Quem passa pela Avenida Milton Terra Verdi, no coração de Fernandópolis sabe que, faça sol ou faça chuva, ele está trabalhando com sua velha companheira, uma máquina de costura Pfaff. Essa rotina ele cumpre desde 1960 quando comprou a alfaiataria do patrão e virou dono do seu próprio negócio.
Aos 83 anos, que vai completar no dia 20 de junho, Estevam Picinini é uma testemunha ocular da história da cidade. Viu aquela vila de ruas de terra se transformar em cidade enquanto pedalava sua máquina de costura. Foi nesta cidade onde chegou ainda jovenzinho, que constituiu família, criou e estudou os filhos e escolheu para viver até quando Deus quiser.
É claro, que pelo nome poucos o reconhecem. Ele é um desses fernandopolenses que é reconhecido mais pelo apelido que ganhou no futebol: Branco. Sim, o nosso personagem é o Branco Alfaiate, um dos mais antigos profissionais em atividade na cidade. “Ninguém me conhece por Estevam. É só perguntar por aí”, brinca. Enquanto costurava ele conversou com CIDADÃO.
Quando Branco chegou ali na Avenida Milton Terra Verdi, no quarteirão entre as Ruas São Paulo e Rio de Janeiro, essa rua era apenas identificada como Avenida 6. “Aqui na Avenida 6, estou há 60 anos. Aqui era terra, tinha uma lagoa na esquina da Rua São Paulo, tinha pinguela para atravessar a rua. O asfalto começou lá no Dr. Alberto Senra (consultório que ficava na Rua São Paulo onde hoje é a Papelaria Aquarius) e veio prá cá. Quem fez foi o Pacheco (Adhemar Monteiro Pacheco)”, conta.
Branco diz que sempre trabalhou de alfaiate. “Em Estrela d´Oeste a gente morava na roça (o pai era administrador de uma fazenda) e para estudar tinha que andar 8 km para ir e 8 para voltar. Quando tirei o diploma de grupo meu pai me mandou para a cidade para aprender a profissão com um alfaiate que tinha chegado de São Paulo. Comecei com 14 anos, graças a Deus e logo vim para Fernandópolis”.
Já como dono do seu negócio, Branco casou-se com dona Adirlena Romano. “Eu e minha esposa, ela professora formada, trabalhamos muito para estudar os filhos Willians e Sérgio”. Willians se formou engenheiro mecânico e Sérgio é médico em São Paulo.
Hoje, Branco trabalha apenas por hobby. “Gosto de trabalhar, mas hoje faço apenas reformas de roupas. Antes era muito serviço, cheguei a ter 12 funcionários para dar conta das encomendas de ternos, calças, camisas, coletes. Naquela época terno comprado feito era para vestir defunto”, relata.
“Antigamente as pessoas usavam terno até para ir ao cinema, para namorar. É só olhar as fotos antigas. Todo mundo de terno”, diz ele. “Hoje você vai numa loja e compra um terno por 100, 200 reais. Ai traz aqui para ajustar a manga, a barra. Hoje o nosso trabalho é esse, fazer reformas”.
Aos 83 anos, já não precisaria mais trabalhar, mas o alfaiate dá uma pedalada na máquina e diz que trabalha porque gosta. “Não vou ficar parado, não sou poste. Os meninos (filhos) querem que pare de trabalhar, que aproveite para viajar, mas eu gosto do que faço. Enquanto tiver disposição vou trabalhando”.
A rotina é de semana cheia, de segunda a sábado, quando fecha a alfaiataria ao meio dia. “Aí é sagrado, vou pescar. E sou o pescador das antigas que gosta de pescar no barranco”. Detalhe: ele não come peixe. O que pesca guarda par os filhos e amigos. Além da pescaria ele diz que não abre mão de uma cervejinha todo dia quando chega em casa após o dia de trabalho. “Se não tem uma gelada em casa, venho na padaria buscar”.
Esbanjando saúde e disposição, Branco conta que é um homem realizado. Fala com orgulho da esposa, dos filhos e diz que tem quatro netos, dois de cada filho.
E Fernandópolis? Você viu a cidade crescer daqui de sua alfaiataria? Branco ajeita os óculos e diz: “A decepção é ver que éramos melhores que Votuporanga e hoje ficamos para trás”.
A política em Fernandópolis sempre foi quente. Sua alfaiataria era muito frequentada e, claro, ouvia de tudo, mas nunca tomou partido. Diz com orgulho que não tem inimigos. Chegou a ser cortejado para ser candidato a vereador, mas nunca aceitou. “Não iria me dar bem nisso. Sempre torci calado na política. Hoje a política em Fernandópolis é mansa comparada com antigamente”, relata.