Tsuneo Sano, o último passageiro do Wasaka Maru, morre aos 103 anos

20 de Agosto de 2025

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Tsuneo Sano,  o último passageiro do Wasaka Maru, morre aos 103 anos

Morreu em Fernandópolis o comerciante Tsuneo Sano, 103 anos. Ele completaria 104 anos na sexta-feira, dia 20. O corpo está sendo velado no Velório Municipal e o sepultamento ocorrerá às 15h30.

Tsuneo Sano chegou ao Brasil, no Porto de Santos,  em 17 de setembro de 1918 a bordo do navio Wasaka Maru então com 5 anos. Junto com os pais e outros irmãos, buscava em terras brasileiras o sonho da prosperidade. Tsuneo Sano passou momentos difíceis por aqui, e chegou a ver seu pai arrependido da mudança.

Com muita perseverança, lutou e conseguiu alcançar o que sua família buscava. Prestes a completar 95 anos em 18 de janeiro de 2008, CIDADÃO publicava na coluna Observatório entrevista com  Tsuneo Sano.  Ele falava dos sonhos, das dificuldades e do prazer de ter, ao lado da esposa Hanami,  conseguido dar estudo aos oito filhos: Arnaldo, Nestor, Reinaldo (falecido), Hideo, Oswaldo, Hatsue, Lídia e Mari.  Uma lição de vida e um doce de pessoa! Veja a entrevista:

 

CIDADÃO - Por que seus pais resolveram vir para o Brasil? A situação econômica de vocês não era favorável?

 TSUNEO - Era sim, a família Sano estava bem no Japão, mas meu pai escutou dizer que aqui no Brasil se ganhava muito dinheiro, por isso resolveu que a gente viria para cá.

CIDADÃO - Qual era a atividade do seu pai no Japão?

TSUNEO - Era na lavoura também, no cultivo do arroz e do bicho da seda. CIDADÃO-O senhor tem lembrança de sua infância no Japão, já que veio para cá muito pequeno?

Algum fato marcante daquela época?

TSUNEO - Ah, eu me lembro da casa da minha avó. Na minha cabeça era uma casa imensa, muito grande mesmo. Depois que voltei para o Japão fui até essa casa e só nessa época é que descobri que a casa que eu achava muito grande é bem pequenina, tem um corredor que eu achava imenso, que na verdade não tem nem um metro de largura (risos).

CIDADÃO-Sua família veio em qual navio? Sabe-se que a viagem do Japão ao Brasil, naquela época, demorava muitos dias. O primeiro navio, que aportou em Santos, em 1908, o Kasato Maru, demorou cerca de 90 dias para chegar aqui. O navio em que vieram também demorou esse tempo?

TSUNEO - Quase. Nós viemos em um navio chamado Wasaka Maru, no dia 17 de setembro de 1918. A viagem demorou 65 dias, fora os 5 dias que ficamos parados no mar, sem poder descer do navio porque tinha gente doente a bordo e era proibido descer. Eu lembro que meus pais, meus irmãos e eu quando chegamos aqui fomos direto para uma hospedaria. Lá ficamos mais ou menos uma semana para depois irmos para a fazenda. Tem uma coisa que eu me lembro bem, durante a viagem todo mundo comia e dormia junto, perto um do outro, não tinha muita divisão não.Eu adorei comer bacalhau, mortadela e batatinha. A minha mãe não gostou muito, achou o tempero forte demais.

CIDADÃO - Para qual região do estado vocês foram levados? Qual a cultura que trabalharam primeiro?

TSUNEO-A primeira fazenda que fomos morar foi perto de Ribeirão Preto, chamada Fazenda Santa Olímpia. Lá era uma fazenda de café e não tinha casas muito boas, não tinha quartos separados. Ao todo eram uns 30 japoneses trabalhando na terra, mais uns 30 espanhóis e uns 30 italianos, com isso aprendi um pouquinho de cada língua. Eu ficava brincando na fazenda e morria de medo de bois (risos).

CIDADÃO-Como vocês eram tratados, era difícil trabalhar e conviver com essas pessoas nessas fazendas?

TSUNEO - Eu era muito pequeno, mas me lembro de um sino que tocava às 6h para acordar todo mundo, depois vinha um fiscal que levava o pessoal para a roça. Em seguida ele voltava para ver se tinha ficado algum preguiçoso para trás (risos). O sino também era usado para avisar a hora do almoço, do descanso e quando voltar ao trabalho.

