Além da dificuldade em conseguir o montante, o tempo para isso também é curto. A ADVF precisa saldar a dívida em impostos até a próxima segunda-feira, 14, para regularizar sua situação e garantir que os R$ 830 por parte da Prefeitura de Fernandópolis e os R$ 2.740 do governo do Estado caiam na conta já em janeiro para manter a entidade assistencial de pé.
Uma alternativa, que seria o parcelamento da dívida, já não é mais possível, uma vez que débitos anteriores também estão parcelados. O que resta à ADVF, que atende 115 deficientes visuais é contar com a ajuda dos próprios munícipes de Fernandópolis.
O recurso público municipal é responsável pelo pagamento de uma auxiliar de serviços gerais que mantém o local limpo, já o recurso estadual é utilizado para arcar com os vencimentos mensais da assistente social e da secretária da entidade. O restante das despesas da ADVF é custeado com doações mensais da população, que variam entre R$ 500 e R$ 600.
O início do sofrimento da associação se deu com a série de cortes em repasses para entidades assistenciais feito pelo governo federal no início do ano. A ADVF foi atingida com o corte parcial em janeiro (e depois total em junho) do convênio junto à Secretaria de Esporte e Lazer do Estado de São Paulo, cujo valor era de R$ 150 mil anuais, que acarretou na demissão e três professores e o fim das atividades esportivas, que diga-se de passagem elevaram o nome de Fernandópolis. Os esportistas da associação ganharam praticamente tudo que disputaram tendo como destaque, por exemplo, o 1º, 2º e 3º lugar no Campeonato Paulista de Judô para Cegos em 2014, tendo o assistido Valdeci de Lima eleito pela Federação Paulista de Desportos para Cegos como “Atleta Revelação”, além da Corrida Inclusiva, que teve atletas da ADVF entre os três primeiros colocados nas três etapas realizadas no ano passado. Com o corte do convênio, os 70% dos assistidos que participavam das atividades esportivas, não só perderam a oportunidade de disputar as competições como também deixaram de participar das aulas de hidroginástica e de frequentar a academia.
Porém, ainda com o corte, a entidade conseguiu manter o professor de informática, de braile e de música por mais algum tempo. E o impacto que o fechamento da ADVF é maior ainda para os nove estudantes universitários da FEF que terão de abandonar a faculdade, que já fazem com grande sacrifício e dificuldade redobrada. Uma das alunas está no 3º ano de Psicologia.
Além dos 115 assistidos que tiveram de volta a dignidade com o surgimento da entidade, o fim das atividades deixará sete profissionais desempregados. “O que me deixa revoltada é saber que muitos não estão nem aí para os deficientes. É uma entidade pequena, que não dá mídia. Já enjoei de tentar ajuda com políticos como João Dado, Carlão Pignatari, Campos Machado, Itamar Borges, enfim, queríamos conquistar os selos de utilidade pública estadual e federal para, no mínimo, termos descontos com impostos, pois a carga tributária é que mais nos prejudica. Pagamos impostos como qualquer outra empresa e o acúmulo das dívidas oriundas desses impostos é que provocará o fechamento da nossa associação”, contou Célia Mafra, com os olhos marejados.
Com apenas dois dias (contados a partir de hoje, 12), Célia ainda tem um fio de esperança em conseguir saldar os quase R$ 15 mil, isso por conta do histórico de solidariedade de Fernandópolis. “Para falar verdade eu ainda acredito. Passamos por tantas dificuldades financeiras, a ponto de fechar e sempre fomos ajudados pelos munícipes. Nossa cidade é muito solidária e isso me faz acreditar até o fim. Tem dia que não temos nem café e surge alguém com alimentos para nos ofertar. Então, a ADVF é minha vida, batalho com ela há 15 anos e não vou desistir. Sei que minha transparência e trabalho sério têm contribuído com muitas doações que nos mantém de pé, e por isso, vou acreditar até o fim, mesmo apavorada com o fim do prazo”, disse Célia em tom de desabafo.
Com o fim iminente, já em janeiro, com as dívidas a serem saldadas e os impostos do mês corrente, a associação terá de se desfazer dos equipamentos do imóvel e comunicar os 115 assistidos que eles ficarão desamparados de janeiro em diante.
Até o momento, a ADVF conseguiu várias contribuições financeiras da sociedade, com um auxílio mais avantajado do deputado federal Fausto Pinato, do juiz de direiro Evandro Pelarin e do empresário Gustavo Sisto, que vai doar a bilheteria total do show da dupla Fred e Gustavo hoje, 12, no Bartopub.
Quem quiser contribuir com qualquer quantia que seja, a conta corrente da Associação dos Deficientes Visuais de Fernandópolis (CNPJ -04.229.694/0001_94), é 101664-4, da agência 6778-4, do Banco do Brasil.
Devanir Alves P. Filho, 38, assistido.
