Dom Demétrio Valentini agora é “Bispo Emérito de Jales”. Desde domingo, a diocese tem novo Bispo. Dom José Reginaldo Andrietta tomou posse com a renúncia compulsória de Dom Demétrio aos 75 anos de idade. Uma situação nova que ainda não foi bem assimilada na Igreja.
Dom Demétrio foi nomeado Bipo Diocesano de Jales em 8 de junho de 1982. Dois meses depois, em 15 de agosto, estava tomando posse na Diocese. “Ser bispo já é uma missão que compromete por inteiro a vida de um padre. Ainda mais, ser bispo de uma diocese da qual nem tinha ouvido falar, e que apresentava evidentes sinais de carências”, diz o agora Bispo Emérito em entrevista ao CIDADÃO.
Após 33 anos de bispado, Dom Demétrio diz que deixa a Diocese para seu sucessor com uma estrutura bem consolidada. “Cheguei em 1982 e encontrei dois padres diocesanos. Os outros eram todos de congregação, a maioria estrangeiros. Agora, a Diocese dispõe de 40 padres diocesanos, em sua quase totalidade ordenados por mim”, afirma. Na CNBB, o “Bispo de Jales”, como ficou conhecido, foi responsável pelo acompanhamento nacional das pastorais sociais tendo comandado a Cáritas Brasileira por 16 anos.
Dom Demétrio, o senhor comandou a Diocese de Jales por 33 anos. O que todo esse tempo significou em sua vida?
Foi o desafio maior para minha vida de padre. Ser bispo já é uma missão que compromete por inteiro a vida de um padre. Ainda mais, ser bispo de uma diocese da qual nem tinha ouvido falar, e que apresentava evidentes sinais de carências que era preciso suprir com redobrado empenho e dedicação. Já o fato da Diocese ter ficado um ano inteiro sem bispo apontava para as dificuldades existentes, o que levou alguns bispos a não aceitarem este desafio, como diversos me confidenciaram depois. Pois bem, este desafio me levou a assumir a Diocese de Jales com a firme disposição de consolidar sua estrutura administrativa e pastoral. Acredito que valeu a pena.
O que mais lhe marcou nesse período?
A confiança das comunidades, que mostravam seu contentamento por terem um bispo que tinha abraçado com dedicação a causa da Diocese. E a surpreendente confiança de meus irmãos bispos, que foram me confiando diversas responsabilidades a nível regional e nacional. De tal modo que a figura do “Bispo de Jales” acabou criando uma identidade marcada sobretudo pela incumbência de acompanhar a nível de CNBB as “pastorais sociais”. Isto me levou a dois mandatos sucessivos na animação do Setor de Pastoral Social da CNBB e quatro mandatos como presidente nacional da Cáritas Brasileira, por 16 anos.
Quais as lembranças que o senhor carrega do dia em que foi ordenado bispo e tomou posse da Diocese de Jales?
Minha nomeação para bispo de Jales foi uma surpresa geral para todos, pois ninguém imaginava que um padre da Diocese de Erexim, no Rio Grande do Sul, fosse nomeado bispo de Jales. Mas a notícia provocou uma grande alegria em todos que me conheciam, e em todos os que em Jales passaram a me conhecer. Tanto a ordenação como a posse em Jales precisaram ser feitas às pressas, para chegar em tempo para o aniversário da Diocese no dia 15 de agosto de 1982. Tanto que para a ordenação eu nem tinha batina para usar, que só ficou pronta para a posse!
E quais as melhores e as piores lembranças que o senhor carrega do tempo em que comandou todas as paróquias da região?
Ainda hoje me surpreendo, lembrando um lance simbólico que acabou tendo muitos desdobramentos: a intuição de levar de volta, para o centro da cidade, o Cruzeiro de fundação de Jales, o que acabou suscitando a tradição das romarias diocesanas, que se tornaram um momento anual muito importante para a recuperação da memória histórica, de uma população de recente consolidação, e que carecia, também religiosamente, de uma identidade definida e clara. Quanto aos fatos negativos, faço questão de ignorá-los. Pois não merecem consideração diante da caminhada positiva que se encarregou de diluir as maledicências inúteis. Do passado tenho memória seletiva: só recordo as coisas boas. Ou ao menos, o lado positivo de todas as coisas.
