.881 votos.

Como você avalia o tamanho dessa votação?

Eu esperava uns 900 a 1.000 votos. Não esperava essa votação. Eu não acreditava que pudesse passar a minha amiga Maíza Rio na votação. Ela é uma pessoa maravilhosa, os votos dela são muitos.

Em 2014 você disputou a eleição como candidato a deputado federal?

Eu fui sozinho a São Paulo, várias vezes, no escritório do partido, ninguém me ajudou com um centavo. Fui com a cara e a coragem. As pessoas tiravam sarro de mim, que era bobo. Mas, enfim, consegui a legenda. Tive 1.057 votos, fiquei seis meses pagando passagem de ônibus no cartão, mas valeu a pena.

O que mudou na sua campanha que pudesse provocar essa votação massacrante?

Mudou que eu tirei a fantasia. O povo pedia para eu tirar a fantasia de veado. As pessoas queriam que eu me vestisse normal. Depois da eleição de deputado federal eu fiquei pensando que se tivesse feito a campanha sem a fantasia, talvez eu já tivesse uns três mil votos. Mas, acho que o meu trabalho social foi o fator mais importante. Eu trabalho como porteiro na Santa Casa e faço um trabalho social pela Santa Casa, pedindo ajuda  e já agradeço os empresários, comerciantes, as igrejas evangélicas, católica, todos ajudam. Eu peço mesmo. Eu até escrevi para o Papa Francisco pedindo ajuda para a Santa Casa. Então, tudo isso me ajudou.

O fato de ter tirado a fantasia, naquele momento a população passou a olhar pra você como alguém que pudesse representá-la na Câmara?

Sim, o pessoal levava na brincadeira, quando eu estava com a fantasia. As pessoas falavam que eu estava também levando na brincadeira a candidatura. Mas não, não estava de brincadeira ser candidato. Se tivesse sido eleito com a fantasia, iria trabalhar também igualzinho. Mas, as pessoas viram isso, me pediram, e eu então tirei a fantasia.

Muitos falam que os 2.881 votos que recebeu nas urnas foi de protesto. O que acha?

Não concordo. Foi um voto de confiança pelo trabalho social que faço. Não acredito em voto de protesto. As pessoas estão cansadas, descrentes dos políticos, e viram em mim alguém para representa-los na Câmara com seriedade.

Foi na Santa Casa que encontrou apoio para a campanha?

Lá tenho meus amigos e contei com eles. Todos entenderam que se tivesse um vereador na Câmara para lutar pela Santa Casa ia ser melhor, porque eu ia pedir muito, como peço mesmo, não tenho vergonha. A maioria dos funcionários fechou comigo e a corrente foi aumentando.

Conta um pouco do seu trabalho social na Santa Casa.

Eu sempre gostei de ajudar, desde quando morava com minha mãe em Martinópolis. Também sempre fui humilde, carente, mas o pouquinho que tinha sempre gostava de ajudar. Quando eu vim morar em Fernandópolis (1995) eu morei 13 anos no Jardim Ipanema, são as pessoas que adoro. Fui presidente da Associação do Bairro, lá eu fiz um trabalho social muito bom. Trabalhava muito pelo bairro, em busca da iluminação, do asfalto, esgoto. Foi muito abaixo assinado que fiz. Até fui pedir voto lá na última rua, a Antônio Papa, uma moradora lembrou-se disso e fiquei emocionado. Então esse trabalho vem de longa data. Começou lá no Ipanema. Depois fui morar no Jardim Paraiso, entrei na Santa Casa através do meu amigo Márcio e lá comecei a trabalhar. Veio a greve e decidi não entrar, porque isso é ruim para as duas partes. Fui então a luta para conseguir verbas para a Santa Casa. Fui pedir para algumas pessoas e falavam que lá só tinha ladrão, essas coisas. Pensei, isso não pode ficar assim não. Decidi batalhar e correr atrás.

E aquela carta que você mandou para o Papa. Como foi quando chegou a resposta?

Foi emocionante. Quando cheguei em casa 9 horas da noite, porque estava vendendo meu título de capitalização, abri a caixa do correio, tremi. Não esperava  uma resposta tão rápida. Em seis ou sete meses veio a carta, com a foto do Papa, com timbre do Vaticano. Foi muito emocionante. A partir daquele dia parece que tudo foi abençoado mesmo.

A eleição foi uma benção?

