Excesso de ocupações, desenvolvimento exacerbado de tecnologias e a tal “correria” do dia a dia tem desencadeado um transtorno de ansiedade em 80% das pessoas, que o psicanalista e escritor Augusto Cury chamou de “Síndrome do Pensamento Acelerado”. Mais comum em crianças, que por muitas vezes são diagnosticadas como hiperativas, a síndrome tem como principais sintomas a dificuldade de relaxar a mente e acalmar os pensamentos.
Especialistas dizem que a síndrome do pensamento acelerado não é uma doença, mas sim um sintoma vinculado a um quadro de transtorno de ansiedade. As pessoas mais vulneráveis geralmente são aquelas que são avaliadas constantemente por conta das suas obrigações profissionais, não podendo desligar um minuto sequer, caso contrário o trabalho é comprometido. Bons exemplos são executivos, jornalistas, escritores, publicitários, professores e profissionais da saúde.
Para entender mais sobre o assunto, que tem deixado muitas mães preocupadas com seus filhos que apresentam sintomas de medo, ansiedade, inquietação e claro, déficit de atenção, CIDADÃO procurou o renomado médico psiquiatra e psicanalista João de Lima Stefanini, membro da Associação Brasileira de Psicanalise (ABPC), há 21 anos, que explicou a síndrome e pontuou a afetividade e estruturação familiar como ferramentas de inibição do transtorno.
Quais as principais diferenças da Síndrome do Pensamento Acelerado e do hiperativismo, visto que muitas pessoas foram diagnosticadas erroneamente pela confusão entre as duas patologias?
Ao meu ver, preciso até citar o Augusto Cury – doutor em psicanálise e escritor, cuja venda de seus livros já ultrapassou 20 milhões de exemplares -, que foi quem criou este termo, a Síndrome pontua como sendo um pensamento mais acelerado e faz com que a pessoa não consiga organizar muito bem as ideias e formar os pensamentos, mas ao mesmo tempo a pessoa fica mais irritada, mais impaciente, incomodada e tem dificuldade, pois segundo o Cury, o que causa isso é um excesso de informação que tem hoje, pessoas cheias de exigência, rapidez da comunicação, este grande desenvolvimento eletrônico através da internet que ficou muito violento e a mente não dá conta de receber toda essa informação, organizar e emitir um pensamento adequado. Por isso, ele (Cury) recomenda às pessoas fazerem passeios, atividades que possam relaxar como ouvir músicas, caminhadas, enfim, ficar fora deste ritmo estressante que é o trabalho diário. Já hiperatividade ou o déficit de atenção é dificuldade de manter o foco em um processo que está a nossa frente, não que falte atenção, mas eu vou para lá, para cá, escapo o pensamento e a atenção para outros lados. Isso ocorre com pessoas hiperativas. E tanto na Síndrome do Pensamento Acelerado quanto nas pessoas hiperativas existe o transtorno da ansiedade. Nos dois casos ela é alta, portanto é preciso diminuí-la, ou com medicamentos ou com orientação de vida.
Outro ponto que eu destaco é a ligação dessa dificuldade das pessoas com o medo do abandono e o despreparo para enfrentar a vida. Pessoas que se sentem muito fragilizadas, que precisam se virar e não tem estrutura para isso. Querem estar sempre juntas com pessoas ou fogem das pessoas. Jovens que não conseguem ficar longe de casa, ansiosos, com pensamento acelerado, hiperativo às vezes, e aí a mãe fala: “volta para casa”, e aí ele se acalma, tem pai tem mãe, ou seja, tem um desamparo e precisa de uma ajuda psicológica para se fortalecer mais interiormente para lidar melhor com a vida. Então, nas raiz disso aí, eu vejo uma estrutura psicológica que não ficou muito bem organizada, estruturada. Quando ele vai enfrentar a vida ele não está preparado, se irrita, se aborrece, fica impaciente, nervoso, com medo, enfim, tudo consequência, que possibilita o surgimento destes problemas, no caso, os dois citados, mas existem vários outros transtornos de ansiedade.
Como identificar que uma criança está sofrendo com sintomas deste transtorno? E uma pessoa adulta, como saber se é preciso procurar ajuda?
É simples. São crianças mais irritadas, muito dependentes, que não sabem ficar sozinhas, que chamam a mãe toda a hora, brigam facilmente, medrosas, não dormem sozinhas, precisam de atenção o tempo todo, inseguras. Por isso, essas crianças, certamente terão propensão muito maior, tanto para hiperatividade quanto para o processo de pensamento acelerado. Já os adultos é o mesmo caminho. Em minha clínica vejo isso há 40 anos: pessoas adultas que começam a me contar as dificuldades, os medos, inseguranças, e descobrimos que sempre foi assim, desde crianças precisaram recorrer a algum expediente. Quando um ser humanos se vê em uma situação de insegurança ele faz um mecanismo de defesa, forjando o outro lado, se mostrando confiante, seguro, como se não houvesse problema algum. Mas, quando o problema existe mesmo vai dando lugar a essa situação que ele acha que é nova. A gente começa a cutucar e percebe que isso vem lá de trás. Ele viveu assim, com defesas, a mãe talvez facilita, dinheiro fácil, carro à mão e vai levando a vida. Mas no fundo precisa de uma ajuda e as vezes demora para perceber. Alguns nem percebem.
O senhor já consultou algum paciente que foi diagnosticado com esta síndrome? Relate um caso.
