Quando soube do tema de redação proposto pelo ENEM este ano, não fiquei surpresa: “A persistência da violência contra as mulheres”. Estamos andando para trás nesta questão. As estatísticas mostram que o número só tem aumentado. Em Roraima, por exemplo, chega a 500% o aumento de mulheres vítimas da violência nos últimos anos.
Quero tratar de um viés específico: as mulheres agredidas por parceiros que não admitem o fim do relacionamento – seja namoro ou casamento. Na semana passada, em nossa cidade, um homem matou o ex-marido de sua mulher, porque não aguentava mais ser ameaçado. Com vários boletins registrados, diz ele que matou para não morrer.
Soube de outro caso envolvendo um casal jovem; eles estavam no motel e foram surpreendidos pelo ex-namorado dela – depois de 2 anos do fim do relacionamento. Ele arrombou a porta do quarto com uma barra de ferro, agrediu o namorado da moça – causou traumatismo craniano – levou a ex-namorada para um matagal e a estuprou. (Não conheço os envolvidos; os dois casos, soube por amigos dos casais).
Nos jornais de domingo, veio a notícia de que a fisiculturista Renata Muggiatti, de Curitiba, morta em setembro, não se suicidou ao cair da janela de seu apartamento. Uma perícia comprovou que ela foi asfixiada antes de cair e seu namorado é o principal suspeito – já que vinha agredindo-a há algum tempo, segundo o advogado dela.
O que fica de tudo isso é certeza cada vez maior de que a maioria dos homens lida muito mal com as frustrações. É claro que as mulheres também odeiam qualquer tipo de humilhação, de traição, de abandono, mas a reação dificilmente vai ao extremo. Nesses casos, a mulher procura uma amiga, um terapeuta, uma religião, entra em depressão, enlouquece, delira, mas raramente mata. O psicanalista Erich m explica que a mulher gera vida; por isso, preserva-a mais.
Estou lendo “Pais inteligentes formam sucessores, não herdeiros”, de Augusto Cury - primeiro livro que leio desse autor. Gostei da distinção que ele faz: herdeiros todos somos. Herdamos uma carga genética, conhecimentos, valores de nossos pais, a cultura de nosso povo. Mas vai mais fundo; para ele, os “apenas herdeiros” vivem à sombra dos outros, são especialistas em reclamar, são imediatistas e gastadores inconsequentes. Já os sucessores pensam a médio e longo prazo; adiam as pequenas doses de prazer no presente para mergulharem no manancial amanhã. Sucessores sabem transformar lágrimas em maturidade, vexame em crescimento e dão sempre uma nova chance a si mesmos. Diante disso, Cury nos convida a educar nossos filhos e alunos voltados para o reconhecimento e controle das emoções. É imprescindível discutir a questão do saber perder, do enfrentamento das diversidades e das frustações.
Nessa segunda-feira, parei com todo conteúdo previsto pelo material escolar e propus uma discussão nas salas de aula em que leciono. Pude comprovar as estatísticas: as meninas disseram que após o fim de um relacionamento, geralmente procuram as amigas para conversar ou vão para o quarto ouvir músicas e chorar. Dos meninos, ouvi muito: “se terminar o namoro comigo e arranjar outro namorado, eu arrebento”. Parece que no universo masculino persiste aquela ideia de que “se não for minha, não será de mais ninguém”.
Acredito que deveria haver mais campanhas- nas mídias todas- a esse respeito; que esse assunto fosse tratado com a atenção que merece e as punições, aplicadas de forma exemplar. Só assim, num futuro próximo, nosso país deixará de ser visto lá fora – e em seu interior também - como um lugar onde os homens podem matar suas mulheres e ficar impunes.