CIDADÃO-O senhor, nessa época, precisava freqüentar a escola. Como fazia para entender o português?

TSUNEO - Eu ia para a escola com um dos meus irmãos. Nos dois primeiros anos eu não aprendi nada, nada. Era só olhar para a professora que eu começava a chorar de desespero porque não entendia o que ela falava.

CIDADÃO-Sua família passou por dificuldades aqui no Brasil?

TSUNEO - Sim, passamos dias muito tristes aqui. Durante todo o tempo em que trabalhamos na terra passamos por algumas fazendas. Em uma delas, na Fazenda dos Ingleses, em Uchoa, passamos os piores momentos. Meu pai já estava doente e a fazenda ficava muito longe da cidade. Para comprar remédios era preciso andar uns 3 quilômetros e na fazenda não tinha cavalo, então era tudo a pé. Nossa casa era feita de barro, junto ao coqueiro e um dia, de madrugada, pegou fogo no coqueiro e a nossa casa foi destruída, junto com tudo que trouxemos do Japão. Foi muito triste, não tinha o que comer, ficamos mais de um ano comendo só arroz com o sal das latas de bacalhau ou sardinha que sobrava dos outros. Durante esse tempo meus irmãos menores nasceram e eu que cuidava deles porque tinha a saúde fraca e não ia para a roça. Um dia um dos fiscais, me ofereceu comida e insistiu para a gente comer e como a nossa educação não permitia falar das dificuldades, eu falava que a gente já tinha comido, mas era mentira. Quando eu aceitei, nós comemos tanto, muito mesmo (muita emoção e pausa).

CIDADÃO - Demorou muito para essa dificuldade passar?

TSUNEO - Depois que mudamos novamente de fazenda as coisas começaram a melhorar, eu já era mais velho e meus irmãos também então todo mundo trabalhava, conseguimos pagar algumas dívidas que tínhamos e começamos a plantar algodão. Em seguida fomos para um sítio perto de São José do Rio Preto, arrendamos um pedaço de terra e o que a gente plantava era nosso. Após um ano compramos o primeiro pedaço de terra e plantamos café. Ganhamos um bom dinheiro, mas depois o preço do café abaixou e vendemos a terra.

CIDADÃO - Se o senhor não trabalhava na roça, o que fazia então?

TSUNEO - Eu decidi que queria ser negociante, então, minha mãe começou a me ensinar a fazer contas. Foi quando eu fiquei sabendo de uma vila, mudamos para lá e montamos um boteco. Em Onda Verde comprei meia dúzia de refrigerantes, algumas outras coisinhas e comecei meu negócio, que deu certo. Lá me casei com Ana (Hanami), e tive quatro filhos, os outros 4 nasceram aqui. Naquela época, não havia namoro. Fiquei sabendo que tinha uma moça de família boa em Barretos, fui lá ver, sem ela saber que eu ia com a intenção de arrumar uma esposa, é claro, senão ficava muito chato, gostei e nós nos casamos.

CIDADÃO - Depois disso o senhor veio parar em Fernandópolis e fundou a inesquecível Sano Calçados?

TSUNEO - É, já em Onda Verde, separei os negócios que tinha com os irmãos. Procurando um lugar melhor, com mais futuro, ficamos sabendo que tinha um lugar chamado Vila Pereira e resolvemos vir para cá. Isso em 1946. Foi aí que começamos a nossa loja, e aqui criamos nossos filhos, que hoje são formados e vivem felizes com suas famílias. Eu tenho um orgulho muito grande da minha família. Eu e minha esposa somos muito amados por eles.

CIDADÃO - O senhor retornou ao Japão quantas vezes?

TSUNEO - Eu e minha esposa fomos duas vezes e até fomos recebidos pelo governador, chegamos a jantar com alguns deputados lá. É que quando a cidade em que eu nasci, Mie-Ken, passou por dificuldades por causa de um terremoto, eu me reuni com alguns japoneses e conseguimos mandar um bom dinheiro para lá. Como ficava complicado escrever o nome de todos, coloquei apenas o meu, na intenção de facilitar as coisas. Quando ficaram sabendo que eu e minha esposa estávamos lá, fizeram questão de nos receber com festa.

CIDADÃO-E agora o que o senhor faz?

TSUNEO - Eu viajo, passeio bastante. Já trabalhamos muito nessa vida.