Há alguns anos, assisti a uma palestra do conceituado terapeuta Paulo Gaudêncio, cujo tema era a paixão. Dizia que quando estamos apaixonados, na presença do ser amado, nossas pernas tremem, nossa garganta seca, as mãos gelam, enfim, nosso corpo reage com vários sinais. Segundo Gaudêncio, essas reações se repetem um mês, dois, três, mas chega um momento em que nosso corpo se cansa de entrar em descompasso. Trata-se de uma questão física; a paixão é vencida pelo cansaço. Se restar alguma coisa, isso sim, será amor.
A explicação me convenceu e acabei transferindo esse conceito para outras situações da vida. Realmente, nosso organismo não dá conta de viver muito tempo no mesmo estado. Percebi que havia assimilado bem essa ideia quando minha filha, um dia, me perguntou como eu consegui sobreviver à morte de meu pai e de dois irmãos, e eu rapidamente respondi: “Sobrevivi porque sofrer também cansa”. Em situações de perda, descobrimos que, ou a gente vai junto ou recolhe os cacos que restaram e toca a vida.
Ontem, relendo o poema “Lisbon revisited”, de Álvaro de Campos – um dos heterônimos de Fernando Pessoa - voltei a pensar nisso. Ao adotar esse heterônimo, o poeta se revela um cantor do mundo moderno, da civilização industrial e mecânica e expressa um desencanto pela rotina do homem da cidade. Trata-se de um inadaptado em seu mundo, um incompreendido; por isso é considerado o poeta do “não”. Declara: “Não: não quero nada...(...) Vão para o diabo sem mim, /Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!/ Para que havemos de ir juntos?” Completamente estressado, o poeta demonstra seu pessimismo e o seu cansaço de viver.
É claro que não temos controle quanto a esse tipo de sensação, mas sofreremos em dobro se passarmos nossa existência reclamando do jeito como as coisas são. O mundo não vai parar para se transformar naquilo com que sonhamos. Ou mudamos nossa maneira de ser, tentando nos adaptar ao mundo como ele é ou, então, passaremos a vida nos lamentando, pois “está tudo perdido mesmo.”
Quem opta pelo segundo caminho, além de sofrer mais, torna-se uma companhia desagradável, enxergando tudo cinza. Gente assim infecta o ambiente com seus “nãos”: “não adianta”, “não serve”, “não pode”, “não vai dar certo”, “melhor não tentar”...e por aí vai.
Amadurecemos quando guardamos nossos sofrimentos numa gaveta, quando colocamos nossas frustações para dormir, nossas saudades desesperadoras num canto qualquer de nosso coração e seguimos em frente, observando quantas coisas maravilhosas diariamente nos surpreendem.
Creio que ao fazermos isso, estamos oferecendo condições para nosso organismo se “cansar” das tristezas inevitáveis e começar novas histórias que possam inspirar os que nos rodeiam e justificar nossa existência.