“Pelo amor de Deus, precisamos de sangue”

20 de Agosto de 2025

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“Pelo amor de Deus, precisamos de sangue”

O apelo em tom dramático foi repetido esta semana pela médica hematologista Brígida do Amaral Botelho Prudêncio. Outros apelos já haviam sido feitos em maio, junho, julho e agosto. E no primeiro dia de setembro, a médica deu o tom do drama que os hemocentros de todo o Brasil vivem a cada dia: o risco de faltar sangue é real. A situação que era de preocupação ficou pior após a pandemia do coronavírus  que fez os doadores sumirem dos bancos de sangue e os estoques estão próximos do colapso. Emocionada, a médica convocou entrevista coletiva esta semana para escancarar, de novo, a dramática realidade: “Estamos vivendo um momento muito difícil”, afirmou.
O Hemonúcleo de Fernandópolis é responsável pelo sangue para hospitais das cidades de Votuporanga, Jales (Santa Casa e Hospital de Câncer), Santa Fé, Ilha Solteira e Fernandópolis. “Sangue não tem endereço. Onde tem a necessidade temos que atender”, disse a médica. CIDADÃO cumpre novamente sua função como veículo de comunicação no sentido de renovar o alerta à sociedade sobre a doação de sangue. Ato de amor, de solidariedade, de caridade, de empatia são expressões que podem ser usadas para doação de sangue. E todas se resumem na maior de todas: salvar vidas. A entrevista com a Dra. Brígida é mais um alerta. Leia:

Qual o panorama da doação de sangue neste momento de pandemia?
Estamos vivendo um momento muito difícil. Digo isso, porque a gente não tem sangue. Todas as segundas-feiras, eu tenho que passar para a Hemorede, que gerencia todo o sangue coletado no Estado de São Paulo. Então eu passo o estoque da semana. As bolsas mais usadas são de sangue tipos A e O positivo. E eu tinha dezessete bolsas A+ e 30 bolsas O+. Isso significa que a gente não tem nada. Nós respondemos por uma região com grandes hospitais como Votuporanga, Fernandópolis, Jales (Santa Casa e Hospítal de Câncer), Santa Fé do Sul e Ilha Solteira. Na segunda-feira, colhemos 30 bolsas que não é suficiente, porque para refazer o estoque precisaríamos colher entre 50 e 60 bolsas/dia, isso por pelo menos uma semana, para poder ter um respiro. Tem um paciente no Hospital de Câncer que consumiu uma porção de bolsas, porque estava com cinco gramas de hemoglobina, com anemia que destrói o sangue que vai tomando, mas a gente precisa mantê-lo vivo. Tudo isso é muito complicado e o público não sabe o sufoco que a gente passa aqui. Mandei recado para todos os hospitais para suspenderem cirurgias eletivas e deixar o sangue só para as urgências. 
Em meio a pandemia, qual a maior dificuldade?
Um exemplo. Nós colhemos 30 bolsas, mas nós reprovamos 11 doadores de sangue, porque não podemos perder a qualidade do sangue que será transfundido. São fatores dificultadores, por isso a necessidade de que mais pessoas se prontifiquem a doar. A gente não desiste, vamos continuar persistindo. O pedido por doadores de sangue não é para nós, é para nossa região toda. Sangue não tem endereço, quando a gente precisa, porque não temos estoque, a gente pega em Araçatuba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, só que agora ninguém tem sangue. E nós recebemos um recado do Hemocentro de Ribeirão Preto pedindo pelo amor de Deus para cada um fazer sua parte. E é o que estamos fazendo, pedindo pelo amor de Deus, precisamos de sangue. Neste momento a gente não tem para onde correr. Quando estávamos numa fase um pouquinho melhor, Ribeirão Preto, ao qual estamos ligados, foi solicitado pelo Hemocentro de Pernambuco, pedindo sangue. Então, esta é uma situação nacional. Só que nós temos que fazer a nossa parte. E a nossa parte é pedir ajuda. Precisamos sensibilizar a população para a doação. Vocês podem olhar ali, nós temos três pacientes tomando sangue. Temos três leitos e os três leitos estão ocupados. Dois leitos são pacientes oncológicos. E tem que ter sangue. 

