“Estou orgulhoso de morar em uma cidade que tem um bom sistema de segurança”

20 de Agosto de 2025

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“Estou orgulhoso de morar em uma cidade que tem um bom sistema de segurança”

Fernando Cesar de Paula é promotor de Justiça há mais de 20 anos, atuando na área criminal. Ele nasceu em Fernandópolis, foi guarda-mirim e, ainda jovem, começou a trabalhar no Fórum, época em que iniciou os estudos no curso de Direito para mais tarde ser aprovado em concurso e ingressar no Ministério Público. Aos 47 anos, ele viveu uma experiência inusitada em sua carreira no MP. Durante o assalto na sexta-feira, 23, na filial da  Casas Bahia em Fernandópolis, ele foi chamado para negociar com o assaltante que mantinha os reféns sob mira de arma de fogo e exigia sua presença para se render. “Ali pude constatar que nós temos um aparelhamento de segurança muito bom em Fernandópolis. Temos policiais bem preparados. Estou orgulhoso de morar em uma cidade que tem um bom sistema de segurança”, afirmou. Ao comentar o caso, uma semana depois, nesta entrevista ao CIDADÃO, o promotor faz uma reflexão sobre a violência, a impunidade e o mais longo caso judicial ainda não resolvido no Brasil, que envolve o médico fernandopolense Luiz Henrique Semeghini. Para ele, a “Justiça que tarda, 
já falhou”. Veja a entrevista:
Dias após o assalto na filial das Casas Bahia de Fernandópolis, onde atuou na negociação de libertação dos reféns, qual a reflexão que o senhor faz dessa experiência?
Foi uma experiência nova na minha carreira. Nunca tinha feito esse tipo de enfrentamento, mas eu fiquei orgulhoso do trabalho da Polícia Militar e ali pude constatar que nós temos um aparelhamento de segurança pública muito bom em Fernandópolis. Temos policiais bem preparados, temos uma estrutura muito boa, tanto que toda a situação foi contornada pela Polícia Militar. Quando cheguei ao local já senti uma grande tranquilidade para poder atuar na negociação daquele assalto, porque a polícia estava toda posicionada, já tinha o controle da situação. Então, posso dizer estou orgulhoso de morar em uma cidade, como Fernandópolis, que tem um bom sistema de segurança.
Qual o momento que o senhor julga mais tenso na negociação?
Assim que o Major Wilson (Cardoso) me informou das condições para a negociação com o assaltante ele me disse da necessidade do uso do colete à prova de bala e de um escudo, porque o assaltante mantinha uma refém sob a mira de arma e, até então, estava muito nervoso, e nós não tínhamos ali condições de avaliar o que aquele assaltante poderia fazer. O Major informou o assaltante que eu estava no local para negociação e que um policial iria me acompanhar com um escudo. Ele dizia que não queria a presença de um policial junto comigo, mas apenas a presença do promotor, também não queria a imprensa lá dentro e que ninguém se aproximasse. Eu não sabia o posicionamento e a distância que estaria dele nessa negociação. Ai sim eu tive um momento de apreensão porque tive que adentrar num ambiente que estava fechado e naquele local, internamente, não sabendo como seria a minha abordagem com o assaltante. Mas, confiava no trabalho da Polícia no local, fazendo essa segurança e inibindo eventual violência que pudesse ocorrer por parte do assaltante.
Em atuação na área criminal há mais de 20 anos em Fernandópolis, imaginava enfrentar situação dessa ordem?
Jamais imaginei enfrentar essa situação. Inclusive falando com alguns colegas, promotores e juízes, eles até admiraram o fato de eu ter aceitado ir ao local. A princípio a gente tem uma recomendação para não se dirigir ao local do assalto para fim de negociação, até porque nós não temos preparo para esse tipo de enfrentamento, mas assim que fui acionado para estar no local eu me prontifiquei porque sabia que ali havia muitos reféns e que provavelmente o crime poderia evoluir de uma forma desastrosa. Eu não titubeei em ali comparecer porque moro nesta cidade, gosto da cidade e me sensibilizo com a situação das pessoas afligidas e principalmente aquelas que se encontravam vitimas e sob risco de morte. Penso que nestes 20 anos de atuação só aqui em Fernandópolis fiz algumas atuações, mas nunca dessa proporção.
O que pesou mais na sua decisão de ir lá e negociar com o assaltante?
O fato de estar atuando na área criminal nestes 20 anos, de conhecer um pouco de toda essa atuação criminosa, inclusive de lidar com o criminoso, nós fazemos visitas nas cadeias públicas, audiências diárias, ou seja, temos contato diário com o criminoso. Não vou dizer que estava preparado, mas me senti habilitado para essa negociação na medida em que eu tenho uma experiência de atuação na área criminal que certamente me daria melhores condições de enfrentamento da situação.
No contato com o assaltante das Casas Bahia, o senhor viu nele vítima da sociedade ou alguém que ingressou no crime seduzido por quadrilhas? Acredita em vínculo com as grandes quadrilhas?
Sempre que nós temos uma situação como essa, obviamente estamos tratando de um criminoso de difícil recuperação. Aliás, o assaltante é reincidente no crime de roubo, mas eu conversando com ele, não percebi que demonstrava estar muito bem engajado em organização criminosa. Era um rapaz que demonstrava certa intranquilidade, depois que foi rendido, ele estava com o corpo totalmente molhado, muito suado, muita adrenalina, e ele não demonstrava tanta experiência no local. Mas, não podemos subestimar a capacidade dele de fazer uma loucura naquele momento.
