Eles chegam num carro branco. O rapaz desce rapidamente e contorna o carro. Do outro lado, devagar, desce o pai. Gestos endurecidos, olhar duro para frente. O filho fecha a porta do carro e os dois se encaminham para a pista do Beira-Rio. O andar do pai deixa transparecer as sequelas de uma doença: arrasta uma das pernas e o braço do mesmo lado fica sem movimento. Vagarosamente, pai e filho dão uma volta na pista.
Todos os dias essa cena me encanta. Vejo o companheirismo do filho cuidando do pai, vejo sua paciência com o andar pausado, vejo o carinho estampado em seu rosto.
Passo por eles e os cumprimento. Não sei quem são, nem onde moram, nem o que fazem. Com certeza, também não me conhecem, não sabem qual é a minha profissão, meus gostos. Porém, nosso olhar, nesse momento de saudação, diz que somos amigos, irmãos, fazemos parte da raça humana.
No Beira-Rio é assim: somos uma grande família que se encontra todos os dias. Ali não interessa a profissão de cada um; não há diferenças de raça, religião ou partido político. O objetivo único de estarmos cuidando da saúde nos une, a paisagem e o cheiro dos eucaliptos plantados nos barrancos são para todos, o tênis e a camiseta nos tornam iguais. Mal sabemos o nome uns dos outros, trocamos palavras rápidas: “será que vai chover?” Parece que você emagreceu!”Que calor hoje, não?” Vou andando e ouço fragmentos de conversas. Passo por duplas de amigas, elas falam de comida; as mais jovens falam dos namorados; os homens falam de futebol e de política. Uns chegam de moto, outros de bicicleta, alguns vêm caminhando; os casais chegam de carro, trazem seus filhos pequenos, que brincam na terra ou aprendem a andar de bicicleta. Os mais atletas fazem exercícios na barra; outros correm bastante, a maiori simplesmente caminha. Eu vou devagar, acho que passeio. Observo cada pessoa que passa, cada ângulo da paisagem: o açude que está secando, o clube do fundo, com crianças brincando na piscina, avisto o prédio onde trabalho, vejo um condomínio de casas grandes e bonitas e, mais distante, o recinto da exposição.
De repente passo de novo pelo velho e seu filho, sorrio para eles; o filho corresponde; o pai, sem mexer a cabeça, olha-me de rabo de olho e no seu melhor sorriso diz: “oi!” Fico pensando no ciclo da vida: a alguns metros, um pai ampara o filho que está aprendendo a andar de bicicleta; aqui, o filho ampara o pai na sua caminhada. Chega um momento na vida que acontece essa inversão (será que foi pensando nisso que, antes de Machado de Assis, Wordsworth escreveu “The child is father of the man” ? )
Às vezes, o pai chega num carro vermelho, com outro filho e a sua namorada, (eu acho!) Esses dias tenho visto um rapaz diferente acompanhando o velho, (será outro filho?.. e o primeiro, por onde anda?...) Mas o ritual é o mesmo: dão uma volta na pista, vagarosamente, cumprimentam as pessoas. Terminando a caminhada, entram no carro e vão embora.