Darci Romão: o espelho de como um conselheiro tutelar deve ser

20 de Agosto de 2025

Compartilhe -

Darci Romão: o espelho de como um conselheiro tutelar deve ser

A manchete da coluna de hoje reflete o que foi dito por mais de uma pessoa das que conviveram com Darci Romão Liberato nos oito anos (de 2008 a 2015) em que ele esteve frente ao Conselho Tutelar de Fernandópolis como presidente. Darci comandará o órgão até o dia 10 de janeiro, quando a nova diretoria eleita tomará posse. Nascido em Planalto-SP, no ano de 1949, ele veio para Fernandópolis em 1966 em virtude do êxodo rural, com a intenção de melhorar de vida, o que não ocorreu. Morando na cidade, continuou trabalhando na roça. Muito esforçado, ele conseguiu um trabalho no Cortume Cosari Couros Santa Rita, mas buscou voltar aos estudos no “Mobral”. Por reconhecerem a força de vontade invejável de Darci, as professoras Laurice Arruda e Wilian Rocca conseguiram colocá-lo na 5ª série do Ginásio Estadual da Brasilândia, até então com 21 anos. Ele ainda trabalhou no Unibanco por intermédio de João Cantarella e na Secol, por 10 anos, até se aposentar. Em 2007 foi eleito conselheiro tutelar, influenciado pela esposa Aparecida Donizete Guimarães Liberato. Atualmente ele integra a Orquestra de Violeiros de Fernandópolis e canta com o irmão na dupla Darci e Dorimar.

 

Após oito anos, o senhor está deixando o Conselho Tutelar. Estabeleça um paralelo entre o momento em que assumia pela primeira vez e o momento atual?

São completamente diferentes os momentos, quando assumimos um trabalho estamos com aquele pique todo, uma nova etapa na vida, um novo momento, e hoje estou saindo realizado de tudo que fiz aqui, talvez com a sensação de não ter cumprido corretamente o meu trabalho, mas sabendo que fiz o melhor, e que dei minha vida pelo Conselho.

Como define esses anos de trabalho em benefício a Fernandópolis?

Foi árduo, porém gratificante, oito anos de luta, de coisas que jamais imaginaríamos na vida e que nós vimos. Crianças jogadas na rua, adolescentes transtornados pela droga, porém tudo que foi da função do Conselho nós fizemos e agimos em cima da lei e de forma bastante transparente, sem prejudicar essa ou aquela pessoa.

De todas as vezes que precisou sair de casa de madrugada e no dia a dia como conselheiro, cite uma passagem que mais te marcou.

Havia uma adolescente na época, que quando recebi a ligação dela fiquei emocionado. Era uma pessoa de difícil convivência, estava transtornada pelos problemas dela e o acolhimento na Fundação Casa não foi por intermédio do Conselho. Quando a encontrei, levei para a Polícia, para a Santa Casa, passou por médico, avaliação, foi medicada e levada para a família, só que pouco tempo depois teve outros problemas e foi recolhida na Fundação Casa de Cerqueira Cesar e quando saiu foi para Rio Preto em uma clínica para tratamento. Após isso, próximo ao Natal, o telefone tocou e era uma ligação para mim. Ela me agradeceu por tudo que havia feito para ela e disse que jamais teria mudado de vida sem minha ajuda.  Respondi que ela conseguiu pela boa vontade dela, pelo desejo de mudança e eu fiz apenas meu trabalho, minha parte e ela me desejou felicidade. Estes jovens são pressionados externamente, até por traficantes, aí se sentem acolhidos aqui e esse tipo de situação é gratificante. É o que nos move.

Mais de 100 adolescentes foram apreendidos durante um baile funk, em Fernandópolis. Como chegaram até eles? Mesmo com tantos anos de trabalho isso ainda te surpreende?

Surpreende. Recebemos na sexta-feira, 20, por volta das 16h, um comunicado da Polícia Militar, que seria realizada essa operação após a meia noite e ficamos preocupados, pois não é comum esses bailes em Fernandópolis e tudo que é novo pode trazer problemas. E foi o que ocorreu. Por orientação da PM, chegamos na festa 40 minutos após abordagem  e nos deparamos com uma infinidade de adolescentes. Estavam todos sentados, homens para um lado e mulheres para o outro. Em três conselheiros, fizemos a qualificação de telefones da família e ligamos para todos. Alguns familiares buscaram no local e os demais levamos até o plantão e fomos entregando de casa em casa, que é nossa função. Já os responsáveis terão de vir aqui assinar um termo de advertência e compromisso de que isso tem que acabar, pois local de bebida e droga não tem que ter adolescente.

O Conselho já sofreu algumas críticas em relação a sua função na cidade. Qual a importância deste órgão em Fernandópolis?

O Conselho é a família substituta, pois diversas vezes não conseguimos entrar em contato com os pais. Alguns sequer atendem o telefone, outros casos o adolescente nem sabe o número ou omite até, passa endereço errado. Temos de pegar o adolescente, seja na delegacia, onde for e levar em casa, acordar o pai, a mãe e muitas vezes não somos compreendidos, agredidos verbalmente pela família e até sofremos ameaças.

Acredita que o Conselho Tutelar perdeu força ou pujança após a despedida do juiz Evandro Pelarin, que sempre atuou ao lado de vocês em tempos de Toque de Acolher?

De forma alguma. Vejo que nosso juiz da Vara e da Infância é tão atencioso quanto foi o Dr. Evandro. Lógico que temos de louvar a passagem dele por Fernandópolis, porém, não temos de questionar se foi pior ou se ficou melhor, pois o Dr. Arnaldo (Valderrama, juiz) é muito atencioso, o Marcelo (Antonio Francischette da Costa, promotor de justiça), mais ainda, e todo amparo que precisamos eles estão dando para o Conselho tranquilamente.

