ADVF, os olhos dos deficientes visuais

20 de Agosto de 2025

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ADVF, os olhos dos deficientes visuais

Quando no início dos anos 2000, a saudosa Célia Aparecida Fontes Lopes Mafra decidiu fundar, ao lado do marido Ademir Mafra, a ADVF – Associação dos Deficientes Visuais de Fernandópolis – o objetivo era que a entidade fosse os olhos de quem não enxergava a vida pelos olhos físicos.  Célia faleceu em 2016, mas o seu legado permanece vivo. A entidade hoje, sob a presidência de Michele Mara Gale Scavazini, não assiste apenas os deficientes visuais, mas estendeu sua ação para os portadores de deficiência física e intelectual. Com parceria com Fernandópolis e várias cidades da região, a entidade luta para vencer barreiras impostas na vida de quem tem algum tipo de deficiência. Uma dessas barreiras é conscientizar a população para que ela esteja pronta para receber e incluir os deficientes. A assistente social da ADVF Giovana Gazetta, em entrevista ao jornal CIDADÃO e Rádio Difusora, contou um pouco do trabalho desenvolvido pela entidade. A entrevista, a seguir, é um alerta. Leia:

Como está a ADVF hoje?

Depois de dois anos de pandemia, conseguimos retomar em 2022 o atendimento presencial dos nossos assistidos. No período de isolamento os nossos assistidos se sentiram muito sozinhos e voltaram com mais vontade de participar das atividades presenciais, inclusive, estamos com um número maior de usuários atendidos. São 38 usuários de Fernandópolis e atendemos também municípios vizinhos como Estrela d´Oeste, Urânia, Santa Clara e Santa Fé do Sul e temos projeto para iniciar este ano com Ouroeste. Dessas 38 pessoas da cidade atendidas na ADVF, temos pessoas deficientes visuais totais, deficientes visuais parciais e também atendemos deficientes intelectuais e físicos.

"Na ADVF, desenvolvemos  projetos para prepará-los para terem maior autonomia na vida"

Quais os serviços oferecidos pela entidade?

Desenvolvemos com eles projetos de tecnologia assistiva (é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida). Como funciona a tecnologia assistiva? Temos a adaptação do computador, do celular, com aplicativos, com recursos próprios para que o deficiente consiga manusear esses equipamentos. Inclui também adaptação do WhatsApp, redes sociais. Nós enxergamos para mexer na tela, para acessar o computador. Na tecnologia assistiva o acesso é por áudio, para que os assistidos possam ouvir o que estão digitando. Contamos com aplicativos próprios para auxilia-los. Temos também atividades de ABDV – Atividades Básicas da Vida Diária.

Como funciona essa atividade?

Para nós que não temos limitações visuais é normal chegar em casa fazer comida, lavar a louça, enfim, essas rotinas do cotidiano. Para essas pessoas é preciso fazer adaptações para que elas consigam desenvolver essas tarefas do dia a dia. Para isso, montamos pequenos grupos que vão até a entidade, apresentam suas necessidades como, por exemplo, limpar a geladeira. Na entidade temos uma casa montada e conseguimos desenvolver essas técnicas para que elas consigam fazer em casa depois. Fazemos muitas outras atividades como de culinária, incluindo desenvolvimento de receitas. Tudo buscando torná-los mais independentes. Temos ainda as atividades de AIVD - Atividades Instrumentais da Vida Diária - como ir ao banco, ao mercado, ao comércio. Os orientadores acompanham os nossos assistidos para que consigam acessar o local primeiramente. Como muitos fazem a utilização das bengalas, fazemos toda a orientação de acesso ao local e de solicitar apoio. Procuramos dar abertura para que eles tragam suas necessidades especificas e possamos desenvolver as atividades que eles precisam. Temos também as aulas de orientação e mobilidade que é para fazer o uso da bengala. Uma vez na semana temos a roda de conversa. Eu, assistente social, e a psicóloga, selecionamos determinados temas de relevância para uma abordagem com eles. É um momento de entrosamento entre os assistidos.

"O deficiente sabe de sua limitação, mas a população também precisa se colocar no lugar dessa pessoa"

Com essas atividades, os assistidos ganham autonomia?

