A entrevista de hoje é um diagnóstico perfeito da política fernandopolense. O jornalista Vic Renesto, editor de CIDADÃO por quase uma década, está retornando ao Grupo Scandiuzi de Comunicação, após período de três anos em que atuou como Secretário Municipal da Cultura. “É a sensação de voltar pra casa”, diz. E no propósito de “desenferrujar o texto”, ele transita pela história política de Fernandópolis com a autoridade de quem vivenciou o ambiente local em suas entranhas. E não economiza no verbo quando aborda o surrado pacto pela união, sempre proposto em Fernandópolis. “Isso porque persiste um antagonismo terrível, um divisionismo que muitas vezes se mostra deletério aos interesses da cidade”. Sobre o jovem idealista que cerrou fileiras contra a Diatadura, Vic diz que os ideais sobrevivem. O que não sobreviveu foi a “fé nas lideranças políticas e/ou projetos políticos em que já acreditei”. Bem vindo de volta, Vic Renesto!
Você está voltando ao Grupo Scandiuzi de Comunicação reforçando a equipe para as Eleições. Como está a expectativa?
Nem é a expectativa, é a sensação de “voltar pra casa”, como bem disse o Franclin Duarte. Afinal, fui o primeiro editor do “CIDADÃO”, e durante sete anos e quatro meses tive o prazer de ver nascerem grandes talentos no jornalismo e nas artes gráficas, como o cartunista Arpa, que lancei no jornal em 2005, as Danielas (Gabriel e Ortolan), a Karina, a Patrícia, o próprio Franclin, o diagramador Gabriel. Todos eles sempre demonstraram muita gratidão, que é a mais valiosa das moedas. Agora, a convite da Glenda Scandiuzi, vou participar do projeto de marketing das eleições municipais. É hora de desenferrujar meu texto.
Você viveu muito a política de Fernandópolis em vários momentos. Qual o diagnóstico que faz? Houve evolução na forma de fazer política?
Houve muitas mudanças, que não ousaria chamar de evolução. Isso porque persiste em Fernandópolis um antagonismo terrível, um divisionismo que muitas vezes se mostra deletério aos interesses da cidade. Nos anos 60, as duas correntes políticas locais viviam um acirramento shakespeariano que se manteve através das décadas. Nunca houve um “pacto social” de fato, que visasse ao bem de Fernandópolis. E isso, na realidade política brasileira, onde não existem os deputados distritais, é burrice. Deveria ser obrigação de cada prefeito, de cada vereador, de cada presidente de partido ou entidade, ser bairrista de carteirinha.
Um das coisas que chama a atenção é o fato de Fernandópolis ter rejeitado o artificio da reeleição (Farinazzo, Ana Bim e Vilar disputaram e perderam). Simples coincidência das urnas?
Sim e não. O professor Farinazzo foi “acusado” por muitos de não ter se aproveitado da amizade sincera que o governador Mário Covas lhe dedicava. Mas será que é pecado ter ética? Ana Bim perdeu porque as elites criaram uma verdadeira operação de guerra para eleger Vilar. E Vilar perdeu porque mereceu a derrota.
A palavra união é, talvez, a mais citada em discursos políticos. Por que a dificuldade em sair da retórica para a prática?
Retomando o raciocínio sobre a “evolução da política em Fernandópolis”, creio que o maniqueísmo a que me referi é o principal empecilho para que a retórica dê lugar à prática. E há outra variável: o egoísmo. É fácil fazer discurso demagógico (e a demagogia é o defeito da democracia, segundo os manuais de Teoria Geral do Estado), mas na hora de ceder, de abrir mão, todo mundo disfarça e sai assobiando. Qual é o percentual de renovação da Câmara de Vereadores, ao longo dos anos? Quantos nomes novos disputaram as eleições majoritárias? Quantos empresários “deram a cara a tapa” e foram a São Paulo ou Brasília brigar por Fernandópolis? Talvez tenha faltado, ao longo dos anos, um líder sábio e sereno, alguém com o perfil de um Roberto Rollemberg, um Edinho Araújo – enfim, alguém que tivesse o condão de agir de maneira suprapartidária e unisse as correntes.
Sempre torcemos o nariz quando se faz comparação com Votuporanga. Mas a vizinha cidade é o que se pode dizer de exemplo do que a união, de fato, pode produzir para a cidade?
