“A escola pública está sucateada”

20 de Agosto de 2025

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“A escola pública está sucateada”

Os educadores paulistas estão novamente mobilizados com uma pauta de reivindicações ao governador Geraldo Alckmin. Nesta sexta-feira, 29, ocorreu o dia de advertência com mobilização da categoria e realização de assembleia em São Paulo. O coordenador da Subsede da Apeoesp em Fernandópolis, Wilson Augusto Fiuza Frazão, 69 anos, diz que a categoria tem todos os motivos para o movimento. Segundo ele, os professores e servidores da Educação estão há dois anos sem reajuste salarial e cobra a reposição de 16,5%. Recentemente, a classe foi instada a optar entre receber o bônus por mérito ou um reajuste de 2,5%,  situação que levou os educadores de Fernandópolis a divulgarem uma carta aberta ao governo, que repercutiu em todo o Estado. Desta vez, o movimento reúne além de professores, os diretores, supervisores e também os servidores. “A hora é agora. Se não fizer agora não tem mais jeito. Estamos todos juntos nessa luta”, disse o sindicalista em entrevista ao CIDADÃO. A pauta de reivindicações não abarca apenas a questão salarial, mas elenca uma série de medidas por uma educação de qualidade. “A escola pública está sucateada”, diz

 

Por que a Educação está mobilizada, de novo?

As escolas públicas estão sucateadas. Falta de tudo dentro da escola, de professor, funcionários, a material de consumo. Pra se ter uma ideia, está faltando papel higiênico. A questão da merenda escolar, envolvida em milionária corrupção deixou os alunos  a base de chá, bolacha e achocolatado. Mesmo os alunos que estão em escola de período integral passam o dia com esse tipo de alimento. Quase 260 mil alunos estão fora da escola porque salas de aulas foram fechadas. Várias e várias escolas tiveram períodos fechados. Aqui mesmo tivemos a EELAS que no ano passado funcionava com muitas salas de aulas noturnas e hoje estão fechadas. Essa reorganização silenciosa está sendo feita pelo governo sem consultar os alunos e a comunidade. Diante de tantos problemas não podemos ficar de braços cruzados. A educação não tem reajuste salarial há dois anos. Por isso essa mobilização, que está começando agora, é grande e envolve também os diretores e supervisores e já na semana que vem vai ter a participação dos funcionários das escolas.

Duas situações recentes mexeram com os ânimos na Educação: a reorganização das escolas e, a mais recente, quando o governo propôs para a categoria o bônus ou aumento de 2,5%.

A ocupação das escolas no ano passado promovidas pelos estudantes em São Paulo foi uma lição para nós professores, um exemplo de como se organizar em defesa de uma causa (o movimento chegou a derrubar o Secretário da Educação). As escolas ocupadas foram devolvidas em condições muito melhores do que estavam. A mobilização passa pelo envolvimento dos alunos e dos pais. A questão do bônus também colocou a categoria em choque, porque a proposta inicial de reajuste era de 2,5%, transferindo o bônus para o reajuste. O governo tentou usar um argumento da Apeoesp, que sempre se posicionou contra o bônus e este pediu sua incorporação  nos salários de todos os professores da ativa e os aposentados e em seguida que o governo aplicasse o reajuste de 16,6% para repor as perdas salariais. Qual foi a nossa surpresa: ele pegou apenas o texto inicial e tentou jogar a categoria contra o sindicato. Conseguimos reverter. O bônus acabou saindo para os professores de uma forma geral. Só que teve professor que recebeu bônus de R$ 1,49, e outros com valores mais acima  de R$ 2 mil e R$ 3 mil. Então, dessa vez o tiro saiu pela culatra porque levou a educação a se mobilizar e, junto com diretores e supervisores, o movimento é crescente. Não queremos greve, não queremos fechamento de escola, mas já existe um movimento inclusive da parte dos estudantes secundaristas com o objetivo de ocupar as escolas em defesa da Educação. 

Qual foi a repercussão da “carta aberta” dos educadores de Fernandópolis?

Posso dizer que aquela carta que nasceu do meio dos professores, diretores e supervisores foi muito bem feita. A repercussão foi grande porque ela foi reproduzida em todo o Estado de São Paulo . Nós tivemos  dentro do sindicato, consulta de diretores e supervisores de cidades como Dracena e Sorocaba, para conhecer detalhes dessa mobilização. Para se ter uma ideia, hoje o movimento de Fernandópolis  que reúne professores, diretores e supervisores, é exemplo para as outras Diretorias de Ensino em todo o Estado. Isso é muito bom porque reflete que o trabalho que nasceu aqui está no caminho certo e vai ser reproduzido em outras cidades e regiões.

Movimentos anteriores acabaram fracassando por falta de mobilização da categoria. Por que dessa vez vai ser diferente?

Já houve época em que entrávamos no movimento em bloco e depois a coisa ia se esfacelando ao longo do tempo. Dessa vez estamos fechados com a proposta das entidades  (Apeoesp, Apase, Apampesp, CPP e Afuse) de não sair enquanto não for contemplada a categoria. Temos certeza que, como o movimento vem da base, será um movimento crescente, e não vai ter  racha. Por que o governo vai tentar rachar o movimento, como fez em vezes anteriores, chamando outras entidades, não a Apeoesp que é inimiga pública número 1 do governo, para propor negociação. A proposta hoje dos diretores dessas entidades é ficar fechado num grupo sólido, único, em busca do objetivo principal que é a qualidade do ensino e a melhoria da Educação como um todo.

