O menor aprendiz e o trabalho

20 de Agosto de 2025

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O menor aprendiz e o trabalho

Fernandópolis sediará na quinta-feira, dia 3, Audiência Pública com o tema “Aprendizagem Profissional”. O evento é organizado pelo Ministério Público do Trabalho em parceria com o Juizado Especial da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho (JEIA) de Fernandópolis e o Ministério do Trabalho e Previdência Social. Será no Palácio 22 de Maio Prefeito Edison Rolim, às 9h30, e reunirá autoridades, empresas, entidades e a sociedade em geral. O objetivo, de acordo com o Juiz do Trabalho e Coordenador do JEIA em Fernandópolis, Dr. Alessandro Tristão, é alertar as empresas sobre a necessidade de garantir o direito à profissionalização de adolescentes e jovens  e o efetivo cumprimento da Lei de Aprendizagem que obriga as empresas abrirem 5% das vagas, do total de seu efetivo empregado, para o menor aprendiz. Em entrevista ao CIDADÃO, o juiz Alessandro Tristão diz que o cenário em Fernandópolis nessa área é de desolação, mas desafiador. Diz ainda, que a Audiência tem o objetivo de sensibilizar empresas para o cumprimento espontâneo da cota de aprendizes, para não serem penalizadas pela fiscalização. Veja a entrevista:  

No dia 3 de novembro vai acontecer em Fernandópolis, na Câmara,  uma Audiência Pública com o tema Aprendizagem Profissional relativa ao menor aprendiz. Qual o objetivo dessa audiência pública?
Essa audiência pública é uma ação interinstitucional, ou seja, ela envolve a Justiça do Trabalho, através do Juizado da Infância e da Adolescência de Fernandópolis, o Ministério Público do Trabalho e Previdência Social e Ministério do Trabalho e Emprego. Visa, na verdade, um esforço conjunto para que haja um esclarecimento para a sociedade do que é essa aprendizagem, um contrato de trabalho muito específico que permite a inserção do jovem e do adolescente no mercado do trabalho, mas uma inserção com o respeito a todos os requisitos legais desse contrato de trabalho.
Na questão do menor aprendiz, o que pode e o que não pode?
Na verdade, essa é uma das grandes dúvidas daqueles que militam na área. A Constituição Federal proíbe qualquer trabalho em qualquer condição para o menor de 14 anos. Ela permite esse trabalho, isto é, ela permite essa prestação de serviço para o menor entre 14 e 16 anos, apenas na condição de aprendiz. E o que é esse contrato de aprendizagem? É um contrato formal de trabalho especifico na modalidade contrato de emprego. Então há necessidade do reconhecimento desse vínculo, da anotação desse contrato na Carteira de Trabalho do Aprendiz. Mas, esse contrato tem outros requisitos, o mais importante é a inserção desse adolescente em programa de aprendizado, que vai permitir uma formação técnico-profissional metódica compatível com o desenvolvimento moral, psicológico e físico desse aprendiz de acordo com a Lei de Diretrizes Básicas da Educação. É um contrato que pode ser firmado com o jovem e adolescente, a partir dos 14 anos e até os 24 anos. E, regra geral, tem um prazo determinado de dois anos para duração desse contrato.
No caso das empresas interessadas em abrir vagas para o menor aprendiz, quais os procedimentos para adotar a medida de forma legal?
A grande verdade é que isso está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, as empresas têm que oferecer um mínimo de 5% das vagas em relação aos empregados que ali prestam serviço, computado esse percentual sobre as funções que demandam formação profissional. Então, esses 5% das vagas têm que necessariamente ser fornecidas para esses contratos de aprendizagem e esse é um dos grandes objetivos dessa audiência pública, ou seja, de levar ao conhecimento que há aí, não uma atitude no sentido beneficente da empresa de querer participar do programa voluntariamente, mas uma obrigação, um dever legar de disponibilizar essas vagas. Há uma exceção, essa obrigação não se aplica para entidades sem fins lucrativos que se dediquem a essa educação profissional e também para as microempresas e empresas de pequeno porte. Como disse, o contrato de aprendizagem tem esse viés educacional e tem que ter a participação das entidades, sem fins lucrativos de assistência ao adolescente e educação profissional que são registadas aqui na localidade no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. Também pode ser feito através de Escolas Técnicas e das denominadas Sistema S (Senai, Senac, Senar, Senat e Sescoop). De maneira especifica a Fernandópolis, o que temos são entidades que estão credenciadas para prestar essa formação técnico profissional e promover a inserção desses adolescentes e jovens no mercado de trabalho, através do contrato de aprendizagem.
