As novelas que atualmente acompanhamos pelas grandes emissoras brasileiras de televisão são baseadas em histórias fictícias, na maioria das vezes extraídas de casos reais acrescidas de apelos populares para a elevação da audiência.
Capítulo após capítulo, os telespectadores vão se familiarizando com os personagens, representados por atores renomados, geralmente muito bem pagos, e se prendem em um mundo de ficção sem perceber que se olharem pela janela de suas casas ou veículos encontrarão verdadeiros dramas a poucos metros de distância.
Em Fernandópolis, por exemplo, a história de Luiz Francisco da Silva, de 26 anos, é capaz de emocionar qualquer um.
Ele nasceu em 8 de agosto de 1989. Seus pais eram dependentes químicos e não tinham condições de lhe criar, o que acabou o levando a um abrigo.
Lá, encontrou uma nova família, com quem foi morar. Temendo sua reação, seus pais adotivos decidiram aguardar o melhor momento para contar a ele que era filho adotivo, até que aos 15 anos descobriu sozinho e acabou se revoltando.
Foi quando saiu de casa pela primeira vez e alguns “amigos” lhe apresentaram o álcool e o crack. Muitas brigas passaram a se suceder dentro de casa e seus pais acabaram se separando. A mãe foi para Itaperi/SP e o pai ainda permaneceu em Fernandópolis por algum tempo.
Luiz então passou a morar com a mãe adotiva, mas o vício tomava conta de seus pensamentos e ele passou a realizar pequenos furtos para comprar drogas. Em uma tentativa de afastá-lo dessa vida, a família o mandou de volta para a casa do pai. Em vão.
Seu pai era rígido e as brigas dentro de casa se tornaram constantes. “Para o meu pai, tudo tinha horário. Era de casa para escola e da escola para casa. Só que você sabe como é adolescente, né? Eu achava que já era dono do meu próprio nariz e que podia fazer o que quisesse. Comecei a matar aula, fugia da escola e saí de casa”, contou.
Enquanto vivia na rua, recebeu a notícia de que seu pai havia morrido na cidade de Iturama, vítima de um acidente. Fato que o fez desistir de vez da vida.
“Quando meu pai morreu foi que me afundei ainda mais na droga. A pessoa que mais se importava comigo já não estava ao meu lado. Já não pensava em fazer mais nada além de usar drogas. Dormia nas calçadas, não tomava banho e pedia dinheiro na rua para sustentar o meu vício e de vez em quando para comer alguma coisa. Estava no fundo do poço”, completou com os olhos cheios d’água.
O fundo do poço de Luiz passou por diversas ruas e bairros de Fernandópolis. A praça da Aparecida, Praça da Matriz e mais recentemente o alpendre de uma casa abandonada na Avenida Manoel Marques Rosa, entre às ruas Brasil e Rio Grande do Sul foram suas “moradas”.
Apanhou, foi xingado, humilhado, passou fome, frio, sede, vergonha. “O pior dia da minha vida na rua foi quando eu estava dormindo e do nada começaram a me bater. Chutes, socos, sei lá. Na rua isso acontece muito. Tratam a gente pior do que bicho”, completou.
A MUDANÇA
A mudança em sua vida começou quando numa noite fria, onde sua única companhia eram retalhos de caixas de papelão, missionários de uma igreja evangélica de Fernandópolis o encontraram nas escadarias da igreja Matriz e o convidaram para participar de seus cultos.
Luiz passou a frequentar a igreja, mesmo que ainda esporadicamente, e nesses dias não fazia o uso de drogas. Foi num desses dias que ele conheceu o trabalho do Ceads - Centro Educacional Apoio Desenvolvimento Social Cultura Ceads - e decidiu que iria mudar de vida.
“Não tinha usado drogas aquele dia e então estava conversando com um dos meninos da Área Azul e perguntei o que eu tinha que fazer para trabalhar como ele. Foi quando ele me disse para levar um currículo no Ceads e assim eu fiz”, contou Luiz.
Com o auxílio do Creas - Centro de Referência Especializado de Assistência Social -, onde era atendido, tirou a segunda via de todos os seus documentos e foi para a entrevista de emprego.
Lá, foi entrevistado por Lúcia Narti, gerente administrativa da entidade, que viu ali a oportunidade de tirar um ser humano daquela situação e decidiu lhe conceder o emprego.
“Percebi que ele queria de verdade sair daquela situação e por isso decidimos lhe dar essa oportunidade e até agora não tivemos motivos para nos arrepender. Ele tem se mostrado um funcionário dedicado e cumpridor de suas obrigações”, disse ela.
O RECOMEÇO
Com seu primeiro salário, Luiz alugou um quarto numa pensão no centro da cidade e saiu das ruas. Comprou algumas roupas, já que não tinha mais quase nenhuma, produtos de higiene pessoal e voltou a se alimentar corretamente.
“Víamos que ele era uma boa pessoa que, por algum motivo, acabou se perdendo. Por muitas vezes o encontramos deitado ali na varanda daquela casa abandonada, todo sujo e sem rumo. Numa noite muito fria, ele bateu aqui na nossa loja para pedir para dormir em nosso estacionamento e então passamos a ter muito carinho por ele. Agora ficamos muito felizes em vê-lo bem, trabalhando e recomeçando a vida. Quem dera todos que vivem na situação que ele vivia tivessem essa mesma força de vontade que ele está tendo”, afirmou Claudia Bortoleto, proprietária de uma papelaria de fronte ao alpendre onde Luiz “morava”.
O marido de Claudia, que por coincidência também se chama Luis, é um dos responsáveis pela mudança de vida do ex-morador de rua. Para conseguir o emprego no Ceads, Luiz precisava apresentar um comprovante de residência e foi justamente pedir ajuda aos “vizinhos”, que mesmo com o pé atrás, atenderam a solicitação.
“É preciso realmente querer para conseguir uma mudança em nossa vida e eu vi essa vontade no Luiz de mudar. Quando ele me pediu, é claro, pensei bem, mas decidi confiar nele. A gente precisa acreditar nas pessoas e isso tem que vir de dentro da gente. Se nunca acreditarmos nas pessoas, como que um dia elas terão a chance de mudar de vida?”, questionou o empresário, emocionado.
Hoje, o personagem desta novela da vida real já perdeu as contas de quanto tempo faz que não coloca o cachimbo de crack na boca e assim pretende permanecer pelo resto de sua vida.
“Minha vida mudou. Hoje quando bate a vontade de usar drogas eu vou para a igreja ou, quando não dá para ir à igreja, paro para pensar o quanto a minha vida está melhor sem aquela porcaria e logo a vontade passa”, completou.
Quando perguntado sobre seus sonhos, novamente Luiz não contém as lágrimas. “Sonho com minha mãe me vendo assim, vendo a minha luta para recomeçar, depois de tanto desgosto que dei a ela. Não vejo a hora de chegar o fim do ano para que eu possa pegar o meu 13º e ir visitá-la. Ainda quero dar muito orgulho para ela, já que para o meu pai, perdi essa chance”, concluiu.