Eda, a delegada que comandou a DDM por 26 anos

20 de Agosto de 2025

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Eda, a delegada que comandou a DDM por 26 anos

Ela sempre quis ser delegada de polícia. E realizou o sonho. Eda Leci Honorato chegou em Fernandópolis em 1990 com a missão de permanecer por aqui durante um ano. Adaptou-se à cidade e acabou ficando, cumprindo toda sua carreira policial de 26 anos em Fernandópolis. Agora está aguardando a publicação de sua aposentadoria. Mas, avisa: está longe de parar de trabalhar. Tem projetos à vista, entre eles, continuar como professora Mestre do curso de Direito da Unicastelo. Nesta entrevista ao Cidadão, Eda faz uma retrospectiva de sua carreira em Fernandópolis, conta o caso que mais a impressionou na carreira policial e aponta o crime de estupro como bárbaro e repugnante. Diz que a Lei Maria da Pena chegou para por fim a um ambiente de impunidade na violência contra as mulheres. “Infelizmente temos julgamento(s) de homicídio(s) que se estendem no tempo, isso não reflete bem, especialmente homicídio no âmbito doméstico”, comenta. E aponta que só a Educação poderá resolver o problema da violência.

Podemos começar perguntando: a Dra. Eda Leci Honorato já é delegada de Polícia aposentada? Como é olhar para essa nova fase da vida?

Ainda não, estou no aguardo da publicação da aposentadoria, mas já estou definitivamente afastada. Estou olhando para essa nova fase, confesso: vontade de prender os agressores contra mulheres (risos). Saudade da Delegacia da Mulher e das minhas queridas funcionárias. Estou com novos projetos para minha vida, e muito longe de parar de trabalhar, acho que trabalharei ate morrer.

A senhora é professora de Direito na Unicastelo. Qual a área e como está sendo essa experiência na academia?

Sim, sou Professora e amo dar aulas. Minhas disciplinas são: Direito Processual Penal, inclusive Pratica Forense e Direito Penal Especial: Crimes contra a Pessoa (homicídio, infanticídio, aborto, lesões corporais, etc...) e contra o Patrimônio (furto, roubo, extorsão, estelionato, etc...), e às vezes Crimes contra Liberdade Sexual. Adoro meus alunos, é uma experiência maravilhosa, muito gratificante compartilhar um aprendizado com os alunos, estamos estudando constantemente, não podemos parar.

Vamos voltar no tempo, lá em 1990, quando a senhora tomou posse como delegada e veio para Fernandópolis e aqui desenvolveu sua carreira policial. Como foi essa escolha e o que a fez ficar em Fernandópolis definitivamente?

Pois é, na verdade não tive opção de escolha quando fui aprovada no concurso. Embora tenha passado em primeiro lugar, na ocasião a assessora das Delegacias das Mulheres, Dra. Rosemary Correa, disse: Eda, estou te mandando para a cidade de Fernandópolis-SP e preciso que você lá permaneça por um ano, depois te transfiro para onde você quiser, pois caso contrário, corre o risco de ser fechada (isto porque várias delegadas que passaram por aqui em um ano, brigavam para saírem daqui, isto porque estavam distantes de familiares). Daí, os anos foram passando e fui me adaptando cada vez mais na cidade e adotei Fernandópolis como a cidade do coração, e optei por ficar aqui, foi minha única cidade, só acumulei cidades da região, mas, não quis sair daqui, embora a Dra. Rosemary me indagasse sobre isso. E foi o Amor para com minha profissão, com a Delegacia da Mulher, para com as funcionárias, que fez com que eu ficasse até o momento.

Por que a escolha pela carreira policial?

Interessante essa pergunta, pois sempre quis ser Delegada de Polícia, e isto em uma época que Mulher não era Delegada, e quer saber????, nem eu mesmo sabia ao certo o  que fazia uma delegada, tinha uma vaga noção que descobria e prendia “bandidos”, mas queria ser delegada. Sou a primeira Policial na Família. Sempre tive um espírito investigativo, desde criança, e descobri que isso tinha a ver com ser Policial, daí fui me informando mais sobre ser delegada e nada e ninguém me fizeram mudar de ideia, embora tentassem. Foi uma boa briga, pois se discriminava a mulher nessa carreira.

Em tantos anos de carreira policial, qual o caso mais chocante que investigou em Fernandópolis?

Quando o namorado matou a namorada, adolescente de dezessete anos, grávida de 6 a 7 meses. Quando entrei na sala de necropsia para acompanhar o exame deparei com a adolescente  morta, mas em cima da barriga, já aberta me depararei com o bebe, também morto, pois não conseguiram salvá-lo. Nossa, foi um choque!!! Ambos foram atingidos com os golpes fatais, a jovem mãe e o bebê, ali, sem vidas..

