Quando se fala em dia de Santos Reis em Fernandópolis, celebrada na quarta-feira, 6, e festejada hoje, 9, na cidade, o primeiro nome que vem a mente é do cantor e radialista Geraldo Rico. E não é por menos, afinal ele participa dos festejos em louvor a Santos Reis há 71 anos. Geraldo começou a cantar e acompanhar as festas de Santos Reis quando tinha apenas sete anos e não parou mais. Desde então, passou por dezenas de cidades, centenas de casas e empunhou a bandeira de Santos Reis para milhares de pessoas fazerem seus pedidos, agradecimentos e intenções. Fundador e responsável pela Companhia Alvorada, que há 50 anos percorre as casas, sítios e fazendas da região, nosso entrevistado fala sobre as mudanças na tradição, sua preocupação sobre a falta de renovação das companhias com o desinteresse das novas gerações e o real sentido da tradição de Santos Reis.
Se lembra qual foi sua primeira participação em uma festa de Santos Reis?
Há muito tempo heim. Foi numa fazenda em São José do Rio Preto, a Fazenda Felicidade. Eu tinha sete anos, hoje estou com 78 completos, então vai para 71 anos que canto para Santos Reis, graças a Deus. Quando comecei ainda era molecão, mas já cantava, ajudava e aí passei a gostar e canto até hoje. Hoje nós temos a nossa companhia, a Alvorada, que está junto há mais de 50 anos, com dez CDs gravados, dez DVDs e um nome que construímos nesse mundão de Deus por aí.
O que mudou de lá para cá? A aceitação e a fé permanecem a mesma nos lares em que visitam?
Naquele tempo a companhia passava só na época de dezembro e janeiro. Hoje o pessoal canta o ano inteiro, mudou muito as coisas, a tradição é a mesma, mas mudou muito. Antigamente a gente andava a pé, não tinha transporte, não tinha luxo nenhum. Hoje em dia as companhias se vestem bem, só andam de carros novos, o transporte é de Van ou de ônibus, então o que mudou foi a evolução do tempo, né? Hoje em dia também tem política no meio, o que não deveria ter, mas infelizmente tem, não com a nossa companhia, mas a gente vê muito por aí. Também há muita inveja e quem realmente tem a fé não pode ter inveja de ninguém, tem que seguir a tradição.
E a aceitação nas casas, continua a mesma?
A aceitação é muito boa. Mais nas fazendas, na cidade é um pouco menos. Esse ano mesmo nós já andamos bastante com a companhia, vai ter a festa hoje, 9, que é muito boa, a gente andou também ali na região de Jales, Santa Albertina, Aspásia, essa região toda aí, onde encontramos bastante devotos.
Vê com tristeza a perda de força da tradição, uma vez que os jovens não mostram interesse em dar seguimento à cultura que sempre passou de pai para filho?
Olha, está complicado. Tem pouca juventude que se interessa. Tem muitas famílias que ainda tentam ensinar os jovens, mas às vezes eles vão num dia e percebem que não é o que eles imaginavam e param de ir. Estamos preocupados. No nosso caso, da nossa companhia, por exemplo, somos todos de idade já, mas ainda cantamos né, ainda tem garganta para cantar, pois Santos Reis é poderoso e a gente acredita que ainda vamos muito tempo.
Como que surgiu a tradição de Santos Reis?
Quando nasceu o menino Deus, apareceu uma estrela que só três pessoas viram, assim conta a Bíblia. E os três reis do oriente, que ainda não eram reis, um vindo da Índia, outra da África e o último de Portugal, estavam estudando os astros e viram aquele sinal e o seguiram quando acabaram se encontrando e seguiram juntos para encontrar o menino Deus. Os três chegaram a Belém, fizeram uma oração e entregaram os presentes. Porém, quando eles pensaram que estava tudo bem, o rei Herodes tinha mandado matar todas as crianças de 0 a dois anos, o anjo Gabriel apareceu e avisou os reis para que pegassem Nossa Senhora e São José com o menino Deus e fugissem para o Egito, pois o rei Herodes estava vindo para o matar e ali foi o primeiro milagre que aconteceu dos três reis do oriente. Eles assim o fizeram e ficaram lá escondidos até o rei Herodes morrer e quando Herodes morreu o anjo Gabriel avisou para eles voltarem por outra estrada, pois o filho de Herodes, Arquelau, ainda queria cumprir o desejo do pai e assim eles vieram por outro caminho e salvaram o menino Deus. Então, esse foi o primeiro milagre dos três Reis, Gaspar, Melchior e Baltasar.
Por quantas pessoas a equipe de Santos Reis é composta? Todos recebem para estar ali?
A média é de 15 a 20 pessoas. Todos vão de graça, ninguém cobra nada. Tem casos que nem o de agora, que a companhia andou dez dias e as pessoas largam o emprego para ir favorecer o festeiro, aí o festeiro paga uma gratificação para cada um, mas isso não é regra. A gente canta por devoção mesmo.
O senhor se lembra de alguma passagem marcante nesses 71 anos em que canta para Santos Reis?
