Em um mundo cada vez mais disperso por conta da correria do dia a dia e principalmente da tecnologia na palma da mão, um casal de deficientes auditivos de Fernandópolis dá provas de que em meio a uma limitação várias outras habilidades lhes destacam dos demais, chamados de “normais”. Funcionários da Secol Home Center, Thauana Dias Barbosa, 23,e Fernando Henrique dos Santos, 23, provaram o quão valiosa é a inserção no mercado de trabalho como forma de socialização, em uma troca recíproca de resultados positivos.
Além de obterem uma melhora considerável na comunicação e comportamento com o sociedade, na maioria das vezes excludente, os dois se tornaram peças chaves nas funções que desempenham por habilidade quase extinta atualmente: a concentração.
“Algumas pessoas ainda acham que eles estão ali apenas para socializar e para que a empresa atenda a legislação que exige um percentual de funcionários com deficiência, mas nem fazem ideia de quão úteis eles são para uma empresa”, disse a gerente de Recursos Humanos Heloisa Leocadio Silva.
Segundo Heloisa, os dois setores onde o casal atua são praticamente impecáveis. Thauana que começou emitindo notas fiscais eletrônicas hoje repõe e confere todas as etiquetas dos produtos nas prateleiras o que solucionou o problema de produtos com nomes e códigos errados. “Nunca mais tivemos problemas neste setor. A Thauana tem uma concentração incrível e, por isso, não fica nada errado. Se ela vê que uma etiqueta não condiz com a realidade do produto ela já faz a substituição. É um trabalho que sempre acabava ficando algo errado por falta de atenção, mas ela desenvolveu uma habilidade tão grande que se tornou a mais eficiente neste serviço”, explicou a gerente de RH.
Com deficiência auditiva total já de nascença, Thauana acostumou-se tanto com o nível de concentração elevado que prefere não utilizar o aparelho auditivo. “Com o aparelho ouço normal, mas não gosto. O povo fala muito e chega doer minha cabeça”, contou.
Em união estável, tanto Thauana quanto Fernando foram admitidos em janeiro pela Secol, que está de acordo com a legislação que determina a contratação de um percentual de pessoas com deficiência. A lei 8.213 de 24 de julho de 1991 determina no art. 93 que empresas com 100 ou mais empregados devem reservar um percentual de 2% a 25% dos cargos para pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados. A multa para aqueles que descumprirem a lei é de R$ 1.812,87.
Fernando desde o início atua no setor de entrega e, assim, como a esposa, se destaca pela eficiência e atenção, conferindo o produto que é carregado no caminhão e descarregado na casa do cliente. A gerente de entregas Vonilde Eunice Sequine, também notou a diferença das habilidades extras desenvolvidas por ambos. “Eles não ficam retraídos pela deficiência, se socializam e atendem o cliente com muita atenção. Se preciso pedem para repetir a fala, mantém a calma para não cometer erros. Entendem tudo certinho primeiro sem pressa, sem afobação para depois agir. A deficiência realmente é nossa eles são apenas diferentes”, destacou.
Em relação ao preconceito, os dois disseram que raramente ocorre de alguém perder paciência por não entender algo e afirmaram ter sofrido mais quando eram crianças. Para Fernando o mundo ideal seria se todos entendessem a linguagem de libras. “As pessoas deviam saber libras, mas não se esforçam para nos entender, não colaboram. A obrigação de ser comunicável é sempre nossa e isso não é correto. A responsabilidade tem que ser dos dois lados”, explicou Fernando.
Os dois namoram há quase quatro anos e se conheceram em uma confraternização da APADAF – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos, que foi quem indicou Thauana para a Secol e consequentemente descobriu o talento de Fernando com materiais para construção, já que atuava como servente e como pedreiro. Os dois moram juntos há três anos na casa dos pais de Fernando e juntos nutrem um sonho que já não parece tão difícil de ser realizado em meio à vida normal que ambos levam. Embora Thauana pense em fazer uma faculdade em breve, o sonho de ambos é construir uma casa própria para que possam levar uma vida independente.
Se por um lado os dois tenham estampado um largo sorriso quando perguntados se estavam satisfeitos por estarem empregados recebendo o próprio dinheiro, outros não têm essa mesma sorte, principalmente em Fernandópolis, que, de acordo com a Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, não possui vagas para pessoas com deficiência.
Muitas empresas não atendem a legislação enquanto pessoas com algum tipo de deficiência poderiam contribuir positivamente para o crescimento da empresa. O órgão estadual informou inclusive que existem sete vagas disponíveis na região, seis delas em Catanduva e uma em Votuporanga. As seis vagas em Catanduva são para eletricista de instalação sem limite de idade, com ensino fundamental completo e salário de R$904. Na cidade vizinha a vaga é para embalador com idade entre 18 e 50 anos e salário de R$724.
De acordo com o RAIS 2012 (Relação Anual de Informações Sociais) em Fernandópolis o percentual de pessoas com deficiência empregadas é de 0,4% em relação à população sem deficiência.