Os políticos de Votuporanga sabem colocar a cidade em primeiro plano, pelo menos depois das eleições. Além disso, eles elegem deputados estaduais e federais com mais facilidade do que nós. Some-se a isso a lua-de-mel de mais de duas décadas que os votuporanguenses vivem com o governo do estado, onde o PSDB tem a hegemonia há muito tempo, e você terá a receita que lhes dá uma posição regional privilegiada. Agora, o que Fernandópolis não pode aceitar é a ação do deputado estadual Carlos Pignatari, que não vacila quando tem a chance de sabotar nosso município, como no caso da diretora da DRADS e da diretoria de ensino. E pensar que ainda há fernandopolenses que se sujeitam a cabos eleitorais desse deputado...
Qual foi, em sua opinião, a maior revelação na política de Fernandópolis?
Apesar de não ter disputado cargos nas eleições municipais, sem dúvida o Júlio Semeghini foi a maior revelação local. Lembro-me que, já no seu primeiro mandato como deputado federal, Júlio foi considerado pela Folha de São Paulo como um dos 100 parlamentares mais atuantes do país. Depois, teve momentos menos felizes, pelo menos no que respeita aos interesses de Fernandópolis. Fausto Pinato, que é inegavelmente um grande estrategista, está debutando como deputado. É cedo para fazer uma avaliação sobre seu trabalho, sem correr o risco de errar. Entre os mais antigos, destaco o grande feito de eleger, em 1962, o ex-prefeito Adhemar Monteiro Pacheco deputado estadual. Depois disso, sempre batemos na trave.
Seu pai sempre foi um legislador que fez história na política de Fernandópolis. Sua mãe é atuante também na política. Nunca teve desejo em ser candidato?
Jamais. Se o jornalista assume posição política, ele perde parte de sua credibilidade. É claro que essa premissa não o obriga a não ter opinião, ao contrário: jornalista tem que ter senso crítico aguçado. Se não tiver, não é jornalista, é repassador de releases. De fato, meu pai foi uma pessoa fundamental em muitas conquistas de Fernandópolis. Ele escreveu os estatutos da Fundação Educacional de Fernandópolis, presidiu a Câmara, o Parque Residencial São Vicente de Paulo, o Conselho do Fefecê...Veja: a atuação do cidadão Waldomiro Renesto supera a do político Waldomiro Renesto. Quer dizer: você pode participar ativamente da sua comunidade, mas não precisa, necessariamente, entrar diretamente na política. Quanto à dona Wandalice, não a vejo como política, e sim como patrimônio moral e cultural de Fernandópolis. Ah, sim: de quebra, ela escreveu a letra do “Hino a Fernandópolis”...
Você viveu sua juventude nos tempos de chumbo da ditadura. Veio a democracia, a esquerda chegou ao poder e o país está naufragado na maior onda de corrupção de sua história. Aquele jovem idealista resiste aos tempos de hoje?
Sim, quanto aos ideais; não, relativamente à fé nas lideranças políticas e/ou projetos políticos em que já acreditei. Lula, por exemplo, personifica essa desilusão. Ele trocou o “logus” da posteridade pelo “logo” da prosperidade, como diria Gilberto Gil. O Brasil sempre teve o DNA da corrupção, veio já no século XVI, com os degredados portugueses. No dia em que o país solucionar essa idiossincrasia – se é que esse dia virá – seremos a maior Nação do planeta. Observe a Europa, a Ásia, a África, o Oriente Médio: há problemas seríssimos por todo lado. O Brasil é lindo, tem um clima maravilhoso, uma cultura esplendorosa, um povo pacífico. É preciso extirpar a corrupção, que ao lado das drogas, é o maior flagelo que nos assola na atualidade.
Foi para chegar à atual realidade brasileira que os estudantes, sindicalistas, operários do meu tempo de juventude saíram às ruas para enfrentar as bombas lançadas pelo Coronel Erasmo Dias? É claro que não. Mesmo assim, fica o alerta àqueles que preconizam a “volta dos militares ao poder”: liberdade é essencial. Se a corrupção existe, temos que ter a liberdade de expressão para combatê-la. Pior do que sentir raiva, indignação, é sentir medo de morrer, de ser torturado. Golpe, nunca mais! Chega de Brilhantes Ustras e Bolsonaros.
Se pudesse escrever uma mensagem ao prefeito/prefeita e vereadores eleitos em dois de outubro, o que diria a eles?
Na verdade, sempre torço por um Legislativo competente e fiscalizador, por um prefeito/a que realize obras importantes e obtenha grandes conquistas. Não sou adepto da teoria “quanto pior, melhor”. Quero o bem da cidade. Diria a eles que refletissem sobre o que pretendem fazer em seus mandatos: “ajeitar o seu lado” ou entrar para a galeria de notáveis do município? Afinal, o dinheiro é volátil, mas o reconhecimento da História é perene. Perene e para uns poucos eleitos pelo reconhecimento público.