O Natal dos catadores de recicláveis em Fernandópolis

20 de Agosto de 2025

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O Natal dos catadores de recicláveis em Fernandópolis

Reclamar da vida, do trabalho, da comida à mesa, que não será tão farta como no ano anterior e até mesmo de um presente que não agradou. Enquanto muitos lamuriam, literalmente de barriga cheia, outros, que de fato teriam do que reclamar, arregaçam as mangas e vão à luta para ter o mínimo de dignidade ao passar o Natal com a família.

De um lado, leitoa assada, um peru suculento, chester, churrasco, muita bebida e presentes caros. Do outro, apenas a esperança de ter arroz e feijão à mesa e a oportunidade de visitar uma loja de R$1,99, só para não deixar os filhos passarem a data em branco.

A realidade é dura e proporciona um verdadeiro tapa na cara de quem visita a ACARF – Associação dos Catadores de Recicláveis de Fernandópolis -, fonte de renda de 16 famílias fernandopolenses.

A referida associação, até então desconhecida por muitos, ganhou notoriedade esse ano ao ser escolhida pelo FFC – Fernandópolis Futebol Clube – para receber as garrafas pet oriundas do projeto “Futebol Sustentável” da Federação Paulista de Futebol, que arrecadou mais de 15 mil garrafas em troca de ingressos para jogos da equipe fernandopolense.

Na oportunidade em que o projeto da Federação fora lançado, a declaração emocionada da presidente da ACARF, Maria Aparecida Francisco, de que as garrafas salvariam o Natal dos membros da associação, comoveu e chamou atenção, mas ao contrário do que se poderia imaginar não se tratava de uma força de expressão.

Dona Maria José já trabalhou na ACARF em três oportunidades. Das outras largou o cooperativismo para trabalhar de carteira assinada, porém, a crise lhe tirou o emprego e com o marido e filhos também desempregados, voltou a catar recicláveis. O Natal dela não será dos melhores, mas pelo menos terá o que comer.

“Esse ano o Natal não vai ser muito bom não, numa crise dessa. A gente tem que agradecer a Deus por estar com saúde e ter força e coragem para trabalhar, mas fora isso não teremos muito o que comemorar. Na minha casa somos eu, meu esposo, quatro filhos e um netinho e todos estão desempregados, vivendo de ‘bicos’. Não vai ser um Natal muito farto, mas graças a Deus teremos o que comer”, disse dona Maria José enquanto separava os materiais recicláveis que lhe garantem um salário no fim do mês.

Questionada sobre seu sonho para este fim de ano, Maria José respondeu com simplicidade: “Só queria ter uns trocados a mais para poder reunir minha família e comemorar com todo mundo”.

A jovem Taís também encontrou nos materiais recicláveis o sustento de sua família. No ano passado ela conta que teve um bom Natal, não com sobras, mas com tranquilidade. Em 2015, porém, ela ainda não sabe se conseguirá atender ao pedido de seu filho de dois anos.

“Meu neguinho (filho) é tudo para mim. Ele me pediu uma sandalinha que pisca e se Deus quiser vou ter condições de comprar. É dele que eu tiro forças para vir aqui e trabalhar todos os dias”, contou. 

 Já dona Maria terá que explicar para seu filho de onze anos e suas filhas de 12 e oito anos, que o Papai Noel não passará em sua casa este ano.

“Nosso Natal será simples, mas fazer o que né? Eles sonham com as coisas né, mas acho que infelizmente não vou conseguir realizá-los este ano. Sei que é difícil, mas eles vão ter que entender”, completou dona Maria.

ACARF

A ACARF foi fundada há 16 anos pelo padre Mário Roberto Rodrigues Faria, que vislumbrou a necessidade de apoiar e organizar os catadores de recicláveis da cidade e deu início ao projeto. Quando foi transferido para outra paróquia, padre Mário passou a responsabilidade do projeto para os próprios membros da associação, que a tocam até hoje.

Ao longo destes anos, dezenas de fernandopolenses buscaram ali um recomeço e o sustento de suas famílias. De acordo com a presidente da associação, Maria Aparecida Francisco, além do salário, os fernandopolenses que trabalham na associação recebem uma cesta básica e uma cesta verde.

“Fome a gente não passa. Muita gente no Brasil não tem nem um salário e aqui nos temos o salário e mais as cestas. O trabalho é pesado, mas a gente tem é que agradecer a Deus por tê-lo”, contou.

A presidente da associação ainda conta com orgulho que criou seus dois filhos com o dinheiro do lixo. “Criei meus dois filhos aqui, uma que hoje está com 23 anos e outro com 18. Agora cada um tem sua vida, mas tudo graças a isso aqui. O pouco com Deus é tudo, sem ele é nada”, completou.