Como avalia essa medida do magistrado, que foi extinta por lei?

Eu vejo com certo receio, pois é complicado falar de algo que não vivemos no país, uma certa ditadura. Não posso impedir você de ir e vir, mas cada cabeça, uma sentença. Se o juiz tomou essa decisão é porque algo estava exagerado. Se ele colocou eixo, se melhorou e creio que tenha tido alguma validade. Eu particularmente, reconheço que não é uma boa impedir a ida e a vinda de ninguém.

E o trabalho conjunto com a PM? Continuou com a mesma intensidade?

Eu digo para você que a Polícia Militar é a maior parceira do Conselho Tutelar. Ela tem dado o maior suporte, temos feito nossa parte com eles e somos parceiros de fato tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil. Jamais recusamos atender ocorrência deles, pois quando precisamos, em casos de ameaças aqui na sede, eles chegam aqui em menos de cinco minutos para nos proteger.

Ainda que extinto, o Toque de Acolher ainda reflete nas suas ações diante do órgão? O rigor daquela época continua de forma velada?

Continua. Principalmente nesse baile funk, ouvimos reclamações de adolescentes que não entendem porque só aqui em Fernandópolis existe essas ações. Por aí não tem nada disso, tinha adolescentes de Votuporanga, de Santa Fé do Sul, enfim  e lá o Conselho não age dessa maneira. Vamos lá para dar suporte à Polícia apenas, principalmente no que diz respeito à localização da família.

Considera Fernandópolis uma cidade problemática no que diz respeito aos menores de idade indisciplinados e infratores?

De jeito nenhum, pelo contrário. Nossos adolescentes são muito bons. Temos atendidos casos fora de hora e adolescente tem nos respeitado até porque damos esse respeito a eles. Ninguém chega agredindo ou xingando ninguém. Tratamos dentro da normalidade e da proteção à criança e ao adolescente.

Na sua opinião, onde está a raiz do problema? Na Educação de fato?

Não. É na família. Para ser modesto, 90% das famílias têm pai e mãe separados. Ou o filho foi criado de um lado ou de outro, quando não com os avós. Então, a revolta já começa no berço. Dizem que tem direito de curtir a vida, que tem outras obrigações e esquece o principal que é o filho. Então, 90% das famílias não transmitem amor e carinho ao filho.

Onde o senhor acredita que os pais mais pecam em relação aos filhos?

Na educação doméstica. Acreditam que bater é a solução, e não é. Pai e mãe tem que dialogar com os filhos, acompanhá-los na escola. E não estão nem aí para nada. Não tem hora para voltar para casa. Os pais estão dormindo ou curtindo e quando chega em casa dá no que dá.

A desmaterialização do método educativo tradicional nas famílias, o qual o senhor conferiu de perto, tem influenciado para o atual momento de criminalidade entre crianças e adolescentes?

 Com certeza. Na minha época de adolescente mesmo, eu entendia o que meus pais queriam apenas com um olhar. Se eles estivessem falando com alguém e eu passasse no meio ou do lado, bastava um olhar e eu sabia que seria corrigido depois. Hoje as crianças passam por cima dos pais, atropelam todo mundo e acham que é normal. Minha educação de berço é diferente da de hoje. Tem pais que ainda educam dessa maneira, mas tem outros que está nem aí com nada.

O senhor já foi jogador de vários times da cidade e região, canta na igreja e lida com jovens na Orquestra de Violeiros, da qual faz parte. Como vê a importância da música ou então da prática esportiva para nortear o caminho do bem na vida dos jovens?

A minha vida de jovem e adolescente foi ladeada por futebol, era considerado um jogador mediano, enfim, cantava na roça e nunca imaginei que saberia tocar violão e nem tinha pretensão de aprender, mas peguei gosto pela música dentro da igreja. Hoje sei o suficiente para tocar na Orquestra e na minha dupla com meu irmão (Dorimar). Então, comigo eu sei que deu certo e tudo dá certo desde que a família pense dessa maneira e o Poder Público dê essa possibilidade. Quando vim para cá tinha campos de futebol, cada bairro um time e hoje em dia tem três ou quatro. Sabemos que o jovem menor de 16 anos não pode trabalhar, então, o que tem para ele fazer? Fica de cabeça vazia o dia todo. Estão à mercê da rua, sem espaço cultural ou esportivo para ele. Feliz de quem tem a oportunidade de pôr o filho numa aula de música ou escolinha de futebol, porque muitos não têm.

O que mais te trará saudade deste período que esteve frente ao Conselho Tutelar?

Saudade do dia a dia com meus amigos no Conselho, do trabalho com as Polícias, de estar no Forúm toda semana, conversando com o Dr. Marcelo, com o Dr. Arnaldo, dos professores, das pessoas, enfim, vou continuar em Fernandópolis e dedicar minha vida aos meus netos. O trabalho é uma consequência, mas tenho certeza que o tempo vai mostrar que cumpri meu dever e tudo que fiz aqui vai deixar saudade.

O que tira de aprendizado?

Vi coisas que jamais imaginei na vida. Essa foi a maior escola que tive na minha vida. Vou levar tudo para minha vida familiar. Hoje protejo minha família blindada, pois sei quantas crianças já sofreram na nossa cidade.

Com o perdão do trocadilho, qual o ‘conselho’ que você dá aos pais de crianças e adolescentes de Fernandópolis?

Amem seus filhos. Pais devem amar seus filhos. Filho amado vai amar também. O filho espancado vai retribuir isso lá na frente.