O ex-andarilho que reencontrou o sentido do Natal após 24 anos

20 de Agosto de 2025

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O ex-andarilho que reencontrou o sentido do Natal após 24 anos

Já imaginou ficar 24 anos sem comemorar o Natal? Pode até parecer estranho ou até inacreditável, mas desde que perdeu o pai e a mãe em um trágico acidente automobilístico, o morador do Parque Residencial São Vicente de Paulo (asilo) de Fernandópolis, Roberto Evald Alves, 65, à época com 20 anos, nunca mais comemorou o Natal.

Indignado com a peça que a vida lhe pregou ao tirar seu pai e sua mãe de uma só vez, o carioca da gema Evald, ainda jovem, foi encontrar consolo nas ruas, deixando para trás o restante dos irmãos, avós, tios, amigos...

Sem rumo e sem destino ele se tornava mais um entre os mais de 100 mil andarilhos do Brasil. E em todo esse tempo, Evald, sem referência de família e união, desaprendeu qual o verdadeiro sentido do Natal, ficando por todo esse sem comemorar a data. “Depois do último Natal que passei com minha família, sabe se lá em que ano, o Natal para mim era só mais uma dia de luta pela sobrevivência como qualquer outro. Não tinha nada de diferente”, disse ele, que se tornara um viciado em bebidas alcoólicas.

Ex-servente de pedreiro, vigia, chapeiro (fazendo lanches) e até auxiliar de topógrafo, Roberto Evald Alves tinha tudo para ser uma pessoa bem sucedida e, claro, com vários Natais para se comemorar. Porém, o pai alcoólatra pôs tudo a perder se embriagando antes de pegar a rodovia com a esposa. “Minha mãe não deixava ele beber, mas ele sempre andava com uma garrafinha escondida. Embriagado ele perdeu o controle e foi parar debaixo de uma carreta”, contou ele com as poucas informações que se lembra do trágico acidente.

No entanto, à mercê de chuva e vento e sem um teto para se abrigar, ele perambulou por várias cidades do Estado de São Paulo catando papelão, plásticos e latinhas como meio de conseguir o sustento. “Sempre tentei fazer algo de útil porque a sociedade já está cansada de tanto ‘me dá isso, me dá aquilo’, o povo não aguenta mais”, diz ele sobre a saída mais buscada por moradores de rua, a esmola.

Senhor Roberto conta que começou a beber aos 15 anos, porém de forma moderada. “Foi logo que perdi meus pais e fui morar nas ruas que eu me tornei um alcoólatra de verdade. Encontrava refúgio na bebida. Somente bebendo eu tinha coragem de enfrentar as pessoas e pedir esmola quando estava com muita fome e não tinha dinheiro”, explicou ele.

Nas ruas ele se lembra com riqueza de detalhes o motivo que lhe levou a deixar o vício. “Parei de beber por pura vergonha de mim mesmo. Certo dia sentei no banco da praça, e acabei cochilando. Quando acordei eu estava todo urinado feito uma criança. Como não tinha outra roupa e precisei pedir nas casas para que alguém me ajudasse e naquele dia eu tive vergonha de verdade. Uma vergonha sem tamanho da sociedade, vergonha de chegar para um ser humano e relatar o que havia acontecido comigo. Mas, expliquei a situação para um rapaz que me presenteou com duas calças e de lá para cá nunca mais bebi nada”, contou o morador do asilo que deixou o vício há 10 anos.

Para que a história de Roberto tivesse ainda mais traços de uma produção cinematográfica, ele nos confidenciou que possui dois filhos, porém, nem ao menos sabe o sexo de ambos já que são frutos de casos com duas prostitutas distintas que ele conheceu nas ruas.

E o que já parecia uma história como a maioria das histórias de andarilhos, com fins trágicos e agoniantes, teve um alento ao chegar em Fernandópolis. Senhor Roberto já quase sem esperanças e agoniando um Natal após o outro sem a renovação, união, fé e tantos outros atributos peculiares desta data conseguiu abrigo no Parque Residencial São Vicente de Paulo com os  idosos, talvez nenhum com uma história tão diferente quanto a dele. Tendo a rodoviária como moradia, ele escreveu uma carta para um centro espírita que comumente levava alimentos aos moradores e rua da cidade que se encontravam no terminal de passageiros. “Eu já estava ficando cansado dessa vida de dormir no chão frio sem saber se alguém vai lá te atear fogo, sem saber se vai amanhecer mais um dia. Foi aí que mandei a carta e ela foi parar nas mãos da Carmem (assistente social do asilo). Ela fez uma entrevista comigo e no dia 28 de novembro de 2013 passei a ter um cantinho no asilo de Fernandópolis. Já nem lembrava como era bom poder deitar em uma cama macia e assistir um pouco de televisão”, disse ele que irá comemorar seu segundo Natal desde que excluiu a data de sua vida.

Já sem seu velho diário de anotações, Roberto tem reescrito as páginas de sua história ao lado de uma grande família. “Eu sempre digo que Deus tem um propósito na minha vida. Depois de tudo que passei, tudo que bebi, me encontro renovado com muita saúde sem nada a reclamar. Fiz vários exames para vir para cá e nunca deu nada. Sou muito feliz aqui, somos uma verdadeira família e o maior presente de cada idoso que mora aqui é a visita do ‘povão’ que até nos traz bolo, panetone e presentes no dia 25”, destaca.

No dia 25 de dezembro o Parque Residencial de Fernandópolis promove um grande churrasco e recebe a visita de membros de outras entidades e de demais pessoas que dedicam um pouco de seu tempo para visitar os idosos renovando o espírito de amor ao próximo e união.