De acordo com o magistrado, a intenção do vereador era manipular as provas e testemunhos para obter o interesse almejado a todo custo: a cassação da prefeita Ana Bim.
“Salta aos olhos sua intenção vingativa e totalmente imune ao interesse público, pois ignorou padrões éticos e legais tentando manipular provas para obter o interesse almejado a todo custo, qual seja, a cassação da Chefe do Poder Executivo. Observo que em todas as oportunidades o citado requerido fez questão de enfatizar que a atuação da aludida CPI tinha por fim rixas políticas. Tal postura, inarredavelmente, denota perigo à instrução do presente feito”, ressaltou Melo Filho em sua sentença.
Para exemplificar o trecho narrado acima, o juiz transcreveu o testemunho e uma série de conversas gravadas entre Chamel e três testemunhas que iriam depor na CPI, onde segundo Dr. Renato, se demonstra intuito vingativo do edil por ter sido sujeito a processo de cassação. Veja nos quadros algumas das conversas citadas na sentença:
Chamel: Ah, vai querer me cassar? Oh, ‘péra’ lá, então tem alguns aqui que eu vou ‘falá’ pra vocês, que além de ‘cassá’ eu enterro. E se me tira eu pra fora, se me afasta, então ta’fudido’. (...). eu sou loco de intensa coragem...não duvida não! “Cê” viu do Vilar... sô foda, hein?! Igual aconteceu...já levei tiro, facada, já apanhei de sete, já bati também, vou falar uma coisa “pô” “ceis”...não tenho medo de nada não...não tenho medo de nada não. (...) Pra mim, eu faço a vida, sabe que eu tenho amizade viu, eu vou te falar viu, “oia” aqui...“tomá” um café com o Dimas Ramalho...“fala pro ceis”...Tribunal de Contas...se precisar de um “parecerzinho” dele lá, né...não tem...não tem, “manu”, a coisa “tá” fechada. Ela já foi atrás do Campos Machado () ...não, uai, no uai Tribunal de Contas, sabia que ele é era meu truta?
Testemunha (voz masculina) - Hum hum
Chamel: Entendeu, ‘truta’? ‘Que que’ eu ‘tô’ falando pra vocês, ‘truta’? Nós ‘tamo’ querendo a verdade. Politicamente ela vai ser julgada pela câmara. Eu já sei o final dessa história. Politicamente, já sei o final.
Testemunha (voz masculina) - Vai cassar, ()
Chamel: Não tem como, né gente?
Chamel: Mas e o pós...depois, depois de tudo isso?
Chamel: Não, pós é o grupo, ‘manu’. O que eu...o que eu ‘tô querendo conversar ‘co ceis’ não é questão de câmara municipal...câmara municipal é político.
Chamel: Já ta decidido, isso ‘nois’ já sabe.
Chamel: O que eu ‘go’..gosto ‘do ceis’...lembra que eu falei pro ‘ceis’...meu, num abraça. Lembra que eu falei pro ‘ceis’? ‘Num’ abraça. Outra, ‘ocê’ vê o que eles ‘tão’ oferecendo pra mim. O ‘Cueca’ ((Edson)) já me ligou, janeiro pra mim. Só que ele viu que não ia me cassar aí...que eu já tinha falado lá trás que eu ia fazer o requerimento da alimentação...ele tentou fazer paz e amor...amizade lá. Eu falei assim...ele ligou um monte de vez, um monte de vez pra mim. Aí eu falei...eu vou atender esse traidor...eu tenho ele na minha bina.
Silêncio...
Chamel: Fala traidor, vagabundo, que que ‘ocê’ ‘qué’, ‘secretarinho de merda’, que que é? Ah, não, Chamel e tal...e tal...tal...() teve um equívoco...tal...pê, pê, pê...’vamo’ ‘colocá’ uma pedra. A hora que ele falou da pedra...’colocá’ uma pedra em cima disso...’vamo’ se acertá’ eu falei: Oh, o negócio é o seguinte...eu não converso com traidor, entendeu? ‘Cê’ tentou me cassar, vagabundo! Oh, e outra...uma pedra eu vou sentar na sua cabeça, vagabundo, traidor, pá, desliguei. Uh, Edson (risada) não tem conversa comigo...tentou ‘mi’ cassar.
Silêncio...
Chamel: O Fausto sempre fala que ela é traidora, traidora, traidora...o ‘Cueca’ é traidor...o Marlon é traidor...tentou me cassar.
Silêncio...
Chamel: E os vereador ‘tudo lá’. Ele (Edson): “Oh, vereador, não fala assim.” Eu falei assim: “eu falo do jeito que eu quero!”
Silêncio...
