Está liberado. Quem quiser escrever uma biografia sobre qualquer pessoa não precisa consultar o biografado - nem seus herdeiros, se aquele já tiver morrido. No dia 10, o Supremo Tribunal Federal derrubou a exigência de autorização prévia para as biografias. O que resta ao biografado é processar o autor da obra, caso haja alguma ofensa ou inverdade.
A questão voltou ao debate depois que Paulo Cesar de Araújo publicou a biografia do rei "Roberto Carlos em detalhes" – recolhida por tocar no delicado assunto da amputação de sua perna e por falar de suas orgias quando jovem, segundo a revista Época (15/6/2015). Outros artistas apoiaram a decisão de Roberto em tirar a obra de circulação – dentre eles, Chico, Caetano e Gil – e foram todos alvo de críticas acirradas.
É difícil discutir essa questão. Pessoas públicas precisam e devem ter suas vidas escancaradas? Para admirar alguém, é preciso saber cada passo dado por ela? Até aonde vai a liberdade de expressão?
Em primeiro lugar, acredito que todas as faces de uma pessoa devem ser exibidas quando se trata de um personagem histórico. Veja, se pensarmos em um ex-presidente, saber cada detalhe de sua vida pode ser importante para explicar suas decisões, atitudes ou omissões. É imprescindível para a História saber como são, como pensam e como agem os grandes líderes. Mas vi, há pouco tempo, o Alexandre Frota num programa de entrevista, falando sobre sua autobiografia. Contou tanto detalhe sórdido de pessoas com quem já se relacionou, que eu realmente temi por sua segurança. De maneira gratuita, destilava um veneno capaz de atrair somente pessoas que adoram sensacionalismo.
Em segundo lugar, o que muda saber da amputação da perna de alguém que tem um talento artístico? Se já não é segredo e, para ele, é um grande constrangimento, o fato de não falar sobre isso caracterizaria ocultação da verdade?
Em terceiro lugar, fico pensando até aonde vai a liberdade de expressão. Depois do atentado ocorrido na França, no jornal Charlie Abdo, adotei um posicionamento muito claro. Morreram doze pessoas e outras sete ficaram feridas, por conta das charges que o jornal estava publicando ofendendo os mulçumanos. Na semana seguinte, os poucos jornalistas que restaram publicaram novamente uma charge ofendendo os integrantes daquela religião. Não parece insano?
Isso me lembra uma viagem que um cunhado meu fez com um grupo de colegas. Eles iam para Ribeirão Preto, onde faziam um curso universitário. Na estrada, um cara com uma Scania fez uma ultrapassagem errada e invadiu a pista deles. Vendo que o motorista não se mexia, meu cunhado perguntou: “Você não vai sair da pista?” E ele: “Não, eu estou certo!...” Para mim, o Charlie Abdo está com o mesmo raciocínio.
Gosto muito de ler biografias. As duas últimas que li foram a do Carlos Wizard Martins - professor, empresário, fundador do Grupo Multi Educação, dentre outros- e a do empresário Alexandre Tadeu da Costa - dono da Cacau Show. Ambas inspiradoras. Não precisou de apelo sensacionalista ou relato de algo constrangedor para “me segurar” como leitora. Como tudo na vida, o limite da liberdade de expressão está no bom senso.