Ele já foi caminhoneiro, motorista de ônibus e taxista. Há 48 anos entrou para o rádio pela antiga Rádio Piratininga de Votuporanga e ao completar 80 anos neste domingo, dia 27, Compadre Delmo (Delmo Marques) continua com a rotina de acordar todos os dias às 5 horas da manhã. “Além de ser o meu ganha pão, estou fazendo o que gosto”, diz Delmo, que ainda não tem data para pendurar o microfone. “Vou até quando Deus quiser”, afirma. Casado com a Dona Maria há 58 anos, a família se completa com os filhos Valmir, Meire e Camila, os netos e um bisneto, que já tem cinco anos. “Família é tudo”, acrescenta. Esse “baixinho” (mede 1,56 metros) brinca com o tamanho: “Não cresci mais porque a roupa está muito cara”. Aos 80 anos ele continua o mesmo espevitado de sempre. “Graças a Deus estamos vivendo, a gente tem os tropeços na vida, tropeça, levanta outra vez. Não posso reclamar. A vida é boa. Tenho minha família, Graças a Deus, muitos e grandes amigos”, diz nesta entrevista ao CIDADÃO:
Conte um pouco da história do Compadre Delmo?
Eu nasci em Nova Europa, cidadezinha encostada em Araraquara, no 27 de novembro 1936. Eu morava mesmo na Fazenda Itaquerê, da Usina Itaquerê. Viemos para Magda eu tinha seis anos. Era uma vilinha de quatro ou cinco casas de barro. Fomos morar no sitio onde as casas eram de coqueiro. A mãe colocava lençol na porta para tapar a claridão, as vacas vinham e puxavam o lençol. A gente pensava que era ladrão. Em Magda foi a minha infância e adolescência. Foi lá que casei com a Dona Maria e lá que nasceu meu filho Valmir. Nós casamos em 1958 e estamos os dois velhinhos até hoje, completando 58 anos de casados. Até jovem fiquei na roça ai fui ser ajudante de caminhão, carregar tijolo. Eu queria aprender a dirigir caminhão. Graças a Deus aprendi até que o meu primeiro patrão teve coragem de dar um caminhão na minha mão. Eu trabalhei de caminhoneiro vários anos. Decidi parar e fui trabalhar com ônibus. Peguei serviço no Expresso São Paulo e mudei para Floreal, onde morei uns quatro ou cinco anos. Trabalhei transportando passageiro de Floreal a Santa Fé do Sul. Era tudo estrada de terra. Foi ai que um parente me ofereceu trabalhar de taxi em Votuporanga. E lá fui eu para Votuporanga. Comecei a trabalhar com táxi, com um Volks que o pessoal chamava de Táxi Mirim, só tinha o banco traseiro. Trabalhei também um cinco anos. Tinha muita amizade com a turma da Rádio Piratininga (já não existe mais a Rede Piratininga de Rádio), meu ponto era na frente da emissora. Os meninos da Rádio queriam ir a um baile e o baixinho ia levar. O pessoal me chamava de baixinho. Até que um dia apareceu um gerente e ele precisava levar a esposa dele no sítio para dar aula. Perguntou para turma de um taxista e eles indicaram meu nome. Foi ai que comecei a entrar para o rádio lá na antiga Rádio Piratininga em 1968. Em 1970 já era registrado e daí prá cá eu comecei a entrosar com os violeiros como Abel e Caim, Tião Carreiro, Pedro Bento e Zé da Estrada, Vieira e Vieirinha. Eu convivi com todos essa turma da antiga do sertanejo. Eu saia de férias e eles vinham me buscar para viajar com eles. Quando a Rádio Difusora veio para o centro da cidade, no prédio em cima da Padaria Santa Rita , o finado Nhô Dito fez muito esforço para eu vir prá cá em 70 e pouco (década de 70). Eu vim trabalhar com o Edson e o Jorge Ribeiro. Eu que comecei a Rádio Difusora aqui no centro, porque ela funcionava lá junto com a Rádio Cultura, perto do Quartel. Em 82, o Cesar (Alencar Scandiuzi) e o Darci Araújo chegaram. Fiquei só eu de funcionário. Eu continuei e fiquei 21 anos na Rádio Difusora e ai chegou uma turma que me ensinou a fazer arte. Graças a Deus eu me sinto feliz de ter convivido com todos os amigos, da amizade... Eu estou com 80 anos, mas me sinto como se estivesse com 20, 30 anos.