Quando a gente fala do menor aprendiz, qual o cenário que temos hoje em Fernandópolis?
É um cenário, podemos dizer, com alguma desolação, por um lado, mas desafiador, que demanda essa ação conjunta para que a gente tente resolver o problema. Só para que se possa ter uma ideia, os últimos levantamentos oficiais revelam que existem quase 3,3 milhões de crianças e jovens entre 5 e 17 anos, exercendo atividades remuneratórias no Brasil. Quase 2,8 milhões de crianças e jovens, desses 3,3 milhões, tem entre 14 e 17 anos, ou seja, mais de 80% desses jovens e adolescentes poderiam estar trabalhando legalmente, saindo de uma situação eventual de exploração através da aprendizagem. Fernandópolis também não tem uma situação muito diferente desse cenário brasileiro. O último levantamento da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre o trabalho descente revelou que na localidade existem 1.000 crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos de idade trabalhando. Esse é um índice superior à média nacional e a média estadual. Poderíamos até dizer que nesse grupo havia 216 jovens na faixa entre 14 e 15 anos que em tese poderiam estar na aprendizagem, mas neste mesmo período a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego) que é fornecida por empresas e estabelecimentos declarantes, indicava que em Fernandópolis existiam apenas 11 contratos de aprendizagem em vigência. Então, a conclusão que nós chegamos e hoje a realidade não deve ser muito diferente dessa, é que poucos são os contratos de aprendizagem na localidade efetivamente formalizados e seguindo toda a legislação trabalhista a respeito. A conclusão insofismável é que as empresas não tem cumprido essa determinação legal de disponibilização de um mínimo de 5% dessas vagas para esses jovens e adolescentes nos contratos de aprendizagem. Essa questão da aprendizagem é a porta para o primeiro emprego e uma solução legal, sem colocar em risco a atividade empresarial por acolher dentro da sua organização, crianças, jovens e adolescentes em condições que a legislação não permite. E isso pode ter um problema muito sério. Nesses casos de contratações fora das permissões legais, a Justiça do Trabalho desconsidera o contrato de aprendizagem e esse trabalhador passa ter todos os direitos de um trabalhador que não está cingido pelo contrato de  aprendizagem, além de multas, fiscalizações e todos os problemas que as empresas podem ter com essa situação ao arrepio da lei.
Por esse cenário é que surgiu a proposta dessa Audiência Pública, para alertar o setor empresarial sobre o programa do Menor Aprendiz e, após isso, haverá alguma ação de fiscalização?
Sim, com certeza. A ideia é essa, trabalhar primeiro no esclarecimento. Para essa audiência pública várias empresas foram notificadas pelo Ministério Público do Trabalho para esse comparecimento, para que elas possam ter esse esclarecimento e passem a cumprir a lei, porque já deveriam estar cumprindo todas as questões legais especialmente a disponibilização das vagas. Imediatamente, após essa audiência nessa ação interinstitucional, o Ministério Trabalho e Emprego deve  iniciar de uma maneira mais concentrada e forte toda a fiscalização. As empresas que não estiverem cumprindo provavelmente receberão multas e o Ministério Público do Trabalho, na parte que lhe cabe, com certeza, ajuizará ações para que essas empresas sejam compelidas judicialmente a admitirem esses aprendizes. Só que esse tipo de medida normalmente vem acompanhada com multas e com outros tipos de sanções. Seria melhor que a própria empresa resolvesse isso de forma espontânea e com todos os esclarecimentos que nos queremos passar nesse dia.
 A partir dessa audiência pública o senhor tem expectativa de que o cenário atual em relação ao menor aprendiz deve mudar?
