Na padaria

20 de Agosto de 2025

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Na padaria

 

 

            Eles chegaram antes que eu. Um casal jovem, com uma menininha de uns três anos, muito bem arrumadinha, com os cabelos presos em cachos. Os pais, cada um olhando o mundo pelo seu celular; a menina comia quieta, sozinha, sentada à mesa. Acabou de comer, desceu da cadeira e passou a explorar o território: olhou as bebidas da geladeira, as roscas e bolos expostos na prateleira, o freezer de sorvetes. Os pais, com olhos fixos no celular. Depois que acabou toda novidade, a menina voltou para a mesa. Sem trocar uma palavra, a mãe lhe ofereceu o celular. Ela imediatamente começou a jogar. Ficaram em silêncio absoluto por um longo tempo.

            Fiquei pensando qual teria sido a proposta dos pais para a menina antes de sair de casa: “vamos passear?” Aquilo ali por acaso era um encontro? Ninguém trocou uma palavra, um olhar, um gesto qualquer.

            O pior é que essa cena se tornou corriqueira. O mundo se transformou em uma grande Lan house; parece que deram uma ordem: “Todo mundo de celular na mão”. Aí aquele que está distante é sempre mais importante do que aquele que está ao lado. Isso é nos shoppings, nas ruas, nos restaurantes, nas escolas. As pessoas andam pelas ruas trombando em postes, caindo em buracos. Conversam com outros sem olhar no rosto, respondendo mensagens, vendo posts das redes sociais, lendo notícias na internet.

            Lembrei- me da cena descrita por  Fernando Sabino em “A última crônica”: um casal bem humilde entra numa padaria com a filhinha; acomodam-se numa mesa ao fundo e, de forma bem discreta, pedem uma fatia de rocambole e um refrigerante. A mãe tira da bolsa uma vela e a espeta no pedaço de rocambole. Tira uma caixa de fósforo e acende a vela. Nesse momento, os três cantam bem baixinho “parabéns a você”. O pai, constrangido na sua simplicidade, olha em volta para ver se alguém os observa. O cronista, que estava à procura de um assunto para fazer seu texto, estava assistindo à cena e se encantou com a celebração modesta, mas cheia de afeto, que os pais ofereciam  à filha. O olhar de um encontra o do outro e eles se entendem num sorriso. Bela crônica!

            Fiquei comparando as cenas; realmente havia muitos detalhes em comum. Mas não resta dúvida de que a garotinha do texto era mais feliz, pois tinha a atenção e o carinho dos pais. Por um momento, fiquei pensando nisso: não consigo imaginar como serão as relações humanas daqui a dez anos. Que vínculos conseguiremos estabelecer com o outro? Que histórias da infância essa geração de crianças e adolescentes terão para contar? Será que terão lembranças dos almoços de domingo na casa da vó? (se todos estavam olhando seus celulares, prestavam atenção nos sabores?... nas companhias?... nas celebrações?)

            Não sei exatamente quando nem como saíram dali os três que estavam a minha frente. Perdi o final da cena, pois quando eu acabava de tomar o café, chegou uma mensagem no meu celular; eu li e respondi. Passei para o feed de notícias do facebook; era aniversário de uma cunhada, dei os parabéns. Vi que havia nascido o filho de uma amiga; vibrei com a aprovação no vestibular de uma aluna querida e soube que minha sobrinha havia ganhado um filhote de cachorro de presente. Fui para a minha página e fiquei feliz ao ver que minha postagem mais recente já contava com 85 curtidas.

Difícil escapar. Esse é meu tempo; também faço parte desse cenário.