Há um entendimento pacífico em Fernandópolis segundo o qual a maior qualidade do município é o espírito de solidariedade de seu povo. Em contrapartida, o maior defeito é o antagonismo que permeia historicamente as relações políticas na cidade.
Desde sua fundação, em 2005, CIDADÃO mantém as colunas “Positivo” e “Negativo”. Elas são publicadas na página 3 deste semanário. Nelas, os fatos da semana são analisados sob a ótica da sua importância social ou de seu eventual caráter deletério. Daí nasceu a ideia de se discutir de forma mais ampla essa virtude e esse defeito que permeiam o espírito do fernandopolense.
SOLIDARIEDADE
Desde sempre, a cidade conta com vários clubes de serviços, além de instituições voltadas ao atendimento a todo tipo de pessoa com vulnerabilidade social: excepcionais, portadores de necessidades especiais, idosos, portadores de doenças graves, famílias carentes.
Um bom exemplo é a APAE, entidade que conta, entre seus pioneiros, com a empresária Alice Ferrarezi. Hoje, ela preside a Volfer (Voluntários da Santa Casa) e continua desenvolvendo projetos de cunho social, tendo assim seu nome imediatamente ligado ao assistencialismo em Fernandópolis.
Outro nome importante é o de Candinha Nogueira. Portadora de câncer, Candinha conseguiu não só enfrentar a doença como, ao lado de um grupo de abnegados membros da AVCC (Associação de Voluntários no Combate ao Câncer), construiu um grande hospital que é hoje referência regional em diagnóstico da doença.
Tudo isso contou com o apoio da comunidade, que doava dinheiro, produtos e bovinos para os leilões da AVCC. E, falando em leilões, é impossível esquecer a figura do leiloeiro oficial Darci Bertoco, falecido no último dia 7, aos 80 anos. Darci, entusiasta da AVCC e do Parque Residencial São Vicente de Paulo, é referência fundamental na benemerência fernandopolense. Ele poderá ter como sucessor outro voluntário entusiasmado desses leilões: o comerciante Humberto Zanin.
O São Vicente de Paulo, aliás, tem em sua presidência a figura simpática do pecuarista Djalma Pontes, grande batalhador pela qualidade de vida dos idosos carentes de Fernandópolis e região. O chamado “Lar dos Velhinhos”, apesar das dificuldades financeiras crônicas, tem hoje um patrimônio invejável na Avenida Afonso Cáfaro, com estrutura para atender uma centena de idosos.
Geraldo de Carvalho, o “Doutor Geraldo”, é mais um nome ligado ao serviço social, especialmente por conta do trabalho na Meimei e outras instituições. O escritor e fotógrafo da Polícia Científica Wilson Granela é outro destaque. Granela é o coração, a alma e até a mão de obra da Henri Pestalozzi, situada na zona oeste da cidade. Lá, em meio a um lindo bosque, salões e refeitório, os voluntários dão apoio e orientação a dezenas de crianças carentes.
Registre-se o trabalho feito com amor e discrição pelas “Comadres”: mensalmente, senhoras fernandopolenses, como Amélia Rosa e Arlete Martin, se reúnem para matar as saudades e eleger uma pessoa ou grupo que receberá ajuda material e apoio espiritual das “Comadres”. Tudo isso sem alarde, apenas pela vontade de ajudar.
Há aqueles que canalizam seu trabalho para portadores de necessidades especiais, como a lutadora Célia Mafra, que preside a ADVF (Associação dos Deficientes Visuais de Fernandópolis), ou Wiliam Pezati, que comanda a APADAF (Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Fernandópolis).
Os surdos, aliás, obtiveram um grande melhoramento em sua qualidade de vida com a implantação do projeto de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) em alguns espetáculos no Teatro Municipal.
A Secretaria da Cultura contratou um monitor para desenvolver esse projeto, e as peças são “traduzidas” em Libras pelas intérpretes. Familiares dos deficientes auditivos contam que até então eles jamais haviam estado num teatro, por conta do problema de audição.
Antônio Carlos Rossetto (Casa da Sopa), Marcos Vilela e Roberto Tsuzuki (Projeto Os Sonhadores) também se destacam pelo trabalho em favor dos jovens. Na verdade, há tanta gente voltada para o trabalho voluntário que é possível afirmar sem medo: Fernandópolis é a capital da solidariedade.
ANTAGONISMO
No dicionário, antagonismo é definido como “rivalidade, oposição, falta de compatibilidade de ideias”. Em Fernandópolis, esse estado de ânimo acirrou-se a partir do final da década de 50, quando o grupo situacionista da época, liderado pelo cerealista Edison Rolim e o médico Adhemar Monteiro Pacheco, ganhou oposição comandada pelo advogado Percy Waldir Semeghini.
Durante toda a década de 1960, os dois grupos se digladiaram, na luta pelo poder. Eleito em 1962 para ser o prefeito no período de 1963 a 1968, Percy sofreu uma série de processos, e a situação chegou ao paroxismo com a prisão, em novembro de 1966, do vice-prefeito Jacob de Angelis Gaeti e de mais da metade dos vereadores.
Os mais antigos comentam que, na semana em que ocorreram essas detenções, um grupo ligado à multinacional Bayern estava na cidade, estudando a possibilidade de instalação de uma fábrica da empresa em Fernandópolis. Os representantes da Bayern foram embora rapidamente, com o propósito de nunca mais voltar.
Apesar dos pachequistas e percilianos já terem, em sua maioria, falecido ou se mudado da cidade, o DNA do antagonismo parece ter marcado definitivamente o caráter político de Fernandópolis. Houve outras disputas eleitorais extremamente radicais, com a morte de cabos eleitorais maculando a democracia.
Não há sessão da Câmara Municipal sem que ocorram críticas ácidas, às vezes resvalando para o plano pessoal. O vereador Rogério Chamel, por exemplo, chegou a chamar a atual prefeita, Ana Bim, de “jumenta” e “jumentinha” durante uma sessão.
Absolvido por conta da imunidade parlamentar, Chamel voltou à carga na CPI da Merenda. Foi acusado de coagir testemunhas e agir “com espírito de vingança”, segundo o próprio Ministério Público.
Talvez esteja surgindo uma luz no final do túnel, com pequenas ações como a que foi registrada este ano, quando Júlio Semeghini, filho de Percy, se encontrou em Fernandópolis com Regina, uma das filhas de Pacheco, e Edison Rolim Filho, para um almoço de confraternização. Todos eles pregaram que as hostilidades eram “coisa do passado” e que a cidade precisava de união.
Também Júlio Camargo, filho do ex-prefeito Newton Camargo, defende um espírito diferente para o futuro: “Mais importante é Fernandópolis”, apregoa.