“Homem, lobo do homem”

20 de Agosto de 2025

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“Homem, lobo do homem”

 

 

            Eles continuam fugindo. Para onde, nem eles sabem.

Neste momento, não há nada que me comova mais, em qualquer mídia, do que a saga dos refugiados.

            O assunto já foi esmiuçado, mas não se esgota; infelizmente as notícias sobre eles não têm prazo de validade, pois todos os dias, eles estão partindo, mais de 300 mil só este ano - por mar ou por terra - e por onde passam, encontram o pior inimigo: o outro homem.

            Nunca a máxima do escritor latino Plauto, - reescrita por Thomas Hobbes - ”O homem é o lobo do próprio homem” fez tanto sentido. Eles fogem do seu país de origem porque um punhado de homens resolveram guerrear em nome de Deus, por um território ou ainda por uma etnia e pronto!  A vida deles está em risco.

            Ao tentar se refugiar, encontram outro monte de homens que fecham portões, erguem cercas, constroem muros para barrar essas pessoas que procuram desesperadamente um abrigo. De novo vem a imagem do “homem, lobo do homem”.

            A foto de Aylan, o menino sírio que morreu afogado no mar Mediterrâneo, correu o mundo e escancarou a crise a que estamos assistindo. Li num jornal o depoimento de uma conhecida da família de Aylan, afirmando que o pai do menino traficava pessoas; ele era o comandante da embarcação que naufragou. A mulher perguntou a ele se a viagem seria segura, e ele garantiu que sim, pois ali levava a própria família. No naufrágio, além de Aylan, de 3 anos, perdeu outro filho de 5 e sua esposa. O que esperar desse pai? Novamente, “o homem, lobo do homem”.

            Vendo as notícias desse povo que marcha sem pátria, expulso por seus próprios compatriotas, me vêm muitas perguntas.

            Será que algum dia nós conseguiremos perdoar o gesto daquela cinegrafista que, filmando o desespero dos refugiados, passou o pé provocando um tombo no homem que carregava uma criança no colo?

Como as crianças não podem ser mandadas de volta, as mães colocam seus filhos em embarcações e mandam para o mundo, na esperança de tê-las salvas. Será que dia conseguiremos avaliar o tamanho da dor dessas mães?

E os que tiveram a sorte de serem acolhidos, não sonham em voltar para seu país de origem? Como juntar os amigos, voltar aos estudos, manter os hábitos mais corriqueiros que marcam nossa condição humana? Como será deixar para trás toda a vida construída e começar do zero em um lugar desconhecido, com tão pouco? 

Aprendi que é uma grande asneira dizer que sabemos o que o outro está passando. Não! Nós não sabemos.   Mas isso não diminui minha angústia e, por que não dizer, minha vergonha?! Pois, do lado de cá da tela, sentada no confortável sofá, depois de um dia de trabalho, de uma refeição completa, um bom banho e, ao lado dos entes queridos,  já nem me lembro de que o “homem é o lobo do próprio homem” e reclamo do calor que anda fazendo.