O juiz de Direito da Infância e Juventude, e cidadão fernandopolense, Dr. Evandro Pelarin participou na terça-feira, 25, da audiência pública para discussão do projeto de lei de autoria do vereador Claudenilson Alves de Araújo, o Pastorzão, que prevê a internação involuntária de dependentes químicos. Presentes, autoridades, especialistas, associações e a sociedade civil. Em sua palestra, o juiz, que se notabilizou em Fernandópolis pelo trabalho denominado “Toque de Acolher” de proteção à infância e juventude, tratou a questão como um problema complexo e que não há solução simples. Ele expôs sua experiência em Rio Preto, onde atua, que culminou com a extinção de uma mini cracolândia onde moradores em situação de rua se reuniam para se drogar. “Era um cenário terrível provocado pelo crack, a pior das drogas. A rua não é casa e o morador não pode ser olhado como parte da paisagem”. “A internação involuntária, prevista em lei federal, é exceção, não é regra. E como toda a exceção tem que ser tratada com cuidado”, enfatizou, para defender que não basta apenas internar involuntariamente o dependente químico se não houver depois uma rede de apoio que dê a essa pessoa perspectiva de reconstruir sua vida. Ao final ele concedeu entrevista à Rádio Difusora FM e jornal CIDADÃO e elogiou o envolvimento da comunidade na discussão do problema. Leia os principais trechos:
O senhor foi convidado especial na audiência pública que discutiu o tema da internação involuntárias de dependentes químicos. Qual a avaliação que o senhor faz do encontro?
Extremamente positiva. Mais uma vez Fernandópolis dá mostra de sua união, da sua preocupação com os problemas que atingem seus concidadãos. No primeiro momento, o principal ponto é chamar a atenção para o problema, para que as pessoas conheçam mais, se unam e a gente consiga energizar mais a comunidade em torno desse tema que é muito complexo, difícil, e depois que nós tivermos mais pessoas dependentes aí fica difícil cuidar. Temos que agir rápido.
O senhor citou a experiência em Rio Preto e disse que se trata de um tema complexo, que não tem solução simples. É isso mesmo?
É isso. Esse é um tema delicado e difícil. Estamos diante de um problema complexo e, para todo problema complexo, qualquer solução simples é errada. Não tem solução simples para problema complexo. Não podemos pegar um problema desse tamanho e estalar os dedos e achar que vai resolver. Tem várias questões envolvidas, de saúde, família, de ordem social. Por isso é extremamente complexo. Lá em Rio Preto vivemos uma realidade diferente de Fernandópolis. Lá temos cadastrados no CadÚnico da Assistência Social mais de 800 pessoas em situação de rua. É um retrato onde se encontra de tudo e por isso é um problema que não tem uma solução só. Nesse contingente de pessoas tem uma quantidade considerável de dependente da droga, o crack, que é a pior das drogas. E ali, nesse contingente, a gente vê mazelas terríveis, de pessoas que não conseguem mais lidar com a própria vida. A pessoa perde o sentido lógico da vida.
"Pessoa em situação de rua não pode ser olhada apenas como parte da paisagem da cidade"
Do que ouviu na audiência, o que mais chamou sua atenção?
Tudo foi importante, mas o que mais chamou a minha atenção foi a presença da comunidade, das pessoas que atuam em várias áreas da rede municipal de atendimento, das comunidades terapêuticas. Foi importante as pessoas se conhecerem e afinar a comunicação.
O que estamos vivenciando hoje pode ser comparado a um flagelo humano?
Em algumas cidades, sim. Cidades como São Paulo, por exemplo, infelizmente, vivemos um flagelo, são pessoas dependentes, abandonadas, sem perspectivas, andam em bandos para o uso ostensivo da droga em locais que se denominam de “cracolândia”. Por isso temos que tomar cuidado para que essa situação não se instale em nossa cidade, como se fossem territórios livres de droga a céu aberto. Em São José do Rio Preto, a gente tinha um local assim e, com muito esforço e atuação de muitos agentes, conseguimos debelar. Não é fácil, é preciso muita persistência, tratamento, acolhimento, convencimento e envolvimento da sociedade.
"A internação, por si só, não salva. O que salva é a perspectiva de vida que será dada a essa pessoa"
Os moradores em situação de rua estão fazendo parte do cenário da cidade. Essa é a hora de se tomar atitude?
Rua não é casa. Pessoa em situação de rua não pode ser olhada como parte da paisagem. Temos que conhecer, identificar, verificar o problema iminente dela, se é o consumo de droga ou não e começar a atuar. Aí é necessário juntar as ações nas áreas de saúde e no social, restabelecer o vínculo familiar e, se não for possível, ter um programa de moradia, de acolhimento dessa pessoa. Não adianta a gente querer a internação, ela (a internação) por si só não salva essa pessoa. O que salva essa pessoa é a perspectiva de vida que será dada a ela. O que fará depois, qual será o sentido da vida para ela. A religião pode fornecer isso, mas também é preciso criar um projeto de vida para essa pessoa. O acolhimento é essencial e é preciso ter uma estrutura de apoio para que a pessoa não volte ao lugar de onde saiu.
Essa audiência abre caminho para aprofundar a discussão do tema?
Sim, sem dúvida. É a ponta do iceberg. A partir daí vamos ter que construir esse plano de atendimento médico, debater o destino dessa pessoa após a internação, quais são os vínculos familiares, para poder reinserir essa pessoa na perspectiva de vida longe das drogas.
"A droga não combina com quem tem projeto de vida, de progresso. A droga combina com quem não tem perspectiva"
Falou-se durante a audiência da necessidade de se buscar o antes, o momento em que a pessoa mergulhou nesse mundo das drogas. Esse antes, começa lá na adolescência?
Infelizmente. A droga, de uma forma geral, não combina com quem tem projeto de vida, perspectiva, com quem tem o sentido de progresso, da prosperidade. Droga não combina com isso, porque toda pessoa que está nessa trajetória sabe que a droga vai prejudicar. Mas, todas as pessoas que não tem isso em mente, a droga combina, o acesso é mais fácil. Por isso que temos de ter as nossas crianças, desde cedo, afastadas de qualquer ambiente de contaminação das drogas, para que ela mantenha o ânimo e o desejo de construir um projeto de vida, ter ambição, que faculdade vai fazer, para onde vai e, evidentemente, isso tem de ser em ambiente sadio para que aconteça.
O senhor vivenciou a experiência em Fernandópolis no Toque de Acolher. Qual foi a lição daquele trabalho?
Foi muito importante. Consegui ver alguns dramas familiares, dificuldade de pais na educação dos filhos. Evidente que a lei diz, vulgarmente, ninguém é obrigado a ter filho, mas se tem, tem que cuidar. A gente tentava dizer isso para os pais. Nós podemos ajudar, orientar, encaminhar, ver alguma dificuldade em que a Justiça possa atuar. Agora, o pai não pode deixar de assumir sua responsabilidade. O maior aprendizado em Fernandópolis foi tentar implementar o sentido que está na lei, da responsabilidade. As pessoas precisam ter responsabilidade e deveres. Cidadão é aquele que tem consciência dos seus deveres. E foi que tentamos implementar aqui.