Sim, com certeza. Além de conseguirmos desenvolver e ensinar técnicas para que eles consigam essa autonomia, tem a questão do empoderamento. Então, eles perceberem que têm pessoas dispostas a darem o apoio emocional é um grande incentivo para ter a coragem e a aceitação. Muitas vezes a pessoa está disposta a acessar determinado ambiente, desenvolver uma determinada atividade, mas teme o julgamento. Muitos têm o medo do julgamento, do que as pessoas vão pensar. Eles reportam, por exemplo, que sempre que vão até uma loja no comércio, mercado ou banco, ouvem coisas do tipo “nossa mas você está aqui sozinho, achei que pessoa com deficiência não pudesse frequentar esses lugares”. Então vemos que a população não está pronta para receber essas pessoas com deficiência. É mais um enfrentamento. A condição eles têm e a gente dá o suporte para que eles consigam acessar. Por isso trabalhamos também o fortalecimento emocional. Quando saem e conseguem realizar uma atividade a gente nota a evolução e eles fazem questão de contar. Para as pessoas de fora, parece uma coisa pequena, mas para eles, é uma conquista, por exemplo, fazer um bolo. O trabalho que desenvolvemos na ADVF possibilita muita autonomia para os portadores de deficiência, mas a gente procura desenvolver o trabalho externo, por que não adianta preparar a pessoa portadora de deficiência se a população não estiver pronta para recebe-la. O trabalho de conscientização também tem que ser feito com a sociedade. O deficiente sabe de sua limitação, mas a população também precisa se colocar no lugar dessa pessoa e ajudá-la na necessidade. Muitos dos nossos assistidos reportam sobre a dificuldade também de se locomover dentro de estabelecimentos comerciais com a bengala, as vezes falta rampa de acesso ou piso tátil. Muitas vezes precisam caminhar pela rua por conta de calçadas sem condições de acessibilidade. Se é difícil para nós que enxergamos, imagina para quem não enxerga?

Como nós, enquanto população, devemos agir ao nos deparar com um portador de deficiência visual?

Primeiramente, não tratar com diferença. Reconhecer a deficiência e se colocar à disposição para ajudá-lo. Ou seja, fazer uma abordagem mais empática. Um deficiente que pede ajuda, você não precisa pegar no seu braço para conduzi-lo. Basta permitir que ele coloque a mão no seu ombro para segui-lo. Tendo a pessoa como guia, que vai à frente, ele consegue se nortear melhor. Um usuário nosso que tem boa mobilidade contou que precisou ir ao Poupatempo, que é um local amplo, com várias cabines de atendimento, ele faz uso da bengala e reportou para um atendente que precisava de ajuda e a pessoa disse que era só seguir em frente. Faltou sensibilidade para essa pessoa perceber que a pessoa estava com uma bengala, era um deficiente visual e que tem toda a questão da insegurança quando acessa um local desconhecido. Isso acaba sendo um constrangimento muito grande, principalmente em um local que se supõe que, quem trabalha lá, esteja preparado para esse tipo de atendimento inclusivo. Atendemos também deficientes físicos e temos um deles que possui a cadeira elétrica que dá a ele uma boa mobilidade, só que ele encontra barreiras no comércio, não consegue acessar porque não tem rampa ou é muito íngreme e ele, muitas vezes, foi atendido do lado de fora da loja pela falta de acessibilidade. Não foi incluído. Não haverá uma fórmula mágica para resolver o problema de todo mundo, mas a empatia vai ajudar e muito.

"Não haverá uma fórmula mágica para resolver o problema de todo mundo, mas a empatia vai ajudar e muito"

Como a entidade se sustenta atualmente?

Participamos do FerNatal para levantamento de recursos, contamos com doações mensais de pessoas e parcerias com os municípios. Temos parceria com a Prefeitura de Fernandópolis para desenvolver essas atividades e dos municípios vizinhos. Contamos com uma parceria com o CMDCA – Conselho Municipal da Criança e do Adolescente – onde a gente desenvolve, além de atividades com esses 38 usuários que são adultos, atendemos ainda oito crianças com as quais desenvolvemos projeto de pintura.  Fizemos agora uma parceria com a Secretaria de Esportes para disponibilizar aulas de hidroginástica na Casa de Portugal para nossos assistidos. Estamos lutando para atender um público maior e sempre investir na conscientização para melhorar qualidade de vida dos deficientes.