Quem eram os locutores que tocavam o sertanejo na cidade quando você chegou?
Tinha o Nhô Cido, ele era o cara mais famoso. Tinha o Nhô Dito, o Vassourinha, o Anézio Fernandes. O finado Nhô Dito falou pro Edson Ribeiro: você quer por um cara para topar esse povo ai, traz o Delmo. Na época eu tinha deixado a rádio e fui trabalhar com um caminhão tanque, eu queria ser caminhoneiro outra vez. Foi quando o Edson foi me buscar e vim prá cá. Era uma turma boca quente, dominava no rádio. Com minha simplicidade fui pegando uma audiência de arrebentar. Depois o pessoal falava, não vende para o horário do Delmo que está lotado.
Tinha um bordão que cativou a audiência?
De manhã eu abria o programa e falava: Bom dia Fernandópolis, que Deus e Nossa Senhora Aparecida nos proteja, ilumine nossos caminhos, esteja sempre ao nosso lado que com ele a vida continua. Esse foi sempre o meu ritmo de começar o programa. De manhã era “Amanhecer na Roça” e a tarde era “Brasil Caboclo”.
Você conviveu com as grandes duplas sertanejas, do sertanejo raiz. Hoje tem o sertanejo universitário. Como você convive com essa turma?
Graças a Deus eu tenho uma boa audiência, não posso reclamar. É o seguinte: se o barco vai prá lá, o vento está empurrando, não adianta remar contra, porque ele não vem. Então, eu to naquela base, eu rodo música antiga e música nova. Rodo de tudo para agradar todos, pessoas de idade, pessoas jovens, professores, enfermeiros, médicos. Às vezes mexo com algum deles e depois eles vem falar que ouviram. Um deles é o Dr. Renato Góes (delegado seccional aposentado). O Dr. Renato eu conheci molequinho lá em Magda correndo na fazenda do pai dele. Eu sai da Difusora e fui para Educadora e to lá até hoje, apresentando o programa de manhã (Bom dia Fernandópolis) e a tarde (Sertão do meu Brasil).
O que levou você a desistir de ser taxista?
Essa é uma profissão que admiro muito. Eu falo todo dia dos taxistas. Porque o taxista sai de casa, não sabe se volta. Ele vai ganhar o pão, mas tem bandidos que querem tirar o pão do coitado que vai trabalhar. O taxista não sabe quem ele está pegando. Eu carreguei um bandido três dias, é que Deus me ajudou que ele não teve problema comigo. Ele era velhaco e eu fui um pouco mais velhaco. Depois fiquei sabendo que esse bandido era de uma quadrilha que roubava gado. E eu viajei com ele três dias. O caminhoneiro é outro, sai para viajar e enfrenta as durezas da estrada. Eu saia para viajar e ficava 15 dias fora. Hoje não sabe se volta. Eu dou valor na vida, porque ela está nas mãos de Deus. Ele é que sabe da nossa vida.
Esse foi o maior apuro que você passou na vida?
Você fica pensando na família que está em casa e se vai voltar vivo. A sorte do taxista é tanta que o bandido está sempre atrás dele, pelas costas, não tem saída. Quando eu trabalhava com ônibus eu levava um porrete e eu tinha um no carro. O pessoal perguntava e eu falava que se alguém enfrentasse, a gente dava uma porretada no meio da orelha que ele se manda. Com o cara que eu já sabia que era bandido eu dirigia meio de lado, com um olho na estrada e outro nele com o rabo de olho. Deus me ajudou, porque se o bandido quiser acabar com você ele acaba.
E o famoso Bailão do Compadre Delmo?
Eu ia em São Paulo e o Zé Bétio falava para eu montar um bailão na cidade. Eu cheguei e falei para o finado Corsini (Alcides Corsini) e ele topou. Começamos num clube velho e abandonado na Avenida 14. Demos uma ajeitada e começamos com uma caixinha de som, um violão, sanfona e pandeiro. Quando o Darci e Cesar pegaram a Rádio Difusora eu já tinha o Bailão. Ganhamos dinheiro, compramos um terreno ali, vizinho onde é o Fórum. Naquele tempo não tinha nada. Lá deu muito dinheiro, deu uma tempestade um dia, derrubou tudo, não ficou uma parede em pé. Levantamos e continuamos. Ficamos 12 anos com o bailão sem perder um sábado. O povo gostava. Vendemos e depois como presidente na Cohab a gente tocava quermesse e forró. Aquilo lotava. Ai entrou gente que entendia muito, hoje tá fechado, não existe mais. Eu e o finado Corsini fundamos o forró em Fernandópolis com o Bailão.