Qual o exemplo deixado pelos estudantes no movimento que resultou no fechamento das escolas e até levou a demissão do Secretário da Educação?

O exemplo daqueles estudantes está sendo seguido por outros estudantes. Agora mesmo no Rio de Janeiro temos mais de 80 escolas ocupadas por estudantes em defesa da educação. Hoje nós temos a consciência maior que é o trabalho  feito com os pais de alunos. Eles levaram os pais para dentro das escolas para assumir essa responsabilidade. Nós tivemos acesso às escolas e lá nos encontramos os pais desses alunos, trabalhando e ajudando a recuperar a escola. É fundamental o apoio dos pais. A comunidade tem que estar do nosso lado. Estamos no Estado mais rico da Federação e, no entanto, é o que paga o 19º pior salário do País. Para se ter uma ideia, o valor de uma hora aula de um professor hoje é de R$ 12,04, é irrisório. Sem menosprezar nenhuma atividade, mas como exemplo, uma manicure  hoje ganha mais, um ajudante de pedreiro não trabalha por menos de R$ 100 por dia. Você compara com a jornada do professor  em sala de aula e vê a diferença. O professor é obrigado a passar o fim de semana corrigindo provas e preparando as aulas. Os alunos nos ensinaram que se tivermos a comunidade com a gente, o movimento vai ser crescente.

Vocês estão há anos, só neste governo há pelo menos 20 anos, na busca de um ideal de Educação. Qual é esse ideal?

A gente tem como modelo de educação o que é feito no Japão. Lá a comunidade e o aluno são partes responsáveis na escola. Não precisa luxo, basta uma escola com condições de oferecer ao aluno uma educação completa, com acesso a informação  e que o professor condições adequadas de trabalho. Isso seria uma escola ideal. Infelizmente a gente vê o investimento na educação, seja do Governo Federal, dos governos estaduais ou das prefeituras, onde a educação tem uma verba grande, mas o desvio também é grande, porque a corrupção impera. E quando você tira o direito de aprendizado do aluno, o reflexo será lá na frente. Veja que o atual governador vai fechar o mandato dele com 18 anos no governo de São Paulo, só ele, Geraldo Alckmin. Sem contar os outros que somados atingem mais de duas dezenas de anos no poder. O reflexo é uma educação sucateada, má formação dos alunos e má formação da população. Não querem uma população informada para não perderem a boquinha. Temos como sonho, uma educação como no Japão, uma escola de qualidade.

Qual seria a rotina ideal para o professor?

Só para comparar. Uma lei federal de 2007 aprovada reduz essa jornada massificante do professor . O nosso professor no Estado trabalha 40 horas, das quais 33 ele passa em sala de aula com os alunos e tem sete horas para fazer o trabalho pedagógico, a preparação de aulas, correção de prova e planejamento. Essa lei nos favorece porque das 40 horas de trabalho, o professor teria 26 horas com os alunos e o restante, 14 horas, para cuidar da preparação do trabalho. O governo não cumpriu essa lei, questionou na Justiça Paulista, e a lei está sub judice e enquanto isso, ele não cumpre. A coisa está emperrada porque, como na Assembleia Legislativa, no Judiciário, o governo também age. Veja que o presidente da Assembleia, Fernando Capez, é acusado de envolvimento na Máfia da Merenda. O secretário da Educação é o ex-presidente do Tribunal de Justiça.  Então o nosso professor hoje trabalha muito mais que 40 horas, porque de sábado e domingo, ele passa trabalhando. E ainda tem o professor que para aumentar a renda busca uma escola particular. Então imagina 40 horas no Estado e mais a escola particular, o professor acaba trabalhando 70 horas por semana. Que produtividade pode ter esse professor. O professor perde o estímulo, adoece. Aliás, nem adoecer pode mais. Hoje o estado faz com que os professores, e temos casos em Fernandópolis, que fizeram cirurgia, e ainda dentro do hospital tiveram licença negada. O professor é obrigado a ir para São Paulo para a perícia médica, porque não é mais feita perícia na cidade. Ele pode estar morrendo de câncer que a licença é negada, obrigando a entrar com recurso.  O descaso é muito grande.

Nesse momento que vivemos no Brasil, há risco de partidarização do movimento?

Hoje nos temos dentro do sindicato 195 mil associados, é o maior sindicato da América Latina, com pessoas filiadas a vários partidos, desde PSDB ao mais radical de todos, o PSTU. Temos todos os partidos. Mas o pessoal tem respeito pela categoria, e não partidariza o movimento. Pode ter alguma bandeira infiltrada  com o objetivo de prejudicar o movimento. Queremos o apoio da população sem movimento político partidário envolvido. O foco é a Educação, a prioridade é a Educação e o nosso objetivo é fazer  Educação modelo de qualidade.

Após anos de luta, você sente a categoria mais mobilizada agora?

Com certeza. Vejo hoje gente nova entrando no movimento, vestindo a camisa e entendendo o propósito da luta por uma Educação de Qualidade. Veja que o movimento atual movimenta também os diretores e supervisores e vai entrar também os funcionários. Ou faz agora ou então esquece, porque se não conseguirmos dessa vez engajar o pessoal na luta não dá para conseguir mais nada depois. A hora é agora. Se não fizer agora não tem mais jeito. Estamos todos juntos nessa.