A “Vila Ferroviária” ao lado da estrada de ferro da antiga araraquarense deixou de ser um local bucólico e até mesmo de referência histórica para Fernandópolis. Entre as famílias que ocupam os imóveis, há um clima de tensão no ar: eles aguardam há anos uma solução que, nem Prefeitura, nem a União, sabem dizer quando virá. Os moradores alegam que foram esquecidos ao lado da ferrovia (veja matéria na página ao lado).
Para contar a história do que poderia ser chamado hoje de “Vila dos Esquecidos”, é preciso retroceder no tempo, quando a estrada de ferro chegava a Fernandópolis na década de 50 e ao lado da Estação era construída a Vila Ferroviária, ocupada então pelos ferroviários que atuariam na conserva. Conta o livro “Nossa História – Nossa Gente” que as referidas unidades habitacionais, construídas especificamente para moradias dos ferroviários, seguiam os padrões residenciais de regiões europeias, principalmente da Inglaterra, Alemanha e Itália. “São espécies de chalés onde se empregam alvenaria, madeira e ferro em casas geminadas. As casas tinham tamanhos diferenciados conforme o cargo ocupado pelo ferroviário. Com a desativação da EFA – Estrada de Ferro da Araraquarense em janeiro de 1997, muitos dos antigos ferroviários venderam o direito de moradia para terceiros”, resgata o livro.
Diz ainda o relato histórico que “em Fernandópolis, foram construídas onze casas geminadas de um lado e três do outro lado da via férrea. Destas últimas, duas foram demolidas. Além das casas, foram construídas a estação e armazéns”. Hoje, as casas mantêm traços da construção original, principalmente as fachadas. Internamente já foram modificadas.
CIDADÃO consultou a Prefeitura de Fernandópolis e a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo sobre as casas da Vila Ferroviária.
Em nota, a Prefeitura de Fernandópolis, via Secretaria de Assuntos Jurídicos, deu a sua versão: “As casas da Vila Ferroviária integram área pertencente à União, registrada no Cartório de Registro de Imóveis de Fernandópolis/SP na matrícula sob número 12.260. A área em questão é objeto de Cessão Onerosa ao Município para fins de implantação de instalações de empreendimentos que ensejem o desenvolvimento econômico e social, objetivando a criação de um Centro Industrial no município, razão pela qual, os imóveis em questão são objeto de ação de reintegração de posse em trâmite na Justiça Federal”.
Na mesma nota, o município diz desconhecer tratativas junto à União acerca de eventual imissão de termo de posse aos moradores.
E a União, o que diz? Também em nota, a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, órgão ligado ao Ministério do Planejamento, descreveu o histórico da passagem do patrimônio da antiga Fepasa – Ferrovia Paulista S.A. para a União. Vejamos: “As 16 residências situadas na antiga Vila da Fepasa, no bairro Vila Santa Rosa, em Fernandópolis/SP, foram transferidas à União quando da extinção da Rede Ferroviária Federal S.A. (sucessora da Fepasa) por força da Medida Provisória nº 353 de 22 de janeiro de 2007, sendo esta posteriormente convertida na Lei 11.483 de 31 de maio de 2007. Assim, os imóveis integram o patrimônio da União, embora ainda não tenham sido concluídos os trâmites de regularização da propriedade junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Nove residências possuem contrato de locação ativos, firmados anteriormente à extinção da RFFSA, enquanto as demais estão ocupadas irregularmente. Já o terreno onde estão edificadas as residências, cadastrado sob o número de bem patrimonial 3.280.001-0000, é objeto de Termo de Guarda Provisória de Uso Gratuito firmado entre a União e o Município de Fernandópolis, para fins de conservação e manutenção da área”.
Em outro trecho da nota, a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo diz que “não localizou em seus arquivos qualquer pedido de regularização dos imóveis em favor dos atuais ocupantes”. Traduzindo: Nem a União, nem a prefeitura, sabem dizer quando virá uma solução definitiva sobre os imóveis ocupados.
Entre os moradores prevalece um clima de insegurança. Sem a posse oficial dos imóveis, eles também pouco recebem de atenção do município. É como se a Vila não existisse. E oficialmente, de fato, não existe. Tanto que eles não recebem carnês de IPTU como os demais moradores da cidade. “Parece que não pertencemos a Fernandópolis”, reclamam.
O pequeno bairro, de acesso difícil, tem poucas benfeitorias como água, energia elétrica e coleta de lixo. A iluminação pública, apenas no trecho das casas chegou após muita pressão na administração anterior. Eles não têm coleta de esgoto, as casas usam fossas sépticas. A rua marginal à ferrovia não é asfaltada. Na seca, com a passagem dos caminhões de cana, os moradores reclamam da poeira e já chegaram até interditar a via. Na época de chuva, a rua fica alagada. “É um transtorno”, aponta Noelem Fernanda de Jesus que lembrou ainda de abaixo assinado e reuniões com políticos, incluindo o atual prefeito André Pessuto. “Todos que passam por aqui pedindo voto, prometem lutar por uma solução, mas depois esquecem. Nós queremos pagar IPTU, queremos ter a documentação das casas e ser tratado como cidadão”, reivindicam os moradores.
Para chegar ou sair do bairro, os moradores tem duas alternativas: de carro, precisam percorrer a avenida marginal até a estrada do Coqueiro, cruzar a ferrovia, acessando o bairro Santo Afonso. Se coincidir com a circulação de trem, precisam aguardar para efetuar o cruzamento já que o prometido viaduto tem o projeto, que está pronto e orçado, e se encontra esquecido em alguma gaveta do Dnit – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte.
A pé, eles optam por sair pelo bairro Santa Rosa, mais perto para acessar uma escola ou Unidade de Saúde. Neste caso, precisam cruzar a ferrovia. Como no trecho existe uma linha auxiliar, é comum ter trem estacionado por horas e até dias. Neste caso, os moradores são obrigados a passar por baixo dos vagões.
Apesar de tantas queixas, os moradores afirmam que gostam de morar na Vila. É o caso de Maria das Dores Melo, a dona Dorinha, uma das moradoras mais antigas do bairro, que está ali há 21 anos: “Adoro morar aqui apesar de todos os problemas”. Mas, ela afirma que o medo de serem despejados é um fantasma que tira o sossego de todos que moram na Vila.
A dona Maria de Fátima Salione de Oliveira mora em uma das casas há 12 anos, afirma que o local, apesar de tudo, “é sossegado e bom para se morar”.
Os moradores da Vila Ferroviária em Fernandópolis sonham com o mesmo tratamento dispensado às 22 famílias da Vila em Jales e que serão beneficiadas com a doação dos imóveis pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), conforme anuncio feito pelo deputado federal de Fernandópolis, Fausto Pinato, que revelou ter trabalhado para acelerar a solução do problema na vizinha cidade.