Você foi um dos primeiros moradores da Cohab Antonio Brandini?
Eu, o Chico Arouca e mais algumas pessoas fomos os primeiros a mudar prá lá. Comprei uma casinha lá porque o Edson Ribeiro insistiu comigo. Era meio zoró na época. Não tinha juízo, né. Agora não tenho muito juízo. Na Cohab, insistiram e me puseram presidente da Associação do Bairro. Fiquei na Cohab, vizinho do Chico Arouca por 26 anos. Me aborreci com umas conversas atravessadas e como não tenho costume de passar a mão no que é dos outros, preferi sair. Vendi a casa e mudei de lá. Queria ir para Votuporanga, mas o pessoal da Rádio Educadora me segurou aqui.
Nesse meio tempo você chegou a sofrer um infarte?
Foi em 2007. Sabe como é, foi tanto diz-que-diz e você vai guardando aquele nervoso e tem hora que não aguenta. Eu estava meio esquisito e minha filha me levou para a Santa Casa. Chegou lá o médico falou que ia dar uma injeçãozinha. Tenho mais medo de injeção que cabrito da água. A enfermeira veio e aplicou a injeção e dai um pouco falei: vai me dá um trem aqui. Apaguei. Quando vi estava na maca cheio de fio. Ainda bem quando infartei estava dentro da Santa Casa. Fiquei internado uns dias, fui para Rio Preto, fiz cateterismo e Graças a Deus deu tudo certo. Só não quis operar. To vivo ainda...
O que mudou na sua vida após o infarte?
Eu era muito arteiro, não incomodava com as coisas. Comia a qualquer hora, gostava de carne gorda, não tinha hora prá comer, nem prá dormir. Depois disso, o médico me avisou: te cuida. Mandou eu fazer caminhada. As comidas gordurosas abandonei. A gente tem que dar valor na vida. A nossa riqueza é a vida. Quero continuar assim, trabalhando, até o dia que Deus me levar.
Qual das profissões você gosta mais: motorista ou radialista?
Eu gosto muito de ser motorista. Agora não dá mais. Outra, do jeito que o nosso Brasil anda, tá difícil até para trabalhar. Faço rádio porque gosto. Além de ser o meu ganha pão, é uma coisa que gosto de fazer.
Já pensou em pendurar o microfone?
Não marquei não. To aposentando minha mulher e a hora que conseguir, não quero trabalhar muito seguido não. Fazer um horário para distrair. Não sei quando, mas uma hora vou dar uma folgadinha. Enquanto tiver com coragem de falar, vou seguindo. É o que eu gosto...
Qual foi a maior alegria no rádio?
Já vivi muitas alegrias. A primeira vez que cheguei em São Paulo com Abel e Caim, eu estava na Rádio Piratininga ainda. O Edgar de Souza (radialista que fez história na rádio de São Paulo sempre divulgando a música sertaneja e de raiz) me chamou no programa dele da Rádio Nacional (depois Globo). Fiquei muito feliz. A partir daí ia todo mês a São Paulo buscar discos. Nas gravadoras tinha a minha gaveta e sempre que chegava lá tinha um punhado de discos. Eu lidava muito com a violeirada. Com o Cristal e Dimantino, peguei uma música deles (Maldita Traição) e escrevi um drama com três atos. Naquele tempo tinha cuca para escrever as coisas. Aqui trabalhamos bastante com o Dimas Portela, Quintino e Quirino, fazendo espetáculo em circo da região. A gente não perdia para as duplas de São Paulo, não.
Trabalhou em circo?
Trabalhei. No drama que escrevi eu era o cômico, o Juca, o palhaço do circo. Pessoal pergunta até hoje do estilingue. Teve uma vez que fui apresentar o Edgar de Souza em um show em Rio Preto e levei o Quintino e Quirino comigo. Trabalhei em peças em show do Abel e Caim. Teve sempre muita felicidade.
Qual a mensagem que você deixa aos fernandopolenses?
Que tenham muita felicidade e cuidem bem da vida, cuide bem da sua família e tenham amigos. Essa é a alegria da vida. Deixe a inimizade num canto. Não vale a pena...