Fernandópolis ainda sentia os efeitos terríveis da geada negra de 18 de julho de 1975 que dizimou os cafezais da região, quando o jovem agrônomo Luiz Carlos Pagotto, chegava a Fernandópolis em maio de 1976. Já se passaram 40 anos, tempo em que o perfil agropecuário da região de Fernandópolis mudou. Em entrevista ao CIDADÃO, o experiente agrônomo, que comanda a CATI – Regional de Fernandópolis desde 1981, primeiro como Delegado Agrícola e hoje como Diretor Técnico, faz um raio X da agricultura e pecuária. Diz que não foi apenas a geada que tirou o café de cena, lembra que a região já foi grande produtora de feijão, uma cultura que hoje vale ouro e desmistifica que a região é dominada hoje pela cultura da cana. Com 70% das propriedades de até 50 hectares, Pagotto aponta ainda que a cicitricultura, a produção de hortaliças e frutas ganham espaço na região que ainda tem uma pecuária de corte e leite muito produtiva.
O senhor chegou a Fernandópolis há 40 anos. Qual era o perfil rural do município e região?
No ano de 1976, mais precisamente no mês de maio, cheguei a Fernandópolis para trabalhar na Casa da Agricultura. Naquela época, em termos de cultura perene, predominava a cultura cafeeira, sendo poucas as propriedades rurais que não trabalhavam com essa atividade. A citricultura estava começando, como também a seringueira, com plantio em apenas duas propriedades, sendo uma na Brasitânia e outra em Estrela do Oeste, com mudas distribuídas pela Secretaria da Agricultura do Estado em caráter experimental. Em termos de cultura anual, fomos grandes produtores de algodão e de milho. Por muito tempo, o Estado tinha o monopólio na distribuição e venda de semente de algodão, que era feita pelas Casas da Agricultura. Fomos também produtores de amendoim, não em grandes áreas. Na época do plantio filas se formavam defronte à Casa da Agricultura para a aquisição de sementes, sempre em quantidade insuficiente para atender a todos. Interessante lembrar a produção de soja na região de Ouroeste e Indiaporã. Tivemos uma cultura que hoje vale ouro. Fomos produtores de feijão, em época que foi lançado o pró-feijão, só no Município de Mira Estrela existiam em torno de cinquenta equipamentos de irrigação, para produzir o feijão de inverno. E é claro, não podemos esquecer a pecuária, tanto de leite como de corte, que sempre ocupou a maior área agricultável de nossa região.
E hoje? Como definir esse perfil?
Primeiramente temos de lembrar que o avanço tecnológico nos últimos anos foi muito grande, tanto em sementes, quanto em equipamentos e maquinários. A semente transgênica, que tanta discussão deu, está presente em muitas culturas anuais. A colheita mecanizada já está presente nas atividades agrícolas. Nesses quarenta anos, grandes mudanças ocorreram na agropecuária. O café desapareceu, tendo alguns produtores saudosistas que cultivam para consumo próprio. A citricultura, principalmente a laranja, se mantém ainda hoje como alternativa de renda para muitos produtores rurais, com boa parte de sua produção sendo comercializada para consumo in natura, em função da qualidade e do sabor, proporcionado pelas variedades e condições climáticas da região. Nos últimos anos, em função de baixos preços, pragas e doenças e do alto custo de produção, houve declínio da cultura, com muitos produtores erradicando seus pomares. Voltou a banana maçã, sendo nossa região uma das poucas do Estado a produzir a fruta, como também temos a banana nanica em menor escala. Pelos anos de 1980, a região viu surgir a lavoura canavieira, ocupando áreas que outrora eram de pastagens, primeiro em Fernandópolis e hoje também em Ouroeste e Meridiano, dentro da área de abrangência da CATI –Regional. Como falei anteriormente, a seringueira foi aqui implantada experimentalmente e ficou por muito tempo sem interesse dos produtores. Um dos grandes incentivadores da cultura, Engº Agrº Percival Costa, da antiga Divisão Regional Agrícola de São José do Rio Preto, fazia palestras sobre o assunto, onde motivou o interesse pela atividade de vários agricultores, sendo hoje uma cultura presente em muitas propriedades, com área significativa em nossa região.
Quando o senhor chegou, a região tinha sofrido grande impacto econômico em função da geada de 1975. O senhor acredita que a decadência do café que dominava o cenário agrícola começou ali?
Não resta dúvida que foi um dos motivos da decadência da lavoura cafeeira. Essa geada ocorreu na madrugada do dia 18 de julho, nesta época eu já era formado, trabalhava em uma empresa na cidade de Garça. Lá não sobrou nenhum pé de café sem queimar e hoje o café continua firme e forte naquela região. Por isso falei que a geada foi um dos motivos do café desaparecer de nossa região, pois outros fatores colaboraram para que isso acontecesse. A região foi desbravada através do plantio do café, quando então tínhamos terra fértil, mas clima insatisfatório. Após muitos anos de cultivo, com lavouras plantadas sem a conservação de solo adequada, é claro que a fertilidade vai diminuindo, o clima continua nada propício com altas temperaturas e aparecimento, principalmente, do nematoide, praga do sistema radicular que fez com que, aos poucos as lavouras cafeeiras fossem desaparecendo.
