De Fernandópolis para Paris e o mundo

20 de Agosto de 2025

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De Fernandópolis para Paris e o mundo

Há três anos, em 2013, Rubens Celso Lopes Filho, então com 22 anos, foi destaque na imprensa nacional. Ele foi o primeiro percussionista brasileiro a ingressar no Conservatório de Paris, uma das instituições de ensino de música mais renomadas do mundo. Rubens, que nasceu em Estrela d´Oeste, é filho da professora Sônia Maria Silva Lopes e do dentista Rubens Celso Lopes. A família veio para Fernandópolis há 10 anos motivada pelo trabalho. Foi a oportunidade para o filho, então com 15 anos, iniciar na Orquestra de Sopros de Fernandópolis. Mas a música na vida de Rubens vem desde a infância. Aos 17 anos, após concluir o colegial na Escola Estadual Joaquim Antônio Pereira, o jovem músico acabou aprovado no vestibular para o curso de música da Unesp em São Paulo para onde se mudou. Foi quando ingressou também na Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, mais um passo, para realizar o sonho de estudar música em Paris, onde já completou o curso de mestrado, mas ainda continua estudando. De Paris, Rubens abriu espaço em sua agenda de estudo para esta entrevista especial para o CIDADÃO. Diz que, apesar da onda de atentados na França, não sentiu medo, porque seu foco é estudo. Em Fernandópolis, a mãe Sônia Maria, entretanto, confessa que fica sempre “muito preocupada”. Veja a entrevista deste músico que saiu de Fernandópolis 
para ganhar Paris e o mundo.
Você foi o primeiro músico percussionista brasileiro a ingressar no Conservatório de Paris. Como foi essa conquista?
Sim, fui o primeiro. Eu tinha decidido de realizar o concurso para entrar no conservatório depois de conhecer um dos professores no Brasil mesmo, no Festival de Inverno de Campos do Jordão. Ele se chama Florent Jodelet e é um grande amigo. Foi ele quem me apresentou tudo e abriu as portas para mim. O concurso é realmente muito difícil e na época tiveram algo em torno de 80 candidatos na primeira fase e 40 na segunda. Eu toquei um repertório de 30 minutos e fiz uma entrevista em Francês para um júri de cinco músicos que o Conservatório escolhe e traz de fora para realizar as provas (na França as provas são realizadas para um júri exterior diferente da equipe do Conservatório). Somente eu fui aprovado no mestrado nesse ano. 
Você está completando três anos em Paris. Como está sendo essa experiência? Em que estágio você está?
Eu tenho agora meu diploma de mestrado em percussão, mas continuo no Conservatório como aluno de improvisação generativa, um tipo de improvisação livre que segue padrões da música contemporânea unidos com a música clássica e o jazz. 
Em três anos eu já tive a sorte de poder tocar com todas as grandes orquestras da França, como a Orquestra de Paris, a Orquestra Nacional da França, a Orquestra do Pais da Loire, etc... Toquei também com o Ensemble Intercontemporain que é um dos grupos de música contemporânea mais prestigiados no mundo. Além disso, eu participei de várias outras oportunidades interessantes, como acompanhar dança, tocar bateria em um grupo que interpreta Frank Zappa, tocar bateria com uma big band e também com o Toquinho e a famosa violoncelista Ophelie Gaillard, com quem gravei um cd. Recentemente eu me apresentei com o New York City Ballet no teatro Chatelet e realizei uma turnê de um mês no Japão com a Grande Orquestra Jean-Jacques Justafré tocando tímpanos e percussão. Os últimos três anos têm sido realmente muito produtivos e atualmente eu sou considerado “Intermitente do Espetáculo”, uma profissão na França onde realizo vários contratos seguidos com diferentes grupos. 
Em que momento você decidiu que o objetivo era Paris e como foi realizar esse sonho?
Em 2012, último ano da faculdade Unesp, conversando com meus professores na faculdade e com meu professor da França. Ganhar um concurso importante no Brasil (o prêmio Ernani de Almeida Machado) me impulsionou ainda mais e deu tudo o que eu precisava, pois custeou minha viagem e meu primeiro ano no exterior. 
Você foi o primeiro músico brasileiro a ingressar no Conservatório. Como foi recebido?
Em percussão sim, mas já existem e já passaram muitos brasileiros em outros instrumentos. Eu fui recebido com samba pela turma de 11 alunos, na verdade uma mistura de salsa com bossa nova que eles acham que é samba (hehe!). Depois veio muita cobrança, muita pressão e curiosidade em como eu tocava tanto por parte dos alunos (muitos deles realmente geniais) e também dos professores, pois minha nota de entrada no conservatório foi muito alta. Até me acostumar com esse sistema de exigência e comparação demorou um pouco, mas não acho ruim, pois é por isso que o Conservatório é conhecido por sua excelência e eu já meio que sabia disso.  
Você nasceu em Estrela d´Oeste, veio para Fernandópolis com a família e ingressou na Osfer. Em que momento foi isso?
