O Dia das Crianças é uma boa data para refletirmos quanto à educação dos nossos filhos. Muita coisa mudou nas últimas décadas quanto aos métodos e pela influência da tecnologia. Enquanto as leis ficaram mais rígidas como, por exemplo, a Lei da Palmada, as crianças já nascem submersas em um mundo paralelo: o virtual. E o uso errado dessa tecnologia pode atrapalhar o curso natural da educação a qual estamos acostumados. Assim, o principal questionamento é de como educar os filhos na era tecnológica. CIDADÃO entrevistou a psicóloga do Instituto Vida Bem Vinda, Vilma Beatriz Teixeira Croco de Oliveira (CRP 06/40.425), da filial de Fernandópolis, que deu dicas e falou sobre como o uso deliberado e exacerbado da internet pode influenciar na educação das crianças. Graduada em Psicologia tanto em Formação de Psicólogos como em Licenciatura em Psicologia,Vilma possui pós-graduação em Didática e Metodologia do Ensino Superior e mestrado em Psicologia na Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande – MS na área de concentração: Saúde Mental e Sociedade.
Qual o principal erro dos pais na educação dos filhos, nesta era tecnológica?
Diria que há uma grande falha: substituir o contato afetivo e amoroso, pelo modelo de smartphone ou tablet mais recente, lançado no mercado. Muitos pais atarefados, cheios de compromisso e trabalho, preocupados em dar o melhor para os filhos, acabam se esquecendo que o fundamental em qualquer faixa etária é o contato “face to face”, a mão na mão, a palavra na hora certa, o olhar dentro dos olhos.
Como ditar regras sem autoritarismo, monitorar sem perder o respeito e sem invadir a privacidade das crianças na internet?
Hoje vivemos uma fase em que frustrar os filhos parece ser um crime sem perdão. Para tudo há que se ter limites e os pais têm esse direito e acima de tudo essa responsabilidade perante os filhos. Garanto que proibir o acesso não funciona, uma vez que logo o filho encontrará uma forma de usar o celular ou computador do amigo e até mesmo na escola, mais cedo ou mais tarde, esse contato acontecerá. O bom senso precisa prevalecer. Veja bem, adianta mandar seu filho desligar o computador e ao mesmo tempo ir pra frente da televisão, assistir as novelas ou o futebol até a hora de dormir? Quanto à privacidade, particularmente penso que na internet crianças não devem ter liberdade total, precisam estar constantemente monitoradas, pois no campo virtual a maioria dos aplicativos é dirigida ao mundo adulto. É fundamental acompanhar as postagens dos filhos nas redes sociais, as fotos que os mesmos publicam, quem eles seguem e por quem são seguidos, que tipo de fotos e perfis eles curtem, os jogos e parceiros que tem e por aí afora. Sempre com bom humor, diálogo sincero e atenção verdadeira pelo que os filhos falam, se interessam e expressam. Com o tempo, ganham todos os envolvidos no processo: filhos que se sentem protegidos e ouvidos e pais, que sentem-se participantes do mundo de seus filhos.
O diálogo continua sendo a melhor ferramenta para evitar que os filhos acessem a conteúdos impróprios?
Sem dúvida alguma. É através do diálogo que a confiança genuína se estabelece. Pais que só reclamam e nenhum tempo encontram para ouvir o que os filhos tem a dizer, normalmente passam a ser enganados, pois exigem que seus filhos vivam sob a ditadura do medo. Não nos cabe dar aos filhos a educação de velhos tempos, onde a informação era menos acessível, notícias demoravam a chegar e curiosidades nem eram suscitadas. São novos tempos, novos seres e hoje temos a grata possibilidade de aprender com eles. A curiosidade é natural das crianças e elas buscarão respostas onde quer que seja. O mais adequado me parece ser que os próprios pais possam dosar os conteúdos ou o teor dos mesmos, de acordo com a faixa etária e maturidade dos filhos.
Preocupa-lhe ver a mudança na preferência de crianças por tablets e smartphones ao invés de brinquedos e atividades lúdicas?
Claro que sim! O uso excessivo desses recursos pode trazer problemas graves no desenvolvimento das mesmas. Viver no mundo real significa aprender a se relacionar, fazer amigos, correr, brincar, desenvolver coordenação motora, se frustrar, cair e aprender a se levantar, em todos os sentidos. No mundo virtual, além dos perigos de assédio e pedofilia, há entre tantos outros, o risco da perda de interesse por contatos reais, o desinteresse pela prática de atividades físicas, atraso na coordenação motora, problemas de consciência corporal e o medo de se expor, chegando ao isolamento inclusive dos familiares. Vale ressaltar, que todos esses problemas uma vez instalados, tornam-se difíceis de serem revertidos. E também é notável o quanto é possível usar controladamente as novas tecnologias, para contribuir favoravelmente no desenvolvimento do raciocínio das crianças. Volto a frisar, que o bom senso é a melhor regra que pode existir.
Existe uma idade para liberar o uso da internet?
Quanto mais conectados forem os pais, mais cedo os filhos terão contato com a tecnologia. É possível em qualquer idade incluir o mundo virtual na rotina das crianças, desde que elas também façam sua lição da escola, durmam adequadamente, façam suas refeições, convivam com a família, pratiquem esporte ou outra atividade física, tenham contato real com outras crianças. E assim, o uso da tecnologia ficará reservado a uma pequena parcela do tempo livre da criança, sem que surjam maiores problemas.
Quais os principais problemas de pacientes de 0 a 10 anos?
Converso com muitos pais e demais colegas psicólogos. Os problemas não são novos, há uma queixa constante advinda das escolas, de agressividade, hiperatividade e déficit de atenção, resultando em problemas de aprendizagem. E a cada dia mais, surgem problemas de bullying, (inclusive o ciberbullying) e assédio sexual. Inclusive, vejo que tais situações sempre surgiram, no entanto, eram mais veladas e encaradas pelos agredidos como vergonhosos e impronunciáveis. Deviam ficar em segredo, entre vítima e agressor. Hoje, com os meios de comunicação de massa insistindo na necessidade de se denunciar tais crimes, passam a ter visibilidade os números que sempre existiram.
Você é a favor da educação dos filhos sem a famosa “palmada”? Até que ponto ela atrapalha?
Cada pai sabe o filho que tem! A recíproca é verdadeira, pois os filhos bem sabem os pais que a existência lhes reservou. No entanto, medo e amor são sentimentos dissonantes. É incômodo e difícil amar a pessoa que desperta medo em você. O medo desenvolve no ser humano a necessidade de afastamento. Na prática, para que o filho possa se afastar do risco de apanhar, muitos comportamentos inadequados podem surgir: mentiras, omissões, dissimulações. Ouço muitos pais me dizerem que apanharam bastante e nem por isso morreram ou ficaram traumatizados, mas sei também o quanto lembrar dessas surras revive as dores físicas e morais sofridas. Não sou uma profissional que acha que os filhos podem tudo e que os pais não devem proibir ou “castigar”. Para cada ato ou ação inadequada do filho, há que se ter uma consequência, é preciso aprender a “pagar o preço” pelo erro cometido, mas sem violência física, nem “de leve ou só um tapa fraquinho”. Tem coisas que doem na alma e se foi sofrido para os pais, porque repetir essas atitudes com seus filhos? Se for difícil encontrar o caminho adequado nesse processo de correção dos filhos, há muitos profissionais competentes, prontos a auxiliar.