Já consultei várias pessoas e a queixa sempre é muito parecida. Os clientes falam que se esquecem fácil das coisas, erram muito, não conseguem se concentrar num pensamento, vira e mexe começa, interrompe, depois não sabe onde parou, ou seja, perde aquela sequência do curso do pensamento facilmente, se distrai com facilidade e fica muito ansioso, e o que causa ansiedade é desamparo, pois quem está seguro, vai devagar, organiza o pensamento, formula a ideia, raciocina, pensa, consegue manter um equilíbrio. Então nesses casos, uns vão para esse lado do hiperativismo e outros para o Pensamento Acelerado. Muitos falam que a pessoa é distraída, mas não é isso. É um déficit de atenção. Ela tem suas atenções voltadas para outras coisas e aquilo que está na frente dela passa desapercebido, porque está focada em outra coisa. Igual a um cientista que estaciona o carro e depois não sabe onde deixou, vai vestir um paletó e veste trocado, que não combina com nada. É uma desatenção.
Depois de identificada a Síndrome do Pensamento Acelerado, qual o tratamento e a duração dele?
No meu ponto de vista existem remédios para isso. Hoje em dia usamos um tipo de remédio que dá uma mudança no humor, não é calmante, não. Chamamos de anti-depressivo, mas não é indicado com intuito de tratar de depressão. É indicado para diminuir a ansiedade, a irritabilidade, a falta de paciência. Pode se usar remédios, mas acredito que o melhor tratamento é a psicoterapia, um acompanhamento psicológico para ajudá-la a perceber que ela tem dificuldade, por fica desse jeito, porque tem esse pensamento acelerado.
Acredita que as mudanças na sociedade de forma geral contribuíram para a disseminação de novos casos? Esta síndrome sempre existiu? Com este mesmo nome?
Sempre existiu. Não com esse nome. O que atribuo a isso é que houve um desenvolvimento tecnológico muito grande e as famílias ficaram mais necessitadas de trabalhar fora e isso fez com que as crianças ficassem sozinhas e, por isso, recorrem muito ao celular, tablets, para tentar ocupar a sua mente, diminuir a ansiedade, tanto que muitos pais dizem: “dá o celular que ele sossega”. Mas isso não é bom. O que está faltando, na minha opinião é o contato afetivo, pois a estruturação a família está muito desagregada. Então, o que piorou essa situação foi o grande desenvolvimento tecnológico e muita ocupação dos pais. Os filhos estão crescendo sem essa atenção, vivem mais no mundo virtual do que no real. A criança que tem um amparo logo cedo da presença dos pais não terá dificuldades na vida, já aquela que ficam mais com babás ou presas a televisão e internet certamente não será uma pessoa segura e terá dificuldades. Então não creio que seja uma coisa nova, mas sim fruto destas mudanças culturais e tecnológicas da sociedade.
Apenas pacientes que sofrem de ansiedade podem apresentar os sintomas da síndrome?
Perfeitamente. A ansiedade está na raiz do processo, que é devido ao desamparo da criança. Ansiosa essa criança pode ter pânico, medo como pode ter o pensamento acelerado, fobias, e outros sintomas como hiperatividade, agitação, inquietação. Se a ansiedade for normal isso não acontece. A ansiedade que a gente aceita é aquela expectante, por estar aguardando um acontecimento. Aquela que é de fora para dentro, de coisas normais. Ou porque recebeu uma intimação judicial ou porque tem uma dívida, um problema conjugal. Agora a ansiedade mais interna, de dentro para fora sem motivo, pode até se confundir com essa normal. A ansiedade interna é aquela que ocorre por estímulos externos que não está preparada para lidar com aquilo. Se eu estou preparado eu lido bem com problemas externos. Existem casos que as duas ansiedades ocorrem. Mas a mais inquietante é essa interna que as pessoas dizem: “doutor estou assim não sei o porquê”. Sempre foi assim, mas a medida mudou e o problema apareceu. É como dizer que “a situação faz o ladrão”. Não é bem assim. A situação revela o ladrão.
O excesso de informações e acúmulo de atividades são os principais fatores para as pessoas “hiperpensantes” deixarem de procurar um especialista, acreditando ser apenas um stresse corriqueiro?
É uma questão muito oportuna e inteligente. Essa é a ideia geral da sociedade, excesso de informações, exigências, põe a criança muito cedo em muitas coisas para fazer. E essa cobrança para que o desempenho sempre seja bom é um fator gerador disso. Concordo. Mas tem também outro fator. Se é uma criança que você dá a informação, mas dá toda uma assistência afetiva ela consegue superar isso. O que piora mais é não dar essa assistência afetiva e dar muitas informações fazendo com que ela não dê conta do recado. Aí ela não consegue fazer nada, resolver nada e o pai reclama: “ah, mas meu filho não consegue fazer nada, vai mal na escola, vai no piano não dá conta, vai no inglês não aprende”, ou seja, fica uma criança meio perdida. Então eu acho que são dois aspectos fundamentais para que as coisas fiquem tranquilas. Uma criança precisa ser tratada com mais afetividade, mais presença dos pais, mais indicação para aguentar esse ritmo. Não vamos conseguir mudar este ritmo, é impossível para a internet essa evolução tecnológica violenta, então vamos estruturar melhor as crianças para que elas possam lidar com isso sem entrar nessa Síndrome do Pensamento acelerado, ou hiperativismo ou pânico, ou fobias em geral. Acho que tudo vem da raiz, uma criança bem estruturada consegue dar conta dessa situação atual. E essa situação que contribuiu para o aparecimento destes problemas, porque as crianças não estavam preparadas para enfrentar isso, assim como adultos. Parece algo novo, mas não é.