Perdi a visão há oito anos e estou na ADVF há seis anos. Aqui aprendi informática, braile e agora música. Meu sonho é ser percussionista. Nossa vida como deficiente visual já é difícil, e sem a ADFV ficaria bem mais difícil. Meu Passe Livre, por exemplo, só consegui porque foi feito por aqui. Tentei sozinho três vezes, mas ficava incorreto e voltava. Hoje, voltei ao meu peso ideal, pois estava muito acima, ando sozinho nas ruas e tenho minha independência.
José Bernardo Ferreira, 70, assistido.
A ADVF é uma grande coisa, aprendi bastante, instrumentos, academia, hidroginástica que hoje não tem mais por falta de ajuda. Sentimos falta disso tudo. E vai ficar ainda mais difícil se acabar tudo.
Igor Gabriel, 17, professor de música.
Trabalho aqui há 7 meses, dando aula para 40 alunos. Eles se esforçam muito para aprender a arte dos instrumentos e trabalhando com amor é mais fácil passar um pouco do que sei a eles. Se chegar a fechar, além de ficar desempregado, esses 100 deficientes ficarão desamparados sem essa diversão e distração.
Diego Alex de Siqueira, 24, assistido.
Hoje faço sistema de informação na FEF graças à bolsa de estudos que a ADVF conseguiu. Estou aqui desde 2000, quando a associação foi fundada e vou ficar muito triste se tudo isso acabar.
Michele Scavazinni, assistente social.
Trabalho na ADVF há quatro anos e sinceramente não sei o que vai acontecer com eles caso a entidade acabe. Para onde eles vão? Já são exclusos da sociedade, e se não tiver apoio pedagógico, orientação em mobilidade, informática, música, que preenche o dia deles, o que será deles? Este é meu primeiro emprego, e nem sei se estaria trabalhando se não fosse essa oportunidade.
Andrea Ruiz, 42, assistida.
Estou na ADVF há quatro anos. Faço aula de informática, de música, e recebo apoio pedagógico para auxiliar na faculdade de psicologia, na qual já estou no 3º ano. Aqui é minha segunda casa. E se chegar a fechar seria como se tirassem o chão debaixo dos meus pés.
Valdeci de Lima Souza, 42, assistido.
Sou deficiente visual há mais de 10 anos. Quando cheguei aqui, há seis anos, além de deficiente visual eu era usuário de drogas e pesava apenas 59kg e cheguei a perder meu casamento pelo vício. Hoje não tenho vício algum, seque de bebidas ou de cigarro. Hoje peso mais de 85kg e só tenho a agradecer a ADVF que nunca desfez de mim e sempre me acolheu. Além disso, quando cheguei aqui só tinha a 4ª série e hoje já estou na 8ª. Pretendo ainda me formar em educação física.
Sirlene Gasques, professora de braile.
Estou aqui há 10 anos, e aqui não é apenas um local de trabalho é uma realização de sonhos. A oportunidade de ver o progresso, as conquistas deles é gratificante. Todos têm sonhos. Para quem enxerga é mais fácil almejar os sonhos, mas para eles é através daqui que conseguem realizar os seus, como faculdade, trabalho, andar na rua com bengala...Ir e vir já é a realização de sonho. São 115 seres humanos buscando um lugar na sociedade para viver com independência. Não choraria só por mim pelo desemprego, meu temor é pelos alunos.
Gustavo Fontes Mafra, 26, assistido.
Estou aqui desde quando minha mãe fundou a associação. Um dos motivos de estar aqui é a oportunidade de aprender judô, braile, andar de bengala, usar o computador, tocar violão, fazer faculdade, academia, natação. Sem isso, eu teria de ficar em casa sem ninguém, sem faculdade, sem professora...
Sebastiana Guimarães, auxiliar de serviços gerais.
Estou aqui há dois anos, trabalhando registrada, que foi a única oportunidade de trabalho que tive assim. Fico aborrecida de saber da situação. Sei que lá fora tem outros empregos, mas não é igual a ADVF que ajuda tanto essas pessoas. Meu filho está aqui desde a fundação, e se fechar não dá para continuar a faculdade. É muito triste tudo isso.
Pedro Frigério, professor de informática.
Só convivendo aqui para saber um pouco da importância de cada um. Muitos descobriram o que é viver, sair de casa, conhecer pessoas. Nas aulas eu observo que a internet é de extrema importância a eles, uns fazem trabalhos, outros utilizam as redes sociais, conhecem pessoas. Inclusive em um dos cursos que demos, do “Via Rápida”, dois alunos se conheceram, trocaram afeto de amizade e hoje são casados. São coisas bacanas que ocorrem.
Márcia C. Bonfim, auxiliar administrativo.
Trabalho aqui há 5 anos. Foi onde aprendi muito e cresci como ser humano, vendo pessoas chegarem desacreditadas e obter progresso, um fio de esperança nas vidas, entrarem na faculdade, ter vida mais digna, serem reconhecidos como seres humanos normais. Nosso trabalho é simplesmente a coisa mais bonita que já vi. Preparamos eles para a vida, mostramos que a vida não acabou, E se acabar o projeto, quem vai acolhê-los? Ficarão em casa excluídos? O que será deles? Aqui não é uma empresa, é uma família.