A Prefeitura de Fernandópolis gastou mais de R$ 2,6 mil para a secretária municipal de Educação, Marcia Cristina Fonseca Domiciano receber o mesmo prêmio que um jumento. O equino, batizado de Precioso, foi utilizado pela reportagem do Fantástico, da Rede Globo, para demonstrar a falta de critérios na hora de conceder diplomas de mérito (melhor gestor) para vereadores, prefeitos e secretários municipais.
Pela ordem, no último dia 5, o jornalístico dominical trouxe como uma de suas principais reportagens o comércio de diplomas de mérito para vereadores, prefeitos e secretários municipais que está sob investigação pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Políticos gaúchos são suspeitos de usarem recursos públicos para “conquistar” as premiações.
As empresas que fornecem os prêmios são a União Brasileira de Divulgação, ou UBD, de Pernambuco, e o Instituto Tiradentes, de Minas Gerais. Juntas, as duas instituições promovem até 20 premiações por ano.
Para mostrar a falta de critérios na hora de conceder esse tipo de premiação, a reportagem conseguiu negociar a compra de um diploma para um jumento – o jumento Precioso. Para mostrar como a UBD vende prêmios, o repórter da emissora mandou uma mensagem para o celular da empresa.
Quando começa a conversa, o repórter se apresenta como assessor de prefeituras gaúchas. Em pouco tempo, fecha a compra da premiação do “prefeito Precioso” por R$ 1.480. Na véspera do evento da UBD em Recife, a reportagem entrega o dinheiro ao homem que se apresenta como dono da empresa, Eduardo Vieira da Cunha, e recebe a medalha e o diploma. Ele administra a UBD juntamente com o irmão, Fernando Vieira da Cunha, em nome do qual a empresa está registrada.
O Precioso é um “gestor nota 10”, classificado na pesquisa nacional de utilidade pública entre os “100 melhores prefeitos do Brasil”. A reportagem então apresentou o Precioso ao Fernando:
“O senhor emitiu um diploma em nome de um jumento, o jumento Precioso, bem na sua frente”, disse o repórter. “Sim, sim. E o que é que tem?”, questionou Fernando. “Mas, um jumento pode ser prefeito?”, insistiu o jornalista. “Mas você não mandou imprimir?”, replicou o empresário. “Mas, um jumento pode ser prefeito?”, reforçou mais uma vez o repórter da Globo. “Pode, pode”, finalizou o proprietário da empresa.
EVENTOS
Nos eventos, os políticos recebem diploma de “vereador mais atuante” ou “prefeito mais atuante”. A maioria dos participantes desse tipo de evento usa dinheiro público para pagar pelas inscrições e também gasta diárias pagas pela prefeitura ou pela Câmara para ir nas cerimônias. Fernando, inclusive, admite que o seminário usado como pretexto para entregar a premiação é apenas para disfarçar.
“Teve cliente que me pagou quase 5 mil, pô. Ele quis seis diárias. Aí, eu incluí na inscrição”, afirmou o empresário. “Mas a prefeitura paga?”, questionou o repórter. “Paga”, concluiu Fernando.
FERNANDÓPOLIS PAGOU
E paga mesmo. Em um levantamento feito por CIDADÃO no Portal da Transparência foi possível localizar um empenho, no valor de R$ 1.280,00 com a seguinte descrição: “Valor referente a pagamento de inscrição para a secretária de Educação Marcia Cristina Fonseca Domiciano, para o seminário ‘Os Melhores do Brasil por um Brasil melhor’ da UBD no dia 27/07/2018, em Recife/PE”.
O seminário pelo qual a Prefeitura pagou é justamente o que aparece nas imagens divulgadas pelo Fantástico no dia 5. Nelas, inclusive é possível ver a secretária fernandopolense sentada, já com a medalha no peito. A mesma medalha que foi entregue ao jumento Precioso, momentos antes.
“É uma maneira de vender melhor o encontro, de maquiar, na verdade, a falcatrua que se esconde por trás e o conluio existente entre a empresa e o agente público. Esses eventos visam claramente à promoção pessoal do gestor, do agente público e, de outro lado, o lucro das empresas. Nenhuma finalidade pública”, declarou o procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen ao Fantástico.
Marcia Domiciano assumiu a secretaria de Educação após a exoneração de Flávia Resende (PSDB) em março deste ano. Quatro meses depois, ela foi “eleita” uma das 30 melhores profissionais do Brasil, ficando na 29ª colocação.
O montante despendido com a premiação, no entanto, não se restringe ao valor pago a empresa pernambucana. O portal da transparência ainda mostra uma despesa de R$ 1.354,56 em passagens aéreas com a mesma finalidade. CIDADÃO não localizou, no entanto, quanto mais a Prefeitura gastou em diárias de alimentação e hospedagem da secretária em Recife, o que pode aumentar ainda mais as despesas com o prêmio fajuto.
O valor foi contabilizado e lançado como despesas da Educação.
NÃO FOI A ÚNICA
Mas Márcia não foi a única a receber o prêmio de origem duvidosa. O prefeito de Fernandópolis, André Pessuto (DEM) foi “eleito” em 2017 o 3° melhor prefeito do estado de São Paulo e 18º do Brasil pela mesma UBD. Por falhas no Portal da Transparência, porém, não é possível confirmar se sua premiação também foi custeada com dinheiro público.
Á época, Pessuto – que estava completando seu 3º mês de mandato - chegou a receber uma moção de congratulações da Câmara Municipal, apresentada pelo presidente da Casa, Étore Baroni.
E por falar em Câmara Municipal, outra empresa investigada no Rio Grande do Sul e mostrada pelo Fantástico é uma velha conhecida dos vereadores de Fernandópolis. O Instituto Tiradentes que já apontou Cidinho do Paraíso, Gilberto Vian e Ademir de Almeida como os parlamentares mais atuantes da cidade teria faturado mais de R$ 116 mil dos cofres públicos do Rio Grande do Sul com o mesmo modus operandi da UBD.
Na ocasião, os vereadores fernandopolenses foram receber suas medalhas em São Paulo. O Portal da Transparência da Câmara, no entanto, não mostra se as despesas foram custeadas com dinheiro da Casa ou dos próprios vereadores.
OUTRO LADO
Procurada, a Prefeitura de Fernandópolis enviou a seguinte nota:
“A Prefeitura de Fernandópolis informa que na segunda-feira, 6, após reportagem veiculada pelo programa ‘Fantástico’, acionou através da Secretaria Municipal de Educação, no caso, representada por sua secretária municipal, a Procuradoria Geral do Município.
Mediante a denúncia, a ‘PGM’ lavrou um B.O. – Boletim de Ocorrência -, no 1º Distrito Policial de Fernandópolis contra a empresa UBD – União Brasileira de Divulgação.
Diante o fato de a empresa citada ter procurado há algumas semanas a secretária municipal informando sobre sua premiação, o município entende ter sido lesado e tomará todas as medidas cabíveis neste caso”.