Um mergulho no ventre do nosso maior hospital

20 de Agosto de 2025

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Um mergulho no ventre do nosso maior hospital

As mais de 115 mil pessoas que compõem as populações dos 13 municípios da microrregião de Fernandópolis têm como tábua de salvação, em situações de urgência ou emergência médica, praticamente um único hospital: a Santa Casa de Misericórdia.  

São, portanto, 115 mil vidas que dependem da saúde estrutural, financeira e administrativa da Santa Casa para que sua própria saúde física possa ser garantida. Só que o hospital passa por grandes dificuldades.

Recentemente, o anúncio do fechamento da Unidade 5, bem como da diminuição dos leitos da Unidade de Terapia Intensiva, de 18 para dez, assustaram a população regional: “A Santa Casa vai fechar”, dizia-se.

BAIXA OCUPAÇÃO

A administradora hospitalar Wládia Prandi Franco, que é pós-graduada em administração de hospitais, explica as razões da decisão: “A Santa Casa estava com baixa ocupação, ou seja, apenas 45% dos leitos ocupados, em média. O fechamento da Unidade 5, além de reduzir custos, fez subir o índice de ocupação para 85%, portanto o hospital continua absorvendo plenamente a demanda”.

Wládia prossegue: “Em relação aos leitos de UTI, acontece o seguinte: cada dez leitos exigem uma equipe médica completa. Aliás, em toda a região, de Rubinéia a Mirassol, ninguém tem mais de dez leitos, exatamente pelo alto custo. Daí a medida de economia, que não prejudica o atendimento”, garantiu.

A administradora considerou que existe um hábito, entre os médicos, de mandar pacientes em recuperação pós-anestésica direto para a UTI: “Isso nem sempre é necessário”.

A Santa Casa de Fernandópolis é um gigante de concreto, com exatos 14.758,31 metros quadrados erigidos numa área de quase um alqueire (24 mil m2); tem 60 anos de atividades, 130 leitos hospitalares após a recente restruturação, atende oficialmente aos citados 13 municípios (na prática, no hospital aportam pacientes também de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás), e conta com serviços de nada menos que 33 especialidades médicas.

De quebra, é a gestora de unidades de saúde como o AME (Ambulatório Médico de Especialidades) e da Unidade de Reabilitação Lucy Montoro. Desde 6 de agosto de 2013, a Santa Casa se tornou Hospital de Ensino, o que, se lhe confere melhores contratos com o sistema público, da ordem de mais 10% na tabela de pagamentos, de outro lado aumenta sensivelmente a gama de serviços e obrigações.

SAÚDE REGIONAL

Fernandópolis é subordinada ao Departamento Regional de Saúde (DRS 15) situado em São José do Rio Preto. Em todo o noroeste paulista, só há três hospitais de ensino: o Hospital de Base de Rio Preto e as Santas Casas de Catanduva e Fernandópolis.

Além da parceria com a Unicastelo (principalmente por conta do curso de Medicina), o hospital é ainda parceiro da Fundação Educacional de Fernandópolis, a FEF, onde há oito cursos da área da Saúde.

A atual provedora da Santa Casa, Sandra Regina de Godoi, que assumiu o cargo no último mês de maio, é graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela FEF, cursou Mestrado em Enfermagem Obstétrica e Neonatal e Doutorado em Enfermagem pela USP.

 Desde 1984, Sandra participa diretamente da vida do hospital, onde ingressou como atendente de enfermagem. Em 2013, passou a integrar o quadro de irmãos da Santa Casa, depois que alteração do estatuto permitiu a participação de mulheres na associação. Sandra foi vice na chapa de Geraldo Carvalho e, em maio, assumiu a Provedoria.

Sandra sabe que a situação é difícil. O hospital acumula dívidas mensalmente: o último balancete mensal apontou uma receita de R$ 2,27 milhões, diante de despesas em torno de R$ 2,87 milhões. Resultado: prejuízo de R$ 600 mil.

