Valquíria Covizzi, a “tia da raspadinha” e o desejo de servir

20 de Agosto de 2025

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Valquíria Covizzi, a “tia da raspadinha” e o desejo de servir

Em busca da realização profissional e da segurança financeira, a vendedora de “raspadinhas” Valquíria Covizzi da Silva, 36, conseguiu atender aos pré-requisitos básicos do empreendedorismo. Com seu carrinho de raspadinha em funcionamento há quase um mês, na Praça da Aparecida, ela identificou a carência de mercado e encontrou o prazer do ofício naquilo que sempre gostou de fazer: servir as pessoas.

Estes dois ingredientes, talvez distintos à primeira vista, foram a fórmula ideal para o sucesso repentino. Sucesso que corresponde ao lucro e a realização profissional. “Hoje me sinto realizada com o que faço. Sempre tive prazer em ajudar as pessoas e sempre gostei de conversar. Esse contato com as pessoas me faz bem e às vezes meu marido até brinca que eu falo demais”, lembrou Valquíria, que se tornou a “tia da raspadinha”.

Desde o último dia 20 em atividade na Praça da Aparecida, com um leque de clientes, na maioria das vezes alunos das escolas Anglo, JAP, Saturnino e até do COC, Valquíria já conseguiu, inclusive, recuperar o dinheiro investido com o carrinho de raspadinha, adquirido em Nova Granada. “Eu sabia que compensaria trabalhar de forma autônoma, mas não esperava ter lucro tão cedo. Já até paguei o carrinho com as vendas dos primeiros sete dias”, contou ela, que vende cerca de 80 raspadinhas por dia.

Trabalhando das 8h às 17h, sem intervalo para almoço, Valquíria conta que trabalhar na rua proporciona emoções que muitos desconhecem. “Eu brinco que eu consegui milhares de sobrinhos, pois são muitas crianças me chamando de tia. A cada dia eu aprendo algo trabalhando na rua, conheço pessoas diferentes, troco experiências. Às vezes sou até um pouco psicóloga, pois as pessoas param para tomar uma raspadinha e acabam contando algo do seu dia a dia que está lhe entristecendo. É uma troca, eu aprendo com eles e eles aprendem comigo. Isso é gratificante”, destacou ela que é irmã da psicóloga Angela Covizzi.

E se engana quem pensa que tudo ocorreu como esperado. A única e principal dificuldade de Valquíria foi conseguir o alvará para ocupação e uso de solo público, que ficou emperrado no Poupatempo por longos seis meses. “Graças a ajuda do vereador André Pessuto e da intervenção da prefeita Ana Bim eu consegui o alvará de funcionamento que tinha dado entrada na documentação em abril. Eles me trataram muito bem e perceberam que eu realmente precisava, por isso sou muito grata aos dois”, frisou.

Quem ouve a história de vida de Valquíria logo imagina que seu destino já estava traçado com Fernandópolis no roteiro. Nascida em São Paulo, Valquíria e seu irmão gêmeo Rogério – vitimado em um acidente automobilístico em 1998- vieram para Fernandópolis recém-nascidos após serem adotados. “Nós fomos abandonados logo que nascemos, prematuros. Diziam que cabíamos na palma da mão. Acredito muito em destino e não é por acaso que estou aqui hoje. Minha mãe adotiva teve oito filhos e só uma sobreviveu”, disse.

Nos horários de entrada e saída de alunos, Valquíria tem que se desdobrar para atender a demanda daqueles que querem amenizar o calor. E sua clientela vai além de apenas estudantes. Com sua escolha estratégica de ficar na Praça da Aparecida, a vendedora de raspadinha atende aos catequistas, membros da UNATI – Universidade Aberta à Terceira Idade, praticantes de exercício que frequentam a Academia ao Ar Livre e populares que passam pela movimentada Rua Bahia. “O que eu acho mais legal é que aqueles que param é porque realmente gostam, pois tem sorveterias climatizadas hoje em dia e nesse calorzão é uma boa alternativa. Muitos contam que lembram-se da infância e que há tempos não tomavam uma raspadinha”, explicou ela que até chama alguns de seus clientes por nome.

Conforme relatado no início da matéria, Valquíria atendeu a um preceito básico do empreendedorismo, que corresponde à identificação da carência de mercado. Além dela, apenas o famoso senhor Armando Calori, aposentado de 72 anos, que desde 1994 comercializa suas raspadinhas em frente à escola Coronel Francisco Arnaldo da Silva. Ele é o único remanescente na profissão, já extinta na cidade e região. Para se ter uma ideia, onde Valquíria comprou seu carrinho, numa fábrica especializada em confecção de carrinhos de algodão doce, cachorro-quente, dentre outro, o seu carrinho, específico para venda de raspadinhas, foi o primeiro a ser vendido para uma cidade da região de São José do Rio Preto.

Hoje com seis filhos criados, seis netos e três bisnetos, o senhor Armando se tornou um ícone e fez parte da infância de muitos adultos de hoje em dia. Além de muito simpático ele conquistou os clientes por sempre colocar um pouco mais de suco na raspadinha de cada um após sobrar apenas o gelo no fundo do copo. Essa técnica também é seguida por Valquíria, que assim como senhor Armando, “tem um coração que não cabe no peito”. “Alguns querem até pagar para colocar mais leite condensado, mas tem coisas que a gente faz por amor. Nunca perdemos em ajudar alguém. Não tem como negar que seu Armando foi um dos meus incentivos para começar no negócio”, ressaltou a ex-faxineira.

Se por um lado senhor Armando entrou no ramo para complementar a renda da aposentadoria – também foi vigia noturno na escola Anglo – Valquíria deixou de fazer faxina para vender raspadinhas, que além de mais lucrativo, lhe possibilita conversar, um de seus prazeres. “Eu sou muito comunicativa e quando fazia faxina ficava sozinha dentro de uma casa sem ninguém para conversar. Nunca foi o que eu queria para mim”, explicou ela, que ainda atuou nos extintos Contém 1g, Supermercado Champion e Proage.

Ambos os exemplos de perseverança, a novata no ramo Valquíria Covizzi e o experiente Armando Calori, possibilitam que os fernandopolenses tenham mais uma opção para rebater um dos anos mais quentes do século. Com uma barra de gelo, sucos de vários sabores, algumas caixinhas de leite condensado e muita força no braço, eles vão à luta diariamente e ratificam que todo trabalho é digno quando se faz com amor e dedicação.