Aos 48 anos, o cabelereiro Cleber Joia acaba de conquistar o título de Mestre em Psicologia. O trabalho de dissertação foi apresentado em Portugal no mês passado. Cleber retornou a Fernandópolis no dia 5 com o título de Mestre, grau acadêmico atribuído pelo Instituto Universitário de Lisboa. Na hierarquia dos graus acadêmicos o Mestrado situa-se, em regra, na segunda posição ascendente. A Psicologia entrou na vida dele em 2004, assim como assumiu o posto de pecuarista antenado com as novidades na área da inseminação e transferências de embriões. Ou ainda, quem investe na área de produção de frangos e consegue resultados altamente expressivos. Mas Joia tem a sua profissão, que herdou da mãe e já transferiu ao filho. É cabeleireiro há 35 anos e junto com a mãe (Iracema Joia) e o filho (Maiquel) formam três gerações e 100 anos na profissão. Nesta entrevista ao CIDADÃO, Cleber se emociona ao lembrar-se de amigos que partiram de forma abrupta e dá suas cutucadas nos políticos. Admite que poderia até experimentar essa área, mas reconhece não ter o perfil por não tolerar roubalheira e desonestidade. Diz que é utopia pensar que a política de Fernandópolis vai melhorar. E aponta que é preciso colocar sentimento em tudo que faz.
Como a psicologia entrou na sua vida?
A psicologia entrou na minha vida como uma surpresa. Eu comecei a estudar graças aos muitos professores que tive e que me estimularam, oferecendo muitas ferramentas que hoje me permitem usá-las em benefício do próximo.
Quando você sentiu necessidade de buscar novos conhecimentos?
O dinheiro estava vindo fácil, mas senti que faltava algo que se chama conhecimento, o conhecimento do seu Eu.
E você conseguiu encontrar essas respostas?
Muitas delas, e ainda vou buscar muito mais, com certeza.
O curso abriu uma porta. O que aconteceu depois?
Houve um amor pelo conhecimento, uma necessidade de buscar a cada dia coisas que preencham, não só dentro da minha profissão de cabeleireiro, mas eu precisava de algo mais para controlar minha hiperatividade. Eu preciso estar buscando isso, o diferencial, sempre fazer algo em benefício das pessoas. E no curso eu encontrei essas ferramentas.
Concluído o curso de psicologia, você foi atrás de uma pós-graduação?
Fui para São José do Rio Preto fazer pós graduação em Fisiologia Biomecânica do Exercício Físico, que foi excepcional, porque conheci a fisiologia do corpo, a parte motriz e isso facilita muito quando você está conversando com uma cliente no salão, porque ela reclama de uma enxaqueca, de obesidade, então você tem argumento para orientá-la a procurar profissionais adequados para o seu problema, não é fazer uma terapia, mas orientar. Isso me deu suporte para mostrar que meu trabalho não é apenas fazer o cabelo, é cuidar da pessoa para que ela tenha informações para procurar o profissional adequado.
E depois?
Eu buscava mais. E me apareceu, através do professor Vanzela (Luiz Sérgio) da Fundação Educacional e da Unicastelo, a oportunidade quando ele me apresentou os cursos de Mestrado da Unicastelo. Como não tenho condição de ficar viajando, pelo fato de não abrir mão do trabalho de cabeleireiro, ter a oportunidade de fazer um curso dentro da cidade, para mim foi excelente. Foi um Mestrado que me carregou de aprendizado porque juntou a área do cabeleireiro (ambiental), pegou a área rural e a área psicológica. Houve uma perfeita integração. Eu consigo hoje fazer do Mestrado de Ciências Ambientais, uma integração das três profissões: a estética que é do cabelereiro, a área do psicólogo e a área rural.
Como você formatou a dissertação do Mestrado?
A formatação desse projeto aconteceu de uma forma esplendida. Junto com o professor Vanzela direcionamos para o estudo da violência contra as mulheres. Uma violência que muitas vezes acontece com naturalidade, que a própria mulher nem percebe. Muitas vezes o homem é o patriarca da casa, acha que tem a força que é demonstrada desde os primórdios. Só que hoje as leis que existem ajudam, mas elas não conseguem chegar dentro da casa. As leis estão fora do lar, porque a violência não é apenas física. É pior, é a violência moral, às vezes camuflada. Uma verdadeira tortura psicológica.
E você, como se sentiu após a conclusão desse Mestrado?
Eu comecei a enxergar a necessidade da mulher conquistar mais independência. A que existe é maquiada, é mentirosa.
Você fez a defesa de sua tese em Portugal. Por quê?
O professor Vanzela me indicou ir para Portugal porque lá acontece um Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e ele viu a oportunidade de eu publicar um artigo numa revista internacional. Aceitei o desafio e em quatro meses montamos o projeto e fui para Portugal no começo do ano e retornei no último dia 5. Foi muito bom, fiz novos amigos, ampliei meus conhecimentos e até convidei um professor da Unicamp, que encontrei no Congresso, para ele vir conhecer a nossa faculdade de Psicologia.