A Delegacia de Defesa da Mulher foi criada para combater a violência contra a mulher. Após conviver tantos anos com essa realidade, a senhora formou uma convicção do por que dessa violência?

O machismo enraizado, o alcoolismo e todo tipo de droga, são incentivos a atos violentos. Muitos atos brutais foram praticados por agressores drogados ou alcoolizados, isso é praticamente o cotidiano dos agressores na Delegacia da Mulher. As vítimas dizem que são agredidas pelo companheiro quando eles bebem. Daí vem à pergunta: e quando ele bebe? E respondem: sempre. É isso aí que vi durante mais de duas décadas.

O que a Lei Maria da Penha contribuiu para ajudar a conter essa violência?

Muito e muito. O fato de não aplicar a Lei 9099/95, que é pagamento de cesta básica, não prisão em flagrante delito nos crimes menos graves, etc. O fato de não ser aplicada contribuiu muito, pois prendemos muito, inclusive a prisão preventiva no descumprimento das medidas protetivas decretadas a favor da vítima.

Algum caso em que a senhora percebeu que a impunidade ainda é o maior estímulo da violência?

Até 2006, antes da Lei Maria da Penha, a impunidade era grande, e de certa forma a violência sobressaia mais, depois da entrada em vigor dessa Lei, melhorou muito. Mas, infelizmente temos julgamento(s) de homicídio(s) que se estendem no tempo, isso não reflete bem, especialmente homicídio no âmbito doméstico.

Nos últimos dias, o que mais se comenta no Brasil é o caso de estupro coletivo envolvendo uma menor no Rio de Janeiro. Qual sua opinião sobre o crime de estupro?

É um crime bárbaro e hediondo. Repugnante e deixa traumas e sequelas para sempre na vida da vítima, principalmente, se for  criança e com violência real.

Em Fernandópolis, quais os casos mais famosos de estupros que investigou? Qual era o perfil comum de um estuprador?

Tivemos vários casos. Um padrasto que sequestrou a enteada, criança de dez anos, do Estado de Minas Gerais e a trouxe para Fernandópolis, onde a mantinha em cárcere privado, enquanto a mãe procurava pela filha por vários meses, em toda a região. Recebemos uma denúncia anônima e investigamos, encontramos a criança, que era a “mulher” do autor do estupro, uma criança. Ao vermos um colchão de solteiro, único colchão naquele cômodo, com os bichinhos de pelúcia, foi uma cena marcante para sempre. A criança não tinha noção da violência que estava sofrendo. Passamos por exame de corpo de delito, defloramento não recente. 

Perfil? Os pedófilos, que abusam de criança, têm uma aparência de educação extrema, atenciosos e preocupados para com o infante.

Já estupro contra adultos, difícil, é dissimulado, enganam facilmente. Não me arrisco a dar detalhes de um perfil certo, são variantes.

Como a mulher pode evitar um estupro?

Estar sempre acompanhada de alguém quando passar em locais sem movimento e em especial, altas horas da noite ou na madrugada. Evitar passar por locais ermos e horários em que a população repousa, é alvo mais fácil.

No ano passado, Fernandópolis registrou 19 casos de estupros e este ano em 4 meses foram 14, segundo estatística da Secretaria Estadual da Segurança Pública. São números preocupantes?

Não deixa de ser preocupante. Existe o crime de Estupro (constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso) e o crime de estupro de vulnerável (ser a vítima menor de 14 anos, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (exemplo : estar muito embriagada)).

Pois bem, o crime de estupro, sendo vítima maiores de idade e que gozam de plena capacidade mental, tivemos um caso esse ano que há muito tempo não ocorria, os autores que atacaram as vítimas em locais ermos, inclusive quem estava namorando, foram presos.

Agora, estupro de vulnerável, os autores são parentes próximos, na maioria das vezes,  tateiam as partes íntimas de crianças, sem deixar vestígios. Temos também, moças menores de catorze anos que consentem na pratica sexual, muitas vezes engravidam do namorado, é crime de estupro e essa modalidade engessa a estatística, pois são os mais corriqueiros, os mais frequentes.

Após 26 anos vivendo o ambiente de violência, o que de fato é necessário para mudar essa realidade?

Só Educação mesmo. Educar nossas crianças, nossos adolescentes e conscientizar os adultos. Palestras, campanhas... combate a violência, pois rigor da Lei, por si só, é insuficiente.