O padre e o psicólogo

20 de Agosto de 2025

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O padre e o psicólogo

Luciano Ramos da Natividade, 38 anos, foi ordenado padre há 12 anos, sua primeira vocação. No ano passado  concluiu o curso de Psicologia que ele coloca como segunda vocação. Hoje ele lida com o ser humano em duas frentes: na Igreja e no consultório. Em comum, são pessoas marcadas pela dor, fragilizadas, desesperadas, angustiadas, com preocupações e medos e que necessitam de um acolhimento, amparo e cuidado. “Quando buscam o padre, buscam um pai misericordioso para ouvi-los e aconselhar. Quando buscam um psicólogo além de ser alguém que também sabe acolher sem julgar, entendem que esse possui formação e técnicas para colaborar com a cura emocional e psicológica”. Para Luciano, o padre complementa o psicólogo e o psicólogo complementa o padre. “O ser humano é um ser biopsicossocioespiritual, ou seja, uma pessoa que é biológica, psicológica, social e espiritual e não pode ser entendida e analisada de uma forma fragmentada. Portanto, tanto no atendimento paroquial quando a pessoa procura o padre não tem como descartar as questões psicológicas que ela traz”.

Veja a entrevista:

Padre e psicólogo. Por quê?

Ser padre é ser abençoado e verdadeiramente escolhido por Deus. Sem dúvida nenhuma, somente alguém que tem Deus ao seu lado é capaz de realizar tantos feitos como celebrar a Eucaristia, pregar o Evangelho, acolher os pecadores, orientar e acompanhar como somente um pai pode fazer. E como um pai que sempre quer mais e mais contribuir na qualidade de vida de seus filhos, que fui percebendo ao longo dos anos dos meus atendimentos aos fiéis nas paróquias que precisava estudar mais e me aprofundar especialmente na área da psicologia, tendo em vista que muito do que era trazido pelas pessoas que me procuravam eram demandas mais psicológicas do que religiosas. Foi nesse contexto que de padre, vim a me tornar também um psicólogo. Deixo claro que minha primeira vocação é ser padre e como a psicologia é uma segunda vocação hoje posso unir as duas atividades, mas sem misturar religião e ciência na prática cotidiana.

O senhor tornou-se padre há 12 anos e no final do ano passado completou a formação como psicólogo. Podemos dizer que um complementa o outro?

Podemos!!! O ser humano é um ser biopsicossocioespiritual, ou seja, uma pessoa que é biológica, psicológica, social e espiritual e não pode ser entendida e analisada de uma forma fragmentada. Portanto, tanto no atendimento paroquial quando a pessoa procura o padre não tem como descartar as questões psicológicas que ela traz. E no consultório clínico caso o cliente queira abordar questões espirituais e religiosas isso será acolhido e respeitado pelo psicólogo.

Na clínica, é só o psicólogo em ação ou tem algo do padre? E na igreja, tem algo do psicólogo?

Sou padre, porém, na clínica estou praticando uma ciência e como psicólogo é que vou atuar. Seguindo as normas éticas estabelecidas para essa profissão. Na igreja atuo como padre, mas quando necessário não deixo de tocar em questões humanas para colaborar com o povo de Deus dentro do que aprendi no curso de psicologia. Mas procuro sempre administrar as duas realidades de uma forma distinta para que uma não comprometa a outra.

O que as pessoas que o procuram na Igreja e na Clínica têm em comum?

Tanto na Igreja como na clínica o que vejo em comum é que são pessoas marcadas pela dor, fragilizadas, desesperadas, angustiadas, com preocupações e medos e que necessitam de um acolhimento, amparo e cuidado. Quando buscam o padre buscam um pai misericordioso para os ouvir e aconselhar.  Quando buscam um psicólogo além de ser alguém que também sabe acolher sem julgar, entendem que esse possui formação e técnicas para colaborar com a cura emocional e psicológica. Oferece o psicólogo algo que vai além de um ouvir e aconselhar.

Homem ou mulher, quem procura mais o psicólogo e o padre?

A procura na clínica como na paróquia é variada. Vai desde de crianças e adolescentes, jovens, adultos, casais e até mesmo pessoas idosas.

Por que o ser humano está cada vez mais fragilizado do ponto de vista emocional? O que anda faltando na vida das pessoas?

Vivemos numa sociedade individualista, nossas relações andam sendo muito superficiais, não temos mais tempo um para o outro. O corre-corre para sobreviver está deixando as pessoas esgotadas e estressadas o que leva ao aparecimento de muitos transtornos psicológicos. O ser humano precisa reaprender a viver, valorizar coisas simples como o amor e a família. Temos que ser e não apenas ter.

