Na virada do ano, repórteres nas praias perguntavam para as pessoas o que elas desejavam para ano que se inicia. A maioria disse: fim das guerras, do terrorismo, da violência; enfim, paz no mundo!
Ninguém falou que queria ser promovido no trabalho, trocar de carro, fazer a viagem dos sonhos, se casar, se formar, ter filhos... Acho que só eu pensei na minha felicidade e de meus entes queridos. Quando deu meia noite e nós nos abraçamos, os únicos desejos que me vieram foram saúde e harmonia para minha família; desculpe meu egocentrismo; nem me lembrei de guerra.
É que, na verdade, penso que antes de sonhar com a paz no mundo, devemos começar com esse propósito a partir de onde pisam nossos pés; a paz deve começar dentro de casa. Quantos filhos não se falam, para o desespero das mães? Quantos pais separados não se falam, para o desespero dos filhos? E as cunhadas que não conversam, os genros e noras que não se entendem com a sogra?
No ambiente de trabalho, quanta fofoca, intriga, mal-entendidos; um fazendo a caveira do outro para se dar bem com o chefe. Nas reuniões de condomínio, quanta discussão inútil, desentendimentos que duram longos anos; às vezes, fazem com que alguns moradores até se mudem, pois a convivência se torna insuportável.
Aí, as pessoas dizem que sonham com a paz no mundo. Por que não começamos aqui e agora? Nas ruas, por pequenos deslizes e muita impaciência, as pessoas se transformam em loucos destemperados xingando quem aparece pela frente. Costumo dizer que só há um tipo de pessoa gentil no trânsito: aquele que quer a sua vaga.
O vizinho coloca o funk no volume mais alto para disputar o território com a turma do pagode. Bom senso, por favor, cada um escuta a sua música no volume que não avança os limites do outro. Tem gente muito religiosa que faz os outros orarem o dia inteiro com a música de sua igreja; assim não dá!
Na política, então, as pessoas se ofendem por governantes que nem sabem que elas existem. Quer guerra pior do que essa?...Você “entra” no facebook para se distrair, e algumas pessoas estão lá chamando de burros aqueles que pensam diferente delas.
Acho que ainda está valendo aquela máxima: “Antes de querer mudar o mundo, dê três voltas dentro da sua casa”; gosto muito dessa reflexão e acredito que ela valha para muitas circunstâncias.
Não adianta fazer discurso pela preservação do planeta e continuar desperdiçando uma caixa d’água lavando a calçada. Ser voluntário em instituições, mas não cuidar de seus familiares idosos - caridade também começa dentro de casa. Outros ainda lutam pela justiça social, mas não lavam uma louça para poupar o serviço da mãe, que acumula dois trabalhos.
É preciso melhorar o ambiente em que vivemos, não basta sonhar com a solução de problemas gigantescos enquanto não fazemos o que está ao nosso alcance. A paz tem ser praticada no dia a dia. Se uma mãe se desentende com a filha, que ninguém coloque lenha na fogueira; se o marido e a esposa passam por uma crise, que ninguém aponte mais defeitos de um ou de outro. Saibamos não tomar partido; se não temos como ajudar que, pelo menos, tenhamos a responsabilidade de não piorar.
Para estabelecer a paz no mundo é preciso julgar menos, criticar menos, competir menos. As pequenas delicadezas com o garçom, o porteiro, o balconista, o vizinho, o colega de trabalho fazem enorme diferença em nosso humor e em nossa qualidade de vida. Com a família, os conflitos são inevitáveis, mas o bem-querer deve falar mais alto. O relacionamento, no mínimo civilizado, deve prevalecer.
É bom lembrar também que, muitas vezes, sofremos por conta de conflitos interiores, de nossas brigas com o passado. Que tal procurar ajuda - “passar o passado” a limpo - antes que a barragem psicológica estoure e dê vazão a todo lixo tóxico acumulado durante a vida?
Diz um filósofo que “todo incêndio começa pequeno”; acredito que as guerras também.