Lá se vão 34 anos de uma histórica eleição de prefeito em Fernandópolis. Na memória dos mais antigos, a lembrança é de que essa eleição, em 1982, era o primeiro passo do processo de redemocratização do Brasil. Depois de longos anos, os eleitores não votariam apenas para prefeito, mas teriam a oportunidade também de escolher o governador de Estado, até então nomeado pelo Regime Militar. Foi a primeira eleição direta para governador após o Golpe Militar de 1964.
Era o ano que marcava também a nova denominação dos partidos políticos que passariam a incorporar a letra “P” de partido, diante do nome. Assim o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, conhecido historicamente por Manda Brasa, virou o PMDB. A antiga Arena, partido que deu sustentação ao Regime Militar, decidiu trocar de nome e virou PDS – Partido Democrático Social. E começaram a voltar à cena alguns outros partidos, antes proibidos, casos do histórico PDT e do recém-fundado PT, o Partido dos Trabalhadores.
Mas, para os eleitores de Fernandópolis outro fato fez com que essa eleição ficasse marcada para sempre nos anais da história política de Fernandópolis. Para os que estão hoje na faixa dos 50 anos, na época com 16, talvez nem se lembrem de que naquela eleição, oito candidatos disputaram o cargo de prefeito que governaria a cidade por seis anos, sucedendo Milton Leão que teve seu mandato prorrogado por mais dois anos para a coincidência das eleições de prefeito com as de governador, senador e deputados (federais e estaduais). Até aí, nenhuma novidade.
Ocorre que, a legislação eleitoral da época permitia que os partidos políticos pudessem lançar mais de uma candidatura para o mesmo cargo (as chamadas sublegendas).
Assim, o PMDB de Fernandópolis decidiu lançar três candidatos a prefeito: Newton Camargo Freitas, Fernando Sisto Solera e Manoel Terra Verdi. O PDS também lançou três: Antenor Ferrari, João José de Paula e Moacyr Vieira da Costa. O PT inaugurava sua participação eleitoral em Fernandópolis com o candidato Antônio Anuncio Silvestrin e o PDT ia à disputa com Valter Vicente Leon. Era a regra do jogo.
O que chamou a atenção, no entanto, foi que o PMDB, que também disputaria a eleição de deputado federal com Raul Gonçalves, decidiu lançar apenas um candidato a vice-prefeito. Isso mesmo, os três postulantes ao cargo de prefeito tinham um único vice.
O escalado para a missão de super vice foi o advogado Dr. Rubens Dalton Garcia Stropa, um esquerdista da época do MDB que cerrou fileiras na luta contra a ditadura e até organizou ato pelas Diretas Já em Fernandópolis.
Na época, no auge dos 36 anos, Binho, como era conhecido, entrou para a história. Afinal, alguém conhece história semelhante? “Não me recordo de no Brasil ter um vice para três candidatos a prefeito. Quando ia ao Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, o governador falava: Tá chegando o super vice-prefeito”.
REFÚGIO NA NATUREZA
Aos 70 anos de idade, Rubens Dalton Garcia Stropa, o super vice, vive com a mulher Virginia Cotrin (filha do ex-prefeito Clóvis Cotrin de Estrela d´Oeste) e o cachorro Bóris, em uma chácara na região do bairro rural do Caxi. Da rodovia Percy Semeghini até o seu refúgio, em meio à natureza, são cerca de quatro quilômetros. “É aqui que eu vivo há 16 anos”, contou ao receber a reportagem do CIDADÃO numa tranquila tarde de abril para relembrar a histórica eleição.
“Eu era do MDB, que virou PMDB, de Ulisses Guimarães que era o meu grande ídolo. Aquela foi a primeira eleição direta de governador depois da Ditadura, com a eleição de Franco Montoro, outra figura de destaque no partido”, relembra. “Eu era esquerda, continuo ligado à esquerda. Naquela época a gente brigava contra a ditadura militar, hoje estou aqui distante dos acontecimentos”, completa.
Mas, e a história do super vice? “Na época eu não estava pensando em política, quando fui procurado para ser candidato. Eu não queria ser candidato a nada, o meu pai (Sebastião Stroppa) me dizia para largar mão disso aí. Mas, acabei cedendo e saí candidato a vice de três candidatos a prefeito. A decisão foi na casa do Raul Gonçalves”, relata. Saudoso, Binho conta que era amigo dos três.