Quando se olha para o quadro de violência no Brasil, onde as autoridades erraram a mão? 
O que acontece, imagino eu, é que os criminosos tem que se aparelhar porque o sistema de segurança melhorou muito, na medida em que a polícia consegue ser mais efetiva no combate ao crime porque temos uma tecnologia melhor. Não que o sistema de segurança seja melhor, mas a tecnologia favorece muito as comunicações e maior  eficiência na chegada da Polícia ao local do crime. Então o criminoso tem que agir rápido. E essa rapidez na prática do crime exige também um aperfeiçoamento dos criminosos. Esse aperfeiçoamento decorre, talvez, do sistema prisional que favorece essas organizações criminosas, onde se organizam. Temos dificuldade de inibir a formação de quadrilhas, de organização criminosa, são quadrilhas constituídas na informalidade. É muito mais fácil. Quando você, como o Estado, tem que se organizar na formalidade e no sistema burocrático, é muito mais difícil, Então o crime, pela informalidade, se organiza mais rápido, está sempre à frente do sistema organizado do Estado. O crime sempre vai existir em proporções maiores do que o Estado porque senão ele não consegue ter êxito. 
Nossos presídios estão abarrotados e mesmo assim fala-se em impunidade como elemento estimulador da criminalidade. Qual sua opinião?
Na verdade, nós temos poucos presídios para uma população carcerária muito grande, Nós temos pessoas sendo punidas, punições que são necessárias. O sistema carcerário realmente é precário. A questão da impunidade existe sim. Mas hoje nós temos um sistema de segurança pública efetivo, mas que é suficiente apenas para o enfrentamento do que chamamos de ‘crimes de sangue’, aqueles crimes praticados por uma parcela marginalizada da população. A impunidade existe em alto escalão, nos crimes de colarinho branco, nos crimes mais bem elaborados em que a polícia e o sistema de segurança pública não são preparados para o enfrentamento desses crimes complexos, de colarinho branco. Nós temos também uma grande quantidade de criminosos em condições que são menos favorecidas e esses ocupam os nossos presídios fazendo assim que fiquem superlotados dando a impressão de que não há impunidade. Existe a impunidade, mas existem também muitas pessoas sendo penalizadas. 
A operação Lava Jato pode representar um divisor de águas nessa questão dos chamados crimes de colarinho branco?
Sim, a operação Lava Jato está fazendo um trabalho que está criando uma conscientização no meio político, principalmente, de mudança de pensamento sobre a coisa pública. Eu acredito nisso, não em curto prazo, mas em longo prazo, inclusive pela mudança da legislação que trata de rigor maior no caso de corrupção. Certamente vai ser repensada pela classe política essa atuação de dilapidação do patrimônio público.
O senhor que atuou no julgamento do médico Luiz Henrique Semeghini, caso que está há 16 anos sem solução, acredita no ditado de que “A Justiça tarda, mas não falha”?
Eu acredito que se a Justiça tarda, ela já falhou. Justiça tardia é justiça falha. Portanto, houve falha na medida em que tardou o julgamento. É lógico que quando o julgamento é protelado, demorado para acontecer, a punição demora em chegar à pessoa do réu, fica a sensação de perda não reparada, principalmente para os familiares da vítima. Depois, ainda que a pessoa seja punida e venha a responder pela pena imposta, isso não resolve os traumas causados pela demora do efetivo cumprimento da pena que foi imposto tardiamente. 
O cumprimento de pena a partir da condenação em segunda instância pode pôr fim a esses processos intermináveis?
É uma medida muito boa para que possamos abreviar o cumprimento da pena na medida que a pessoa é presa antes de um novo julgamento do caso pelos Tribunais Superiores em Brasília. Isso representa um avanço, uma melhor resposta penal e uma efetiva responsabilização penal. Esse é um ponto. Mas, ainda não é o melhor a se fazer porque o processo sendo julgado no Tribunal de Justiça e ainda havendo possibilidade de recurso o réu pode vir a ser absolvido nos Tribunais Superiores, na medida em que entenderem (os Tribunais Superiores) que houve erro do Tribunal inferior ou do próprio juiz no julgamento da causa. Aí, teremos alguém que está pagando, já preso, por um crime em que foi inocentado. Incorremos na possibilidade eventual de termos pessoas cumprindo uma pena por um crime que ainda o Judiciário definitivamente ainda não disse que ele é culpado. Mas, também, por outro lado, nós temos que entender quando o Tribunal de Justiça confirma a decisão do um juiz da causa ou determina a condenação do réu em segundo grau, isso é feito por um colegiado no Tribunal de Justiça e dificilmente esse colegiado estará errando sobre a determinação da culpa. Portanto, dificilmente nós teremos um erro judiciário. Mas, o que o Superior Tribunal está decidindo e se preocupa, é que a pessoa esteja cumprindo uma pena só pela decisão do Tribunal de segundo grau, sem que o julgamento seja definitivo. Então é preciso fazer essa avaliação. Eu fico imaginando se isso acontece comigo, por exemplo, eu como qualquer outra pessoa, vou procurar me defender até a última instância. E ai, como se diz, eu vou querer cumprir a pena depois de julgado definitivamente. Não vou querer pagar pela pena para depois alguém dizer se sou inocente ou culpado. Então são todas essas questões que precisam ser avaliadas.