Aquele abraço

20 de Agosto de 2025

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Aquele  abraço

             Num dia desses, parada no semáforo,  assisti a uma cena tocante: dois meninos, que não deviam ter mais do que oito ou nove anos, vinham na mesma direção que eu, de uniforme,  mochila  nas costas, abraçados. Riam de tudo, tropeçavam um no outro, olhavam para os lados, numa espontaneidade de dar gosto. A inocência deles, o gesto franco e a expressão de um sentimento verdadeiro  me comoveram, pois nascemos para ser livres e naturais.

            Entretanto, na mesma hora, lembrei-me do filósofo Jean-Jacques Rousseau e da sua concepção antropológica: “o homem nasce bom; a sociedade o corrompe”. Daqui uns anos, esses garotos não vão mais se sentir à vontade para andarem abraçados. Conforme somos educados, aprendemos a reprimir nossas emoções e passamos a representar papéis. Alguém vai dizer a eles que homem não anda assim com outro homem, que não “pega bem”,  então, aquele gesto espontâneo vai desaparecer e o toque, que é tão essencial ao ser humano, vai se tornando mais frio. Assim, vemos pais congelando os abraços, amigos se cumprimentam apenas dando um toque de mãos fechadas;  irmãos raramente demonstram sentimentos entre si. Afinal, o que é um abraço?

            Escritores,  poetas e terapeutas já falaram bastante sobre o abraço , mas parece que o conceito está sempre incompleto. É difícil explicar com palavras aquilo que cada um sente no seu mundo interior.

            Existem abraços formais, que damos em alguém por quem não temos muita amizade e servem apenas como cumprimento. Mas existem outros que nos aproximam das pessoas queridas, e nos amparam até a alma. Existem uns que damos “na marra” naquelas pessoas que nos magoaram, então, sai um gesto frio, forçado. Mas há outros que nos aquecem e nos fazem sentir acolhidos. Outros ainda, vão com um certo afeto da nossa parte, mas encontram uma estátua que não consegue se entregar no encontro dos corpos.

            O melhor mesmo é aquele que, quando estamos com a bateria fraca,  ao chegar, nos recorda de que estamos vivos; aquele que nos lembra que os nossos  órgãos estão funcionando, porque o coração dispara, as pernas tremem e voz não sai. Aquele que de tão bom nos faz desejar que o mundo pare e o instante dure para sempre.

            Falta inventar no calendário o dia do abraço. Já pensaram, todo mundo num único e fraterno abraço universal? Deveria fazer parte de nossa agenda ter que  abraçar muito:  abraçar os filhos, o companheiro, os amigos, os colegas de trabalho, os pais, enfim, as pessoas especiais que nos rodeiam, principalmente aquelas que fazem do nosso mundo um lugar melhor e, da nossa vida, uma aventura plena de sentido.  

            É preciso celebrar a vida no que há de mais natural e espontâneo; assumir nossas fraquezas,  nossas dores, nossos sonhos, sobretudo, nossos afetos. E nesse gesto de liberdade, descobrir  a misteriosa e  prazerosa relação entre nós e os outros. Que tal  começarmos pelo abraço?