E o resultado de sua apresentação perante a banca examinadora?
Acho que poderia ser melhor, até porque fui pego de surpresa porque fui submetido a uma arguição de 20 minutos, enquanto para outros que estavam no Congresso a sessão durou em torno de 10 minutos. Fui mais exigido e pude mostrar o conhecimento que embasou o meu trabalho de pesquisa. Talvez porque era brasileiro e eles queriam saber mais coisas daqui. Foi bom, retornei com o título de Mestre.
Qual o objetivo dessa busca incessante de conhecimento?
A escola é o berço. Por isso pretendo continuar. Agora mesmo estou já me inscrevendo para uma nova faculdade. Já escolhi o curso, mas ainda não vou revelar.
Cabeleireiro, Mestre em Psicologia, agropecuarista, buscando novas técnicas de inseminação... Como conciliar todas essas atividades?
Não sei. O importante é que tenho pessoas que me ajudam muito. Tenho funcionários de 10, 20 anos. São pessoas que confio e que me dão respaldo. Por exemplo, eles têm todos os contatos que eu tenho e só podem me ligar para dar uma notícia boa. Não ligam para me dar notícia ruim, porque isso comprometeria o desempenho na minha profissão que é cabelereiro e também não vou resolver o problema que tem lá na propriedade rural. Como poderia atender bem uma pessoa depois de receber uma notícia ruim. Por isso, só recebo notícia ruim pessoalmente. Esse é o trato que tenho com eles. Eles têm autonomia para resolver o problema. Lá, nós trabalhamos com inseminação, transferência de embriões e já estamos nos tornando auto suficiente no conhecimento e na prática. Eu busco conhecimento e não me importo de perguntar aos outros como faz. Eu pesquiso. Lá, nós temos também uma granja. Nós conseguimos fazer uma granja em quatro meses e sete dias e conseguimos também quatro granjadas e meia em um ano (granjada é o termo popular usado para definir o ciclo de formação do frango, de pintinho até estar pronto para o abate). Isso tudo seguindo um planejamento rigoroso. Só não alcançamos cinco granjadas porque uma pessoa atrapalhou o planejamento. O normal é se conseguir três granjadas no ano.
Qual a importância que essa atividade agropecuária tem na sua vida?
Toda a importância, porque trabalho pensando no meu pai e na minha mãe. Porque aquilo lá é deles e eu tenho, no mínimo, que cuidar e muito bem.
O que você ainda quer da vida?
Quero ter saúde, ter uma cidade com mais competência. É uma utopia minha acreditar que a política da cidade vai melhorar. Muitos querem a mesma coisa que eu e não conseguem.
Você tem pretensões políticas?
Até teria, mas eu não encaixo no perfil. Não aceito desonestidade, roubalheira. Não sou perfeito, não é isso. Tem coisas que acontecem por causa do sistema, o que vai se fazer. Fizeram-me uma pergunta, inclusive no meu Mestrado: Se eu fosse Ministro da Justiça o que faria? Faria o quê? Eu retribuí a pergunta para a pessoa. O que poderia se fazer hoje? Teria que mudar todo o sistema senão você não faz nada. Temos pessoas honestas que não conseguem trabalhar.
O que te dá prazer no seu dia-a-dia?
Levantar da cama e trabalhar. Sinto-me realizado. Recentemente perdi um amigo (o Fernando da Leiteria), um rapaz muito bacana, um filho para mim. De repente, tudo acabou (se emociona e vai às lágrimas). Não consigo imaginar perder meu filho. Ele tinha cerca de 30 anos, meu filho tem 28. A gente fazia Psicologia juntos. Então, não aceito. Outro amigo que perdemos, o Luciano Zaparoli. Chegava ao meu salão e falava: Você é o cara. Eu te amo. E você perde um cara desses. Então, o que eu quero na vida é ter saúde e poder levantar todos os dias e trabalhar. O meu desejo é viver.
Você herdou da sua mãe a profissão de cabeleireiro e já transferiu para o seu filho. São três gerações e 100 anos de trabalho?
São cinquenta anos da minha mãe (Iracema Joia) , os meus trinta e cinco anos e os 15 do meu filho (Maiquel). Aqui em Fernandópolis são poucas famílias que atuam na mesma atividade com três gerações. Esperamos chegar aos 130 anos.
Como você define sua mãe no contexto de Fernandópolis?
Poucos cabelereiros atendem uma pessoa tão bem quanto minha mãe. Ela é uma sumidade. Um amigo diz que se minha mãe organizasse um curso sobre atendimento, ele compraria as seis primeiras cadeiras para ter direito a seis perguntas. Eu sou filho dessa mulher de 70 anos que trabalha até hoje. Ela trabalha mais que eu. Sem estudo, ela consegue desenvolver toda a psicologia de um atendimento, com muita serenidade. Ela é uma especialista. Não tem igual. A lição é que temos que colocar o nosso sentimento em tudo que fazermos na relação com as pessoas.