Invasão de privacidade

20 de Agosto de 2025

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Invasão de privacidade

 

Aconteceu em Cuiabá. Elas se conheceram na faculdade, fazia pouco tempo. Minha sobrinha e sua amiga, além de estudarem juntas, iam a festas, barzinhos e baladas nos finais de semana. A amiga morava em um edifício no centro da cidade, onde havia a maior dificuldade de se encontrar uma vaga para estacionar o carro. Então, combinavam um horário, a amiga descia, esperava na calçada a carona de minha sobrinha.

Na última semana, houve um imprevisto; a amiga disse que havia se atrasado e convidou minha sobrinha para subir. A porta do apartamento estava só encostada; ela entrou e se sentou no sofá. Macio, de veludo, parecia novo; muito confortável. Na mesinha do centro, várias revistas de decoração, um cinzeiro de cristal e um vaso pequeno, com flores delicadas. No aparador ao lado, alguns porta-retratos.

Em frente, uma parede com quadros. De vários tamanhos, a maioria - óleo sobre tela - tinha como tema o mar. Navios, barcos e jangadas ao amanhecer; alguns pescadores com redes nas mãos.

A amiga se demorava. Silêncio no apartamento, a tv desligada. Resolveu ir até a sacada do apartamento ver o movimento daquele sábado à noite. Luzes vermelhas e brancas cruzavam as avenidas. O cheiro de comida do outro apartamento invadia o andar em que ela estava.

Voltou para a sala. Sentada, pegou o celular e mandou um  WhatsApp  para outra amiga. Como estava a balada? Já tinha muita gente? Chegou alguém interessante? Com que roupa ela estava?... Riu sozinha quando a outra disse que estava vestida para matar.

Começou a ficar impaciente. Que demora!... Pegou uma revista da mesinha e tentou se distrair. O tempo andava devagar. Parecia que estava ali há dois dias. Nada na revista lhe interessava; folheava rapidamente sem ver direito as imagens. O silêncio prolongava a lentidão das horas.

O sapato começava a lembrá-la de que tinha pés; apertava um pouco. Bem que sua mãe a aconselhara usar um mais baixo, mas não combinaria muito com o vestidinho preto que estava usando. Soltou um pouco a pulseirinha do pé direito, mexeu os dedos. Lembrou que tinha feito as unhas naquela tarde e a manicure lhe tirou um bife...sim, por isso doía o cantinho do dedão.

Voltou à realidade. Cansada, resolveu ligar para amiga, dali mesmo. A amiga sugeriu que fosse até o quarto: “venha pelo corredor, te espero na porta”. Ainda ao telefone, minha sobrinha: “Não há ninguém no corredor; aliás parece que não há ninguém aqui...” Nessa hora, ouviu um grito: “Nossa!!!...esqueci de dizer...mudei de apartamento”.

Minha sobrinha se descobriu num campo minado; saiu na ponta dos pés. Chegou à porta, abriu devagar, paralisada. Encaminhou-se para o elevador tentando manter a calma. Desceu, ganhou o hall, a porta de entrada.  Já na calçada, o vento bateu no seu rosto.  Só então soltou um suspiro.  Respirou fundo e, sem olhar para trás, tentou se lembrar onde tinha estacionado o carro.