Não sei muito bem, mas acho que por volta de 2006. Eu estudava demais a bateria e tocava um pouco de teclado na igreja com minha mãe (o teclado foi minha formação de base para conhecer a harmonia e a teoria da música). Eu tocava também com grupos de rock com alguns músicos muito talentosos (como por exemplo, o Zeca Mota que é um super guitarrista e que não sei onde está hoje). Procurei então a Orquestra de Sopros, mas me disseram que iriam colocar meu nome na lista e depois disso passaram uns dois anos até o Evandro Angelucci me apresentar pessoalmente ao maestro Fernando (Paina) que me ouviu tocando caixa e me convidou para os ensaios. Depois disso eu aprendi muito tocando com um regente, o Fernando, que também me incentivou a estudar a bateria e trouxe grandes músicos do Brasil para me dar aulas. Graças aos conselhos do Fernando eu pude “abrir” meu leque e crescer muito na profissão. Com essa formação eu consegui entrar na Unesp e depois no Conservatório, passando por muitas oportunidades pelo caminho. Bom, eu tenho que deixar claro que é extremamente impossível de se tornar um excelente músico profissional na região de Fernandópolis só com o estudo ou só com as oportunidades. Eu sempre tive um impulso para estudar horas sem parar como um maníaco, algo em torno de 10 horas por dia (mas deixo claro que não me importo com a quantidade de estudo, pois o importante é a qualidade). Com essa minha personalidade eu tive a sorte de encontrar um sistema de ensino como a OSFER e principalmente o Fernando Paina que me deu tudo o que eu precisava, material, espaço, professores.  
Quando nasceu o interesse pela música erudita?
Nasceu com os cds Clássicos da Folha que meus pais tinham em casa. Depois com as aulas de teclado e então na OSFER. Só na Unesp que eu pude realmente entender o que era a música erudita em relação a todas as outras coisas e mergulhar bem fundo nisso tudo. 
Como foi a caminhada até virar percussionista? Como foi essa escolha?
Na verdade eu ganhei uma bateria de criança quando eu era bem novinho. Lembro que meu pai que me deu e lembro que ele guardava no guarda-roupa um par de baquetas reserva da cor verde e feita de um material bem leve. Depois eu pedi um acordeon e ele me deu também. Na casa da minha tia Braunice tinha o piano de minha prima Carime que eu sempre tentava tocar sozinho e na casa dos meus avós tinha um órgão da minha tia Daniela que eu também ficava explorando, até que meu pai me colocou em aulas de teclado eletrônico (uma mistura de piano e sintetizador) e foi meu pai que também me deu um teclado. Depois tive um cavaquinho com o qual aprendi alguns acordes a alguns ritmos. Meu primo Felipe Bonfim estava na fase da adolescência em que queria tocar guitarra com os amigos e então um dia apareceu uma bateria em sua casa. Eu acabei aprendendo os acordes no violão porque meu primo Felipe também tinha um violão, mas quando eu peguei as baquetas eu já sabia tocar (e não sei como). Minha tia Marileide me deu essa bateria de presente e a partir de então a técnica que adquiri na bateria estudando horas por dia me ajudou na percussão, pois na verdade a técnica é a mesma.  
Qual a participação de seus pais nesta conquista?
Minha mãe (Sônia) sempre gostou de cantar e me deu a motivação para a música junto com minhas tias pianistas. Meu pai (Rubens) sempre me apoiou apesar de sua preocupação em como eu iria conciliar música e escola. Foi ele quem me colocou pra ter aulas de teclado, de técnica vocal e de bateria. Foi meu pai também, em acordo com minha mãe, que me deu todos os instrumentos e os meios que precisei pra poder estudar.   
Quais são seus planos neste momento? Tem interesse em retornar ao Brasil ou pretende continuar pela Europa, estudando?
Por enquanto eu continuarei pela Europa. Na França eu toco com muitas orquestras. Em setembro tenho uma turnê com o Toquinho pela Itália e um concerto com uma big band na China. Vai chegar um momento em que vou estar fixo em uma grande orquestra e pode ser que essa orquestra seja no Brasil perto de minha família, mas pessoalmente eu gostaria que fosse na Europa pela qualidade de vida.  
Recentemente você integrou uma turnê de cantor brasileiro. Como foi?
Foi o Toquinho. Muito profissionalismo e tudo muito bem trabalhado. O único momento de descontração foi no camarim onde a gente passou um tempo junto tocando pandeiro e violão. Todo o resto do tempo foi muita correria, os músicos que estavam com a gente eram realmente muito bons. 
Como está sendo lidar com a realidade dos atentados terroristas em Paris?
Acredito que o homem pode ser muito ruim, seja com a religião ou sem. Para mim isso é culpa de um grupo de covardes que alienam pessoas frágeis e que acabam fazendo essa covardia com quem não tem nada a ver com seus ideais. É muito triste e estou sentindo agora que isso acontece aqui do lado. Porém, eu sempre digo que apesar do horror é muito mais inquietante viver em São Paulo, por exemplo. Aqui em Paris eu posso andar sozinho tranquilo na rua, dormir de janelas abertas, sair à hora que eu quiser e raramente vou ter problemas de agressão ou roubo, diferente do Brasil. Ainda não tive realmente medo de sair porque na verdade não saio, eu passo o dia todo fechado estudando meus instrumentos, então ainda não senti a aflição de um ataque terrorista que possa acontecer a qualquer momento.