 Tenho a foto do Papa num quadro (junto com a carta) e eu falei para ele que ele me ajudou muito. Graças a Deus e eu peço que continue ajudando. E peço que todos continuem ajudando a Santa Casa, o Hospital de Câncer.

A partir de 2017 você ocupará uma cadeira na Câmara. Como será seu trabalho como vereador?

Vou continuar pedindo, agora muito mais. Aliás já quero pedir aqui. Tem uma ação entre amigos para o sorteio de 27 prêmios para a Santa Casa que eu organizei, pedi os brindes no comércio. Então peço que as pessoas vão lá comprar. Vou continuar vendendo  essa ação entre amigos. O que eu fazia, vou continuar fazendo. Se tiver de carregar uma placa “Ajude a Santa Casa”, vou carregar. Não tenho vergonha. Nada vai mudar. Vou continuar trabalhando na Santa Casa, vou continuar sendo porteiro, não quero subir de cargo. Quero continuar o que sou.

O que você acha que precisa mudar em Fernandópolis?

É o que falo sempre, a Saúde. O pessoal fala da educação, tudo bem, a educação tem que estar em primeiro lugar mesmo, porque é o que faz ser gente. Mas, sem a saúde você não estuda, não trabalha, não passeia, não faz nada. A saúde tem que mudar, não só aqui, mas em todo o Brasil. Lá na Câmara vou olhar para todos os problemas, mas a saúde vai estar no foco. Veja esses exames que os médicos passam para os pacientes demora, um mês, um ano, até dois anos. Tem gente que morre e não faz o exame. Isso tem que mudar. Nós vereadores, o prefeito André, temos que olhar isso com carinho. A população não merece esse sofrimento.

Como será o seu relacionamento com o novo prefeito?

Não vai ser bom, não. Vai ser ótimo. Ele é uma pessoa maravilhosa, eu tiro o chapéu pra ele. Eu o conheço não é de agora não. Vou contar o que aconteceu comigo, quando fui candidato a deputado federal. Eu estava descendo ali na Rua Brasil, não tinha um centavo no bolso, estava com fome, com sede (já emocionado). Ele parece que adivinhou. Ele parou o carro e falou: o Cido como está a campanha. Eu falei: tá do jeito que Deus quer né porque to indo, fazendo minha campanha sozinho, sem dinheiro, sem nada. Ele tirou 50 reais do bolso e me deu e disse que era para eu almoçar. Eu gostava dele, passei a admirá-lo mais ainda, não pelos 50 reais, mas pela humanidade naquele dia. Ele foi muito gente boa. Eu só vejo bondade nele e tenho fé em Deus que ele vai ser um ótimo prefeito para Fernandópolis.

Cidinho do Ipanema, Cidinho do Paraíso e agora?

Quando eu morava no Ipanema eu vinha pedir e fiquei conhecido como Cidinho do Ipanema. Mudei para o Paraíso e virei o Cidinho do Paraíso. Mas, agora sou o Cidinho de Fernandópolis.

Quem te ajudou mais nessa campanha?

Primeiro vou falar de uma pessoa que andou no sol quente comigo. Foi a minha cabo eleitoral, a única que deram prá mim, a Dona Neusa. Ela ficou viúva há pouco mais de um mês, mas ela andou no sol quente comigo, eu de um lado, ela do outro. A Ana Silvia, essa irmã que é minha vizinha, minha amiga, que me dava comida, café da manhã, preocupada comigo, ela, o marido e os filhos. E todos os comerciantes que ajudaram. Muita gente me ajudou...

Você seria capaz de definir o perfil desse seu eleitor?

Não dá pra definir de onde vieram meus votos. Acho que veio de todas as partes, de todos os bairros, de toda a cidade, dos ricos, dos pobres, classe média.

Mesmo antes da eleição o pessoal já dizia que você estava eleito. Como reagia?

Tinha muito medo dessa história de já está eleito. Eu sempre mantive os pés no chão e implorava para as pessoas votarem em mim. Quando alguém dizia que já estava eleito, eu falava: como estou eleito, ninguém ainda votou?

Você tem uma promessa a cumprir logo que assumir na Câmara?

Prometi que iria comprar uma moto para fazer uma ação entre amigos pela Santa Casa. E vou cumprir isso. Vou pagar a moto em prestações, em 12, 24 ou mais vezes, mas vou cumprir esse compromisso.

Qual a mensagem que deixa aos fernandopolenses após essa votação histórica?

Pode confiar em mim. Pode confiar no Cidinho do Paraíso e de Fernandópolis. Fernandópolis vai voltar a sorrir.