MAIS NÚMEROS

A média de atendimentos é de 6 mil por mês, com 73 partos, 700 internações, 24 mil refeições servidas a cada mês, 22 mil quilos de roupa lavada, e 9 mil quilos mensais de material esterilizado. A média mensal de cirurgias chega a 285.

Os números são mesmo impressionantes: realizam-se mensalmente 42 mil exames laboratoriais, 5,5 mil exames por imagem e 2,3 mil sessões de hemodiálise (a Santa Casa é “Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Nefrologia”, segundo portaria do Ministério da Saúde).

A alta complexidade também é atestada nas áreas de Ortopedia e Traumatologia e Terapia Nutricional Enteral. O hospital é igualmente responsável pelo Serviço de Vigilância Epidemiológica Hospitalar.

CONSULTORIA

O pronto-socorro (que é de responsabilidade do município, segundo a legislação), funciona anexo à Santa Casa, como acontece na maioria das cidades que têm hospitais da instituição. A Prefeitura de Fernandópolis tem feito o possível para garantir o repasse das verbas – às vezes, acontecem atrasos de um ou dois meses, mas isso, segundo o deputado federal Fausto Pinato (PRB-SP), “pode ser considerado normal”: “Num momento de crise e queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios, fica difícil manter em dia os pagamentos”, ponderou.

Pinato, que esteve na cidade no último dia 12, afirmou que prometeu verba de R$ 1 milhão anual para o hospital. “Os outros municípios que usam o hospital também têm que ajudar a Santa Casa de Fernandópolis, afinal, é aqui que seus pacientes são tratados” afirmou.

Há alguns anos, o então promotor de Justiça Denis Henrique Silva reuniu os prefeitos da microrregião e cobrou esse apoio, que, entretanto, ainda está muito longe do ideal. Um radialista de Fernandópolis, que pediu sigilo sobre sua identidade, criticou os municípios: “Mira Estrela, Macedônia e Indiaporã farão shows de final de ano com artistas famosos, como Munhoz e Mariano, Leonardo e Humberto e Ronaldo. Melhor fariam se ajudassem a Santa Casa”, disparou.

SALÁRIOS

Há algumas semanas, os funcionários da Santa Casa saíram às ruas em passeata para mostrar ao povo de Fernandópolis o drama do hospital. Com salários atrasados, os funcionários entendem as dificuldades da diretoria, mas os credores batem à porta. “Nossa situação é mesmo dramática”, lamentou um funcionário.

O deputado Pinato não vê necessidade de que seja feita uma auditoria na Santa Casa. “Creio que o ideal seria fazer uma consultoria, buscando evitar gastos com supersalários ou despesas supérfluas”, disse.

As gestoras do hospital sabem que o desafio é enorme. O principal parceiro – o SUS – não reajusta sua tabela há anos e a defasagem é de ao menos 60%. O choque de gestão é imperativo, mas, segundo Sandra e Wládia, a participação da comunidade é imprescindível.

No dia 1° de dezembro, a Orquestra de Violeiros de Fernandópolis, que é regida pelo maestro Thito Ferreira, fez um show no Teatro Municipal, em parceria com a Secretaria da Cultura, e arrecadou cerca de 400 quilos de gêneros alimentícios e material de limpeza e higiene para a Santa Casa.

Aqui e ali, aconteceram iniciativas similares. Particulares levam doações. Mas o problema é bem mais complexo: além da tabela SUS defasada, há disparidade salarial, com funcionários ganhando até 150% a mais do que o piso salarial da profissão, enquanto colegas da mesma função ganham o mínimo estabelecido para a categoria.

Em recente comunicado ao povo de Fernandópolis, a Santa Casa termina com estas palavras: “Resta-nos agora efetuar as demissões necessárias e sem termos como custear as rescisões, isso será feito de forma que muito nos desagrada, porém não encontramos alternativa”. Com a palavra, as autoridades dos três poderes e das três esferas.