Chamel: Acho eu eles ‘achou’ que iam me ‘cassa’, porque todo mundo então achou que ia me cassar.
Chamel: Eles ‘tinha’ certeza
Chamel: Eles tinham certeza. Eu só ‘oiava’. Eu falei: rapaaaaaaaz...
() Chamel rodava antes.
Chamel: Não é assim não. Se ‘cassá’ eu aqui, oh, vou ‘denunciá’ um de peculato, vai perder serviço, mandato. Vai ‘tê’ que devolver dinheiro pro município. Eu denuncio, ‘sô loco’...Tem vereador aqui que vai se ‘fudê’...conheço um a um...vai se ‘fudê’. Outro comprou chácara...levou a trave pra chácara dele...da...da escola. E ô...ô, rapaz, eu vou ‘catá’ um a um, eu corto a cabeça de todo mundo!
Silêncio
Chamel: Ah, vai querer me cassar? Oh, ‘péra’ lá, então tem alguns aqui que eu vou ‘falá’ pra vocês, que além de ‘cassá’ eu enterro. E se me tira eu pra fora, se me afasta, então ta ‘fudido’. Eu fora então eu sou um louco, eu sou um leão...’ta fudido’...eu sô de intensa coragem...eu...eu vou ‘pô pau’!
Chamel: “Tal postura, inarredavelmente, denota perigo à instrução do presente feito. Sendo assim, ao menos nesse momento, reputo serem graves e concretos os indícios de que o aludido réu repetirá o mesmo comportamento, colocando em risco a instrução processual. Aliás, agora com maior razão, já que ele ocupa o polo passivo da demanda e tem interesse direto e pessoal na produção de provas a seu favor. Por isso, seu afastamento do exercício do mandato de vereador do Município de Fernandópolis é medida de rigor”, concluiu o juiz.
O afastamento e a suspenção da CPI
O juíz Renato Soares de Melo Filho, determinou em sentença liminar, na terça-feira, 24, o afastamento cautelar de Rogério Pereira da Silva, Chamel, Francisco Arouca Poço, Chico Arouca e Gustavo Pinato de seus respectivos cargos de vereador, bem como o bloqueio de seus bens e do jornalista Luciano Donadelli, além da suspensão da CPI da Merenda, até segunda ordem.
A decisão do juiz se deu após ação civil pública movida pelo Ministério Público do estado de São Paulo, por meio do promotor Daniel Azadinho Palmezan, que apontou uma série de irregularidades na condução da Comissão Parlamentar de Inquérito, que é composta pelos vereadores afastados.
“No que toca ao réu Rogério Pereira Da Silva, à primeira vista, é possível concluir que, durante a tramitação da CPI nº 001/15, apresentou comportamento altamente desvirtuado daquele esperado de um representante do povo. Sua conduta, ao que tudo indica pelos elementos até agora colhidos, contrariou os ditames legais e constitucionais orientadores do exercício do mandato eletivo, bem como do poder fiscalizatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, o que me leva a concluir que sua permanência, por ora, no desempenho do mandato de vereador é completamente nociva à instrução probatória do presente feito”, afirmou o juiz sobre a conduta de Chamel.
Sobre Chico e Gustavo, o magistrado afirmou que os dois estavam imbuídos de interesses políticos e não públicos.
“De outro lado, a conduta dos requeridos Gustavo Ruy Pinato e Francisco Arouca Poço não é menos reprovável. Ambos, na condição de membros da CPI de nº 001/2015, imbuídos por motivos políticos e não pelo interesse público na real elucidação do superfaturamento na aquisição de merenda escolar, também intimidaram a testemunha Ana Paula de Souza Martins. Segundo ela, ouvida em sede de inquérito civil (fls. 1.898), “ (...). Após o meu depoimento na CPI os membros da comissão desligaram os aparelhos de gravação, ocasião em que o vereador Gustavo Pinato passou a me indagar de forma intimidativa a dizer o que eu sabia na realidade do que estava acontecendo de errado (...). Ora a conduta de desligar os aparelhos de gravação e ainda assim continuar a inquirição da testemunha de maneira intimidativa se mostra no mínimo ardilosa, trapaceira e indecorosa. Enfim, absolutamente contrária aos ditames constitucionais e legais que norteiam a condução de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Com base nas provas encartadas aos autos até o presente momento, entendo que Francisco Arouca Poço agiu em coautoria com os demais integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito presentes na oitiva da citada testemunha (fls. 1.400), pois, ao omitir-se, assentiu com o desligamento dos equipamentos e permitiu a ilícita continuidade dos questionamentos por Gustavo Ruy Pinato”, completou o juiz.
Ainda sobre Gustavo Pinato, o