Eu tenho uma marca aqui em baixo da camisa. Já faz mais de 50 anos que o médico me abriu para uma cirurgia e quando viu a situação, me mandou ir morrer em casa. Eu me peguei com Santos Reis e hoje estou aqui, graças a Deus. Mais recente também, em 2005, eu caí no banheiro, fraturei o fêmur e o médico quis me operar. Eu disse que já estava operado, meus médicos são da proteção divina, são os Santos Reis e eu acredito que não preciso operar. O médico brigou comigo, queria me operar de qualquer jeito e eu disse que não queria. Então eu assinei um termo e fui para casa, hoje estou aqui novamente, andando e cantando.
Essa cirurgia que o médico lhe mandou ir morrer em casa foi do que?
Foi de uma úlcera crônica, que já tinha estourado um monte de vezes e não tinha mais jeito. Quando o médico me cortou e viu como estava ele chamou a família, mostrou a situação e disse que não poderia mexer, se não eu ficaria na mesa de cirurgia. Foi quando eu fiz o pedido e prometi que iria formar a companhia e cantar até o dia que eu aguentasse. Então, eu já cantei na cadeira de rodas, já cantei de muleta, andador, enfim, a garganta estando boa, sacrifício a gente faz porque eu tenho a vida.
O que é preciso fazer para integrar uma companhia de Santos Reis?
Tem que ter o dom. Já tentamos ensinar para algumas pessoas, mas se elas não tiverem o dom, não conseguem. Por isso que está difícil a gente colocar a juventude na companhia, como disse, a nossa mesmo é composta por pessoas já de idade mesmo, de 60 anos para mais.
Já pensou em parar?
Não. Penso em cantar até quando Santos Reis e Deus me protegerem e me derem vida, garganta e uma boa memória para fazer os versos.
Agora falando de sua carreira no rádio, quando começou? Quem te incentivou?
É interessante a minha vida de radialista. Agradeço a Deus por não ter estudo e estar nessa carreira até hoje. Em 1959 tinha um serviço de alto-falante em Guapiaçu e eu ia lá para cantar e o proprietário se interessou de eu fazer a apresentação, então todo sábado e domingo eu ia lá. Aí eu fiz a locução lá por uns tempos e me chamaram para ir para a Piratininga de Rio Preto, dos saudosos Silveira Coelho e Preto Velho, isso já chegando em 1960. Depois me mudei para Monte Aprazível, onde passei uma temporada na rádio Difusora de Monte Aprazível. Em 1967 eu mudei para cá e entrei na nossa coirmã rádio Educadora, depois fui para a rádio Alvorada, passei pela rádio Cultura de Jales. Hoje estou na Águas Quentes e na Mais FM. Vamos lutando né? Nunca fumei, nunca bebi, então a garganta ainda está boa.
Quem é ou foi o melhor radialista do Brasil?
Não é fácil responder isso não, heim. O Zé Rosa da Silva foi muito bom, tivemos também o Zé Bettio, do Sistema Bem Caipira, seu Zé Russo, da Record, o Nhô Zé que fazia a Alvorada Cabocla. Na época tinha um nível muito bom de locutores, hoje é que temos muitos curiosos, que querem ser né, mas as coisas mudaram muito.
E de Fernandópolis?
Aqui teve muito famoso: o saudoso Nhô Cido e o Nhô Dito, depois veio o Cumpadre Sanches, Cumpadre Delmo e vários outros.
Depois de tantos anos de carreira, o senhor ainda carrega vários fãs. A que credita esse sucesso?
Acho que ao meu estilo de trabalho, bem simples, humilde, tanto na rua, quanto nas visitas e no microfone, também o meu palavreado no rádio que é simples. Até hoje a gente tem uma audiência muito boa, graças a Deus.
Qual o melhor gênero musical?
O sertanejo de raiz. O ouvinte nosso gosta muito desse lado aí. Essas músicas novas, universitárias são difíceis da gente tocar no meu programa, porque tem pouco pedido. Temos muitos pedidos, mas sempre é mais o sertanejo raiz, as duplas antigas dos bons tempos e músicas que nunca deixam de ser boas, basta você ver que ainda hoje a gente vê a molecada de carro com o som alto tocando Tião Carreiro, Lio e Léo, Zico e Zeca, Zilo e Zalo, essas duplas do passado.
O que mais te marcou em todos esses anos de rádio?
Ah, eu tenho muita coisa para contar, mas tenho uma apresentação que fiz em 88, na cidade de Mira Estrela, quando eu apresentei pela última vez o Tião Carreiro que me marcou muito. Tião Carreiro estava muito doente e ele trouxe o João Mulato pra cantar no lugar dele com o Pardinho. Aquilo lá me marcou muito, foi uma festa do povo de chapéu atolado, muita gente, no tempo que o Santo era o prefeito de Mira Estrela e eu estava carregando a Rádio Alvorada, naquele tempo o sistema de transmissão era muito complicado e aquele show me marcou muito, porque depois o Tião Carreiro não cantou mais.