Tenho certeza. Percebemos que, não só em Fernandópolis, mas em todas as cidades de nossa jurisdição, há uma boa vontade muito grande em resolver esse problema da criança e do adolescente, até porque a Constituição Federal quando traz o principio da proteção integral estabelece de forma expressa que esse é um dever não só do Estado, da Família, mas também da sociedade. Eu vejo com muita boa vontade o trabalho das entidades e o trabalho do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente. Há um engajamento de uma rede social para resolver esse problema da criança e do adolescente que não se resume apenas na questão do trabalho. Existem várias outras questões ligadas. Foi convidado para essa audiência o Juiz da Infância e Juventude (Dr. Arnaldo Luiz Zasso Valderrama), porque só assim conseguiremos equacionar melhor esse problema. Não tenho dúvida que os ajustes serão feitos e as empresas vão acolher em seus estabelecimentos esses jovens e adolescentes para que possam ter a oportunidade do primeiro emprego, através do contrato de aprendizagem.
Saindo um pouco do âmbito dessa audiência pública, como está a Justiça do Trabalho em termos de estrutura física e de pessoal em Fernandópolis. Está a contento?
A Justiça do Trabalho em geral está com uma estrutura aquém da que seria necessária para realizar a contento suas atividades. A situação regional, do nosso Tribunal, que é o Tribunal Regional da 15ª Região com sede em Campinas, que tem jurisdição sobre 599 cidades do Estado, quase a totalidade do Estado, comparativamente com os demais TRTs, é que está mais aquém. E isso tem razões históricas porque é um Tribunal criado a partir da divisão do TRT com sede em São Paulo e ficou com muita jurisdição e com uma quantidade menor de servidores. Infelizmente, apesar dos esforços, não se logrou uma adequação do quadro servidores compatível para atender essa demanda. Existem alguns projetos no Congresso que conseguiriam minorar essa situação e colocar o nosso Tribunal em pé de igualdade com outros tribunais. O déficit chega quase mil servidores, um número muito representativo para que a gente pudesse ter uma estrutura mínima. Mas essa crise, com corte orçamentário dirigida especificamente à Justiça do Trabalho, foi algo alarmante esse ano, inclusive com a possibilidade aventada de paralisação das atividades  por falta de dinheiro para pagamento de despesas como locação dos imóveis, energia, e tivemos até que alterar, durante determinado tempo, o horário de funcionamento para que conseguíssemos obter as economias necessárias para que não houvesse a paralisação. O que a magistratura espera é que no orçamento do próximo ano o próprio Congresso e Executivo reconheçam essa necessidade e que se restabeleçam os patamares anteriores para que se possa, ainda que não da forma desejada, o funcionamento regular das atividades jurisdicionais da Justiça do Trabalho.
Em um cenário como esse, a construção do Fórum Trabalhista de Fernandópolis deve demorar mais?
Sim, o orçamento tem diversas rubricas. A rubrica para construção do Fórum de Fernandópolis (em área ao lado do Terminal Rodoviário de Passageiros) é de investimento. A notícia boa que temos é que o nosso Fórum é uma prioridade para o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. O TRT tem finalizado, de acordo com os recursos que são cada vez mais escassos, Fóruns em diversas localidades e o nosso, se nada mudar para o orçamento de 2017, pela notícia que temos é o próximo da lista de construção. Contudo, por conta da crise e dos cortes orçamentários, não sabemos ainda efetivamente se essa verba ainda que conste do orçamento, se vai ser disponibilizada para construção da nossa sede. 
Qual o reflexo dessa crise econômica na área da Justiça do Trabalho em Fernandópolis?
O reflexo foi imediato, contundente, nós tivemos um aumento de 33 a 40% de movimentação na Vara de Fernandópolis. Os números que tenho consolidado de agosto mostram que foi a Vara com a maior movimentação de processos em toda a área do Tribunal Regional. Não houve nenhuma outra com o número de processos ajuizados em 2016 até agosto que chegasse ao número de processos da Vara de Fernandópolis. Ainda que possa mudar essa situação, dificilmente não terminaremos o ano entre as 10 Varas com maior movimentação em todo o Tribunal. A crise aqui foi sentida, por conta de algumas empresas que tiveram infelizmente que encerrar atividades, temos aqui um polo educacional muito grande e tivemos muitas ações em relação a essa área e também  muitas ações no agronegócios, especialmente as Usinas, porque na Jurisdição da Vara de Fernandópolis nos temos quatro usinas, área que tem grande rotatividade. Mas, não são apenas esses setores não. Os outros também sentiram, como o comércio. Em grande parte a gente acaba creditando mesmo o aumento de processos a essa crise econômica.