Doar órgãos é um gesto de amor e solidariedade. Quando um transplante é bem sucedido, uma vida é salva. Milhares de pessoas aguardam na fila por algum tipo de órgão que possa garantir um transplante salvador. Desde que a Santa Casa de Fernandópolis se transformou em hospital notificador, 137 vidas foram salvas através de transplantes com órgãos captados no hospital. Apesar do gesto nobre, muitas famílias ainda resistem a fazer a doação de órgãos, muitas vezes por não conhecerem a intenção do doador. A enfermeira Maira Queiroz Cazarin, é membro da CIHT - Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes da Santa Casa de Fernandópolis, que é comandada pelo médico Sandro Serafim. Essa comissão tem a missão de abordar a família para doação de órgãos. “Sabemos que a maioria das famílias tem suas dúvidas, medos e inseguranças em acreditar na morte encefálica com o coração batendo. Cabe ao médico e a CIHT explicarem detalhadamente, com palavras claras, que a morte encefálica é irreversível”, diz a Maira nesta entrevista ao CIDADÃO.
Como funciona a Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes (CIHT) da Santa Casa de Fernandópolis?
A Santa Casa de Fernandópolis funciona como um hospital notificador, seguindo a hierarquia de comunicar a OPO (Organização de Procura de Órgãos e Tecidos) responsável pela nossa região localizada São José do Rio Preto, que comunica a Central de Transplantes em São Paulo, passando informações para o Sistema Nacional de Transplante em Brasília.
Qual o protocolo de atuação dessa comissão até a abordagem da família de potencial doador?
A atribuição da CIHT exerce a função de realizar educação continuada intra e extra hospitalar, a coordenação em centro cirúrgico no momento da extração dos órgãos e a identificação de possíveis potenciais doadores de órgãos. Para identificarmos pacientes em Morte Encefálica, eles devem estar com glasglow 3 (escala de coma), entubado, sem sedação e ter um exame de imagem confirmando o diagnóstico de uma complicação cerebral. Após esta identificação iniciaremos o protocolo de Morte Encefálica que deverá ser realizado em três etapas por médicos diferentes. Todas as etapas são acompanhadas diretamente pela CIHT. São dois exames clínicos, com diferença de no mínimo seis horas em adultos e o terceiro de imagem. Cada fase é documentada e enviada para a OPO. Terminando as fases e sendo positivas para a morte, está encerrado o Protocolo de Morte Encefálica. Com diagnóstico fechado, a CIHT aborda a família para ter a autorização ou não da doação de órgãos. Para efetivação da doação pode ter somente o consentimento registrado e assinado pelo cônjuge, filhos ou parentes de primeiro grau.
Quais os cuidados que devem ser observados?
Devem ser observados se os familiares abordados para a entrevista estão portando documentos comprobatórios de parentesco. O local para abordagem familiar deve ser tranquilo e arejado, devemos sempre ser claros com a família, nunca deixar dúvidas, respeitar o desejo da família, tomar cuidado do verbal e não verbal. Sempre estamos atentos para que a equipe não comente sobre doação de órgãos antes do diagnóstico de Morte Encefálica encerrado com os familiares.
A partir da notificação de caso de potencial doação, quais os procedimentos que são adotados pelo hospital para viabilizar a captação de órgãos?
Os procedimentos adotados de viabilização dos órgãos iniciam a partir da autorização assinada pela família, documentada e enviada para a OPO, o preparo das equipes e da UTI no preparo do paciente, além do centro cirúrgico, para a retirada dos órgãos pelas equipes de retirada, que serão encaminhadas através da Central de Transplantes para a Santa Casa de Fernandópolis. São eles que levarão os órgãos a serem transplantados para os receptores e farão a comunicação da CIHT com os familiares a respeito do momento que iniciará as retiradas de órgãos, o tempo que levará para a extração dos órgãos, a liberação do corpo, a disponibilidade e o esclarecimento de dúvidas para a família.
Quantos casos foram identificados como de possíveis doadores e quantos acabaram se efetivando com o consentimento da família?
Foram identificados como possíveis doadores para Morte Encefálica 22 pacientes, dos quais nove foram efetivados com o consentimento da família. Cinco dos pacientes foram inviáveis para a efetivação da doação de órgãos e oito houve recusa familiar por não saberem o desejo do paciente. Para pacientes com coração parado, com retirada somente de córneas, foram 56 efetivações nas doações com consentimento familiar e 48 recusas familiar, também por não conhecerem o desejo do paciente.
