Era final de tarde. Eu ia saindo para a aula de zumba quando um carro do correio chegou e me entregou uma encomenda. Abri o pacote e vi um belo cachecol preto, feito de amarras delicadas de macramê, com pequenas pérolas nos arremates.
Esse presente veio de São Paulo, foi confeccionado por um amigo que conheci em dezembro, quando fui à capital a trabalho. Fiz duas palestras na empresa onde ele trabalha e costumo, nessas ocasiões, brindar algumas pessoas da plateia com meu livro de crônicas. Ele foi um dos contemplados. Leu o livro e, depois de uns meses, me mandou um e-mail comentando a obra. A partir daí ficamos amigos e, confesso, espero ansiosa seus e-mails porque ele é muito inteligente, faz boas leituras e tem um gosto muito requintado para música. Além de me mandar bons artigos que lê, ele me inspira com os poemas que escreve – sejam trovas ou sonetos. Trabalha com Sistemas de Informação.
Fico encantada com tudo o que ele faz pelo amor à vida que percebo em cada atividade que realiza. Tem sido um exemplo de superação para mim e, a cada dia, descubro mais talentos desse meu novo amigo. Imaginem que ele é do sul; nasceu numa cidadezinha ao pé da Serra Gaúcha. Aos seis anos, em um acidente, recebeu vários tiros de chumbinho no rosto – por azar, dois em cada olho – e ficou cego. Demorou muito para ser alfabetizado, mas encontrou o Instituto Santa Luzia, em Porto Alegre - e quando isso aconteceu, aprendeu tudo o que podia: entrou no coral, jogou bola, tornou-se campeão no jogo de xadrez. Adulto, fez dois anos de Direito, mas abandonou para cursar Análise de Sistemas.
O que mais me encanta em tudo isso é ver uma pessoa como ele vencer numa capital. Sinto-me uma pessoa forte, ousada, mas completamente apegada a minha cidade. Na verdade, os grandes centros me assustam – gosto só a passeio. Não sei se sobreviveria naquele caos, naquela correria, sozinha no meio da multidão.
Essa sensação me faz lembrar o filme “A lenda do pianista do mar”. Um bebê é abandonado em um navio e criado pelos seus funcionários. Já grande, o menino aprende a tocar piano e se torna o pianista do restaurante do navio. Nunca descera em uma cidade; então, um dia – a convite de um amigo músico – tenta sair para ter uma vida normal lá fora. Anima-se, mas ao descer a escadaria, confessa que está assustado, pois o mundo é muito grande. Ali dentro, seu território inteiro cabia no teclado de um piano; dali tirava todas as possiblidades de vida. Intimidado, volta definitivamente para o navio.
Sou quase assim, conheço algumas cidades turísticas, poucos estados brasileiros, dois países – Argentina e Uruguai – mas meu mundo é aqui. Não sei se saberia viver em um grande centro.
Pois esse meu amigo, sai de uma cidadezinha pequena e, apesar de cego, vence na maior cidade do país. Não há o menor indício de vitimismo em seus e-mails ou nos poemas que escreve.
Que belo exemplo de coragem, de aposta no ser humano e no desconhecido. Extremante autoconfiante e com um bom humor invejável, ele segue a vida, compondo suas trovas, participando de campeonatos de xadrez, fazendo boas leituras e ouvindo boa música. E, de quebra, confeccionando lindos cachecóis de macramê para as amigas.