A chegada da cana-de-açúcar e a expansão da indústria canavieira mudou o cenário regional. Qual o impacto dessa mudança?
Quando da implantação da primeira usina de álcool em Fernandópolis, existia a preocupação de uma transformação radical do cenário agrícola. Mas a produção de álcool era uma realidade a nível nacional. Outras usinas foram implantadas, como em Ouroeste e Meridiano. Tivemos que nos adaptar a essa realidade, é claro, com benefícios, como geração de muitos empregos, arrecadação de impostos, etc e também alguns problemas ambientais ocasionados pela queima da cana, proibida definitivamente à partir de 2017. Muitos agricultores têm reclamado principalmente os pecuaristas, da distribuição inadequada da vinhaça da cana em áreas de canaviais, pois a concentração em excesso tem sido a causa da proliferação da mosca dos estábulos, como mostrado dias atrás em reportagem na televisão. Esta reportagem mostrou a realidade da cidade de Planalto, mas pecuaristas de Ouroeste e Populina estão na mesma situação, onde também denunciaram aos órgãos competentes de fiscalização. Só quem conhece o que passam algumas propriedades com seus rebanhos, vê a necessidade de solução urgente para o assunto. Muitos estão deixando a produção de leite, pois a alta incidência da mosca faz com que os animais produzam menos que o normal.
Muitos falam em monocultura. Essa seria uma tendência ou já podemos dizer que já é uma realidade?
Não podemos dizer em monocultura, pois as áreas ocupadas pelas três usinas da região representam em torno de trinta por cento da área agricultável. Tínhamos essa preocupação, se fosse concretizada a implantação de outras usinas previstas para a região, mas por problemas vários isso não aconteceu.
Depois da cana, quais os segmentos mais importantes que compõe o cenário rural?
Temos a laranja, ainda importante no cenário regional; a seringueira que teve um crescimento rápido, mas estagnou em função da queda de preço da borracha; a soja e o milho mais localizado em Ouroeste e Indiaporã; a pecuária, tanto de leite como de corte, observando que 50% de nossa área agricultável ainda são de pastagens e mais recentemente o aumento da área de olericultura. Para dar apoio as principais cadeias produtivas, a CATI, através das Casas da Agricultura, desenvolve atividades programadas objetivando levar conhecimentos a grupos de produtores, através de visitas, capacitações, excursões, dias de campo, etc.
Que tipo de cultura chegou como novidade e emplacou por aqui?
Em função, principalmente de programas governamentais, tanto federal como estadual, como o PAA (Programa Aquisição de Alimentos), PNAE (Programa Nacional de Aquisição Escolar) e PPAIS( Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social), e também do aumento de consumo de hortaliças por parte da população, a produção de olerícolas, que era restrita em algumas propriedades, hoje pode ser vista espalhada em toda região, tanto em céu aberto como em estufas.
A Cooperativa de Agricultura Familiar e a Associação de Produtores Rurais foi uma boa iniciativa?
A melhor forma de conseguir melhores resultados, tanto financeiros, como técnico, é através do associativismo. Isto se concretizou na formação dessas organizações rurais, com excelentes resultados. Através do Projeto de Microbacias Hidrográficas – Acesso ao Mercado, gerenciado pela Secretaria da Agricultura através da CATI, tem promovido mudanças significativas nas organizações rurais, pois permite que os agricultores sejam gestores do próprio negócio. Vários benefícios foram conseguidos por essas organizações, tanto de Fernandópolis como Populina, que se adequaram e consequentemente foram beneficiadas. Vale ressaltar que sempre procuramos trabalhar em conjunto com entidades de classe de produtores rurais como os Sindicatos Rurais e é claro com as Prefeituras Municipais. Esse trabalho de organização rural faz parte das atividades dos técnicos das Casas da Agricultura, que são extensionistas, sendo a extensão rural um processo de educação extraescolar. Seu objetivo é contribuir para a elevação de qualidade de vida das famílias rurais e por via de consequência, para o bem-estar de toda a sociedade O extensionista rural é um agente de mudanças. Principalmente no que concerne as atitudes, hábitos e habilidades inerentes às famílias rurais e como exemplo citamos a mudança de uma atitude individualista para o associativismo.
Qual o futuro da agricultura e pecuária na região?
Nossa região é essencialmente agrícola. Temos, nos doze municípios que compõem a CATI Regional de Fernandópolis, em torno de 4.000 propriedades rurais, sendo 70% delas com menos de 50 hectares. Todos irão continuar produzindo, investindo ou não em tecnologia. Temos uma agricultura bastante diversificada, com produção de frutas, borracha, álcool, olerícolas, etc e uma pecuária de corte e leite com rebanhos produtivos. Não resta dúvida que o investimento em tecnologia é uma necessidade, pois a propriedade é uma empresa rural. O agronegócio exige profissionalismo.