Muita coisa mudou na Diocese do dia em que o senhor assumiu, até os tempos atuais?
Agora a Diocese de Jales possui uma estrutura bem consolidada e consistente. O fato mais evidente da grande mudança talvez seja relativo aos padres. Quando assumi a Diocese, ela tinha só dois padres diocesanos. Os outros eram todos padres de congregação, em sua grande maioria estrangeiros. Agora, a Diocese dispõe de quarenta padres, todos diocesanos, em sua quase totalidade ordenados por mim ao longo desses anos. Outro sinal evidente se revela na melhoria da estrutura física da diocese, com a reforma e ampliação do centro de formação da Diocese, que agora dispõe de amplos espaços para acolher os mais diversos tipos de encontros e reuniões pastorais. Vale lembrar também a construção do Santuário da Trindade, que se tornou referência diocesana de espaço litúrgico. Foi construída a nova Cúria Diocesana, em prédio muito bem pensado e executado. Foi reformado o antigo prédio da Cúria, que passou a ser sede da Biblioteca Diocesana, organizada a partir da doação de minha biblioteca pessoal, que cedi à Diocese. Foi iniciado também, no mesmo prédio da antiga Cúria, o Museu Diocesano, que poderá ir acolhendo outras peças que ajudem a guardar a história da Diocese. Por último foi construída a “casa do bispo emérito”, que servirá de residência do Bispo Emérito, e futuramente poderá acolher também padres idosos. Ainda do ponto de vista pastoral, foi importante a fundação da Escola Diocesana de Animadores de Cumunidades, destinada à formação dos leigos, que já formou trinta turmas. E a valorização dos leigos através do projeto de instituição dos ministérios leigos.
E na fé da população, algo mudou?
Penso que dá para constar um dado positivo: seja qual for a expressão religiosa, a fé do povo me parece que ficou mais definida e consciente. Também nisto, prefiro ressaltar o aspecto positivo.
O catolicismo acabou perdendo muito espaço em relação ao dia em que o senhor foi ordenado Bispo?
Vivemos tempos de fragmentação religiosa, que tem em sua origem diversas causas. A Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano Segundo, assumiu o compromisso da abertura ecumênica, para a superação das hostilidades, e reconhecimento do valor positivo das mudanças religiosas que estão ocorrendo hoje em dia.
O senhor já conhecia Dom José Reginaldo Andrietta? O que pode nos falar sobre ele?
Pessoalmente eu ainda não o conhecia, mas sabia muito bem da importância das pastorais sociais que ele foi chamado a animar, sobretudo a Pastoral Operária, em especial a JOC, a “Juventude Operária Católica”. De modo que foi muito fácil identificá-lo dentro deste contexto pastoral. E isto o credencia, com muitos méritos, para ser um grande bispo, e honrar sua nova missão de “Bispo de Jales”!
Agora, o senhor segue como Bispo Emérito, o que isso significa?
A questão está em aberto, de fato, pois a renúncia compulsória dos bispos aos setenta e cinco anos é uma situação nova, que não foi ainda assimilada adequadamente na Igreja. Em todo o caso, o Bispo Emérito consolida, em definitivo, a vinculação de um determinado bispo a uma determinada Diocese. De agora em diante, em todo o caso, serei o “Bispo Emérito de Jales”!
Qual o recado que o senhor deixa para os fieis da Diocese que sempre lhe acompanharam, seja pelos artigos, pelas emissoras de rádio ou até mesmo nas missas?
Uma recomendação espontânea, que nem precisaria ser feita: que levem em conta a caminhada feita, para resguardar sua herança positiva. E que estejam abertos para acolher as novas orientações do novo Bispo Diocesano, e os novos desafios que a realidade irá apresentar.