Como classificar o nível de conscientização das pessoas para doação?
Devemos trabalhar a conscientização de cada pessoa para que comunique à sua família o desejo de ser doador de órgãos, além de conscientizar a população sobre o ato voluntário de se declarar doador de órgãos e vencer a resistência dos familiares que se recusam a autorizar o procedimento. Afinal, doar é um ato espontâneo, voluntário e altruísta. Tem que ter conhecimento, avisar a família que a partir daí deverá consentir. Esses órgãos vão ser muito úteis para salvar a vida de várias pessoas.
Quando se fala em doação de órgãos para as famílias, geralmente qual a primeira reação?
Depende de cada família. Quando a família conhece o desejo do paciente fica fácil e objetivo, tirando mais uma responsabilidade em um momento difícil e doloroso nesta decisão. Quando a família não conhece a vontade do paciente fica complicado resolver a situação com os familiares sobre doar os órgãos. Lembrando que de nada resolve deixar para a família declarações ou a vontade descrita no RG de ser doador, pois é a família que autoriza a doação de órgão. Então, se deve sempre comunicar e deixar claro a vontade e o desejo de doar órgãos para que se traga vida com qualidade para outras pessoas que necessitam de órgãos. Toda e qualquer doação depende da generosidade de cada um.
É mais difícil convencer a pessoa a ser doadora ou a família a autorizar a doação?
Identificamos que é muito difícil para a família autorizar a doação quando não se conhece o desejo do ente querido, pois no momento da perda será respeitada a vontade do paciente. Por isso, a importância de todos comunicarem a sua família se for doador de órgãos. Coisas importantes devem ser ditas em vida.
É possível dizer quantas vidas foram salvas com os órgãos doados e captados na Santa Casa de Fernandópolis?
Sim. No total, entre Múltiplos Órgãos incluindo as córneas no coração parado, pudemos salvar 137 vidas com os órgãos captados na Santa Casa de Fernandópolis.
Em que momento os órgãos devem ser captados?
Os órgãos deverão ser captados a partir do momento que seja confirmado o diagnóstico de morte encefálica, com a autorização assinada e documentada pelos familiares, com a disponibilidade do centro cirúrgico, das equipes de retirada e transplante e com o receptor devidamente preparado para receber o órgão.
Quais os órgãos mais captados em doação em Fernandópolis?
Os órgãos mais captados na Santa Casa de Fernandópolis são as córneas, rins e fígado.
A Santa Casa está apta a captar todo tipo de órgão?
Sim. A Santa Casa tem todo o preparo para captar qualquer tipo de órgão, estrutura física adequada. A equipe de retirada dos órgãos é enviada e organizada pela Central de Transplantes, que encaminha os órgãos extraídos para o hospital onde se encontra o receptor, que deverá estar preparado para o transplante.
O que a pessoa tem que fazer para ser doadora de órgãos?
Sem sombra de dúvidas, todas as pessoas devem comunicar suas famílias e conversar sobre o assunto de doação de órgãos. Deixar falado o desejo de fazer o bem ao outro, sendo um gesto de amor ao próximo, deve ser comunicado. Pois no momento de decisão familiar, não terão dúvidas sobre o assunto abordado. Porém, será respeitada a vontade do paciente da doação dos órgãos. Cada um deve ter a consciência de ajudar ao próximo. Doe vida, avise sua família.
Você é doadora de órgãos? Como foi a reação da família quando anunciou essa decisão?
Sim. A minha família entendeu e respeitou o meu desejo. Porém, sabemos que a maioria das famílias tem suas dúvidas, medos e inseguranças. Geralmente isso acontece por não conhecerem sobre o assunto, sendo muito difícil a pessoa que não tem o conhecimento da área entender e acreditar na morte encefálica com o coração batendo. Com isso, cabe ao médico e a CIHT explicarem detalhadamente com palavras claras que a morte encefálica é irreversível, não tendo mais volta do cérebro, mesmo com o coração batendo. Isso acontece por conta dos aparelhos e medicações e muitas pessoas não acreditam nisso, ou têm dificuldades em aceitar.