A tecnologia está criando uma geração de risadas virtuais, emoções virtuais e de muita exposição na rede. Como padre e psicólogo, como analisa esse quadro?

É fato que cada vez mais os jovens, e também os adultos, estão usando a Internet e as redes sociais, como twitter, instagram, facebook e whatsapp. Isto tanto pela facilidade cada vez maior de acesso à Web através dos smartphones e tablets, quanto pelo fato de hoje vivermos a chamada era do espetáculo, na qual o ser é ou pode ser igual a mostrar. E aí mostra-se de tudo um pouco nas redes sociais: os sapatos novos, a recente conquista amorosa, a viagem das férias, o embarque no avião…Vivemos na era do espetáculo, na qual o ser é/ou pode ser exibir-se/mostra-se e há as pessoas que gostam de ver e as que gostam de mostrar. É por isso que as fotos do instagram fazem tanto sucesso, bem como as postadas no facebook. Temos que pensar no fato de que cada um é responsável pelo que publica nessas redes. Então é importante filtrar o que publicar para preservar sua intimidade e até mesmo manter sua segurança. Além do mais vale o cuidado para não nos viciarmos no uso dessas tecnologias, já que elas podem nos aproximar dos que estão longe e nos distanciar dos que estão próximos de nós.

Como a psicologia e a religião podem ajudar as pessoas?  

A Psicologia é o estudo científico da mente e do comportamento humano. A partir de estudos e pesquisas os psicólogos podem ajudar as pessoas na promoção da saúde e do bem-estar, potencializar o desenvolvimento e aprendizado das crianças, contribuir para a motivação no trabalho, entre outras contribuições que diferencia completamente daquilo que a religião realiza, mesmo que alguns aspectos podem assemelhar-se. As pessoas que creem em Deus e seguem uma religião com seriedade tornam-se pessoas mais satisfeitas com a sua vida e feliz. Entendem que Deus não vai acabar com todos os seus problemas, mas encontra no criador respostas para saber enfrentar as situações diárias, além da certeza da vida eterna.

Jesus foi o maior psicólogo do mundo?

Como cristão e padre considero Jesus Cristo como um os maiores psicólogos que já existiu, basta lermos os Evangelhos para notar como Jesus acolhia e tinha misericórdia das pessoas, que são atributos que um bom psicólogo precisa ter. Ele conhece profundamente os seres humanos e busca abrir suas mentes para ajudar as pessoas a entender suas vidas e sair das situações que a estão prejudicando. Jesus Cristo age como uma luz para levar o outro a enxergar uma saída no fim do túnel, mesmo que a pessoa ache que tudo está perdido. Seu modo de ser e agir o qualifica como um dos maiores psicólogos que já conhecemos.

O Papa Francisco pede ao jovem que seja protagonista. É a falta de protagonismo, de objetivo, que leva ao vazio da alma?

O chamado do Papa é para que nossos jovens sejam protagonistas na construção de um futuro melhor. Mas o que impede? Cada um de nós é um produto do nosso passado. As nossas histórias de vida, sucessos, insucessos, erros, conquistas, escolhas, moldam o nosso comportamento atual. Os eventos e experiências da nossa vida influenciam profundamente quem somos e como vemos o mundo. No entanto, aquilo que somos no presente sofre ainda influências da forma como olhamos para o futuro. Conjuntamente com o nosso condicionamento do passado, a nossa atitude e a forma como estruturamos o pensamento com base nas expetativas que temos do futuro, moldam igualmente o nosso comportamento atual. Qualquer que seja a sua experiência de vida, você também tem a capacidade de ser o autor do seu futuro. Uma vez que você esteja ciente das histórias da sua vida e atitudes positivas e negativas que tem vindo a ter, como é que pode escrever o roteiro para o seu futuro? Como é que você pensa acerca daquilo que quer alcançar, e que influência quer ter nisso? Que tipo de pessoa você quer ser? Quando não sei que tipo de pessoa quero ser o vazio da alma toma conta da vida.

Qual o seu olhar sobre o futuro? O que temos pela frente?

Como padre e psicólogo, o  que posso dizer é que não podemos ter medo das mudanças, os medos nos paralisam e nos impedem de ir adiante.  A grande sacada para quem não mora mais em cavernas é perceber que não há mais necessidade de tanto medo, tanta ansiedade, as mudanças são muito favoráveis. E elas podem acontecer quando mobilizarmos nossas forças para crescermos como pessoas humanas, nos conhecendo melhor e deixando a força do amor, da compaixão e da misericórdia nos guiar para um caminho onde haja união, respeito, direitos iguais e paz.