O VICE E SEUS TRÊS PREFEITOS
Embora os três candidatos fossem do mesmo partido, eles estavam disputando o voto dos eleitores de Fernandópolis. Era uma campanha e cada, claro, puxava a brasa para sua sardinha. E nessa disputa, como ficava o vice?, quis saber CIDADÃO.
“Eu saia de um palanque para outro, andei mais do que todo mundo, afinal tinha que caminhar com os três candidatos pelos bairros. Eu fiz uma campanha sem problemas. Trabalhava para os três. Isso foi possível graças aos três candidatos, graças aos companheiros de partido. Pudemos fazer uma campanha sem problema. Era interessante – continua Binho – que no partido o pessoal afirmava que eu já estava eleito vice-prefeito, porque o prefeito vitorioso sairia do PMDB. Eu tinha três chances para ser vice-prefeito”.
Na época, a eleição foi mais centrada em Fernando Sisto e Newton Camargo. Sisto era apontado como favorito, por ter sido presidente do Fefecê na histórica campanha de 1979 com Carlos Silva, quando o time foi campeão com uma campanha memorável. Camargo já tinha sido candidato a prefeito e era muito conhecido. Manoel Terra Verdi de família tradicional era a novidade.
“Ganhou o Newton Camargo, numa virada de última hora, logo depois de ter mandado ônibus para levar a torcida do Fefecê para Santa Fé do Sul. O Sisto estava quase eleito. Naquela época o pessoal estava inclinado em votar no Fernando Sisto. Essa é a grande verdade”, conta.
Eleito vice-prefeito de Newton Camargo, Binho Stropa lembra que logo após a posse, Camargo criou a figura do assessor especial e para ocupar o cargo trouxe um “estrangeiro”: João Carrasco. A relação do Executivo com a Câmara e com vice azedou com o passar do tempo.
Binho lembra que Carrasco chegou a Fernandópolis e se “apoderou” do cargo de vice-prefeito. “Ele foi a Matão e se passou como vice-prefeito, quando foi tratar do projeto da ‘vaca mecânica’. Tinha um promotor lá, que foi meu companheiro de turma na faculdade, ele me ligou e falou: “Você falou que era vice-prefeito em Fernandópolis? Veio um cara aqui e falou que ele era o vice. Aí larguei mão, abandonei tudo, nem café ia mais tomar no Paço Municipal”, relembrou. “Eu me senti ultrajado, porque ele chegou aqui e tomou minha posição de vice-prefeito. E tinha muita gente do lado dele. Eu nasci aqui e ele veio de fora, não conhecia a cidade”, completa.
Por duas vezes tentou se eleger vereador “Não me elegi e larguei mão. Não quero mais saber de política. Mas, não tenho decepção com a política”, enfatiza.
Apesar de estar há 16 anos longe do burburinho político da cidade, Stropa diz que acompanha pelo rádio as notícias e manifesta preocupação com a cidade. E manda uma mensagem: “Tô quieto, tô com 70 anos e preocupado com a situação da cidade. Peço que respeitem Fernandópolis. Adoro essa cidade onde nasci em 1946”.
Para ele, Fernandópolis é diferente de tudo. “Fernandópolis precisa aprender a viver em harmonia, Câmara e Prefeita, todos trabalhando pela cidade”, lembrando que a divisão política, sempre com dois grupos antagônicos impediu a cidade até de reeleger um prefeito. .
“Desde o tempo do Edson Rolim, Adhemar Monteiro Pacheco, Percy Semeghini, Leonildo Alvizi, Camargo e todos os outros. Aqui sempre tivemos dois grupos antagonistas. É um negócio sério. Não consigo entender porque em Fernandópolis é assim. Jales não é assim, Votuporanga não é assim. A gente passa em Votuporanga e vê a cidade crescendo. E nós aqui, tenha piedade, ficamos brigando entre nós mesmos. A culpa é só dos políticos. A população não tem culpa. Dizem que a energia da cidade não é boa”, comenta.
Apesar de tudo, lembra com muita saudade de todos os momentos e aproveita agora para curtir a natureza ao lado da esposa e do espevitado cachorro Bóris.