"A situação já era complicada antes. Agora, com a pandemia ficou pior"

Qual o impacto da pandemia na doação?
A situação já era complicada antes. Agora, com a pandemia ficou pior. Aqui não se pega Covid. Aqui não vem quem está doente. Esses pacientes que tomam transfusão, têm uma doença oncológica, ou tem outra doença, mas eles não estão doentes. Se fosse o contrário, eles não estariam aqui. Iriam para o hospital. Com nossos funcionários é assim: teve uma febre, teve um sintoma de gripe, é afastado imediatamente. Estou com duas funcionárias afastadas. Uma já deu Covid negativo e já pedi para retornar. Então, aqui não pega Covid. Nós já tivemos doador que veio, doou sangue e dois dias depois ligou informando que teve contato com um parente que testou positivo. O que nós fizemos? Pegamos a bolsa dele e descartamos. Depois da entrevista com o doador a gente informa que, quem teve algum sintoma, algum contato, alguma coisa, por favor nos avise. 
Tem estimativa de quanto foi essa queda de doações?
Eu acredito que nesse momento essa queda esteja em 40% ou mais. As campanhas que ocorriam na região, nas escolas, estão paralisadas porque as escolas não estão tendo aula presencial. Isso dificulta mais. A semana passada a gente pediu para os Bombeiros, para a Polícia Ambiental e eles vieram e deram o maior apoio. Mas, isso é uma coisa pontual. O que a gente precisa é que a população crie o hábito da doação. 

"Temos que garantir de qualidade do sangue. Tem sífilis, tem HIV e tudo isso é descartado"

Essa pandemia impôs mais restrições para doações?
Sim. Se o doador teve contato com uma pessoa, mas não teve a Covid, mas ele tomou azitromicina, ivermectina, tem que esperar dez dias para doar sangue. Se ele teve Covid, tem que esperar 30 dias. Se é contactante, são 14 dias. Mesmo que seja uma virose, não pode. Então a pandemia criou mais obstáculos para a doação. Na triagem, como disse, a gente tem uma perda grande. É por isso que pedimos três doadores para cada bolsa. Eu usei uma bolsa, mas estou pedindo três doadores, por que eu reprovo na entrevista e posso reprovar na solorogia. Por incrível que pareça a gente passou muito tempo sem ter exame de sífilis positivo por aqui. Agora está uma festa, o povo perdeu o medo, temos uma verdadeira epidemia da doença. Tem sífilis, tem HIV, e tudo isso é descartado. Tem regras também para as relações sexuais, tanto faz indivíduos que tenham relações, independente do sexo, nós estamos reprovando as vezes com seis meses, porque a Anvisa mudou, lançou um boletim que a gente tem que cumprir. Temos que cumprir protocolos. Nós reprovamos em média de 20 a 25% das pessoas nas entrevistas. Porque isso é garantia de qualidade do sangue e respeito a vida de quem vai receber a transfusão. Por isso a entrevista é rigorosa. E muitas vezes, a gente não aceita o doador também para segurança dele. Tem gente que vem doar porque daqui a 30 dias vai fazer uma cirurgia. Não aceitamos ele como doador. Então temos que preservar a saúde do doador também. 
Qual seria a necessidade/dia para atender pelo menos a demanda regional?
Na realidade teríamos que colher entre 35 e 40 bolsas por dia. Como temos Votuporanga onde vamos duas vezes por semana e a gente também não colhe o suficiente lá, teríamos que colher apertado, 30 bolsas em média aqui dentro do Hemonúcleo. Ontem (segunda-feira) foi um dia alegre, colhemos 30 bolsas. Mas tem dia de colher apenas duas, cinco, dez, quinze, isso é muito abaixo da necessidade. Por isso chega nesta condição. 
Muitas pessoas tomam medicamentos para ansiedade. Há restrição para doação?
Elas podem fazer a doação dependendo da dose. Se a pessoa tomar três certralinas por dia, não pode, mas se tomar uma, pode. Por isso é importante que a pessoa venha e exponha sua situação. Não dá para divulgar todas as situações em que a pessoa pode ou não doar sangue. É caso a caso. Nós temos um manual de triagem. 

"Ninguém colhe sangue para jogar fora, colhemos sangue para salvar vidas"

Agora não tem mais a picada no dedo para doar sangue?
Não. Agora temos um aparelho israelense, uma tecnologia fantástica, o doador põe o dedo e o aparelho registra a pressão, o pulso, temperatura, hemoglobina, oxigenação sem necessidade de picar o dedo. Ele faz a leitura. Então o Hemocentro é um lugar de ponta. Nós aqui temos uma qualidade do sangue comparável aos grandes centros de hemoterapia de São Paulo. Não perdemos para ninguém. As pessoas precisam entender isso. Viver uma situação como essa de fazer apelos por doadores é muito triste, mas estamos aqui para fazer o que for preciso para não faltar sangue para quem precise. 
Neste momento, o que gostaria de dizer às pessoas?
As pessoas precisam se sensibilizar para essa necessidade. Infelizmente, se houver um acidente de um jovem hoje, daqui meia hora isso enche de pessoas querendo doar sangue. Só que a hora que passa, a pessoa não volta mais. Isso é uma realidade. As pessoas precisam se lembrar sempre que todos os dias tem gente precisando de sangue, não importa de onde. Ninguém colhe sangue para jogar fora, colhemos sangue para salvar vidas. Se aqui estiver sobrando vamos disponibilizar para algum lugar que esteja em falta. É assim que funciona. As pessoas precisam acreditar que falta sangue e que sem elas não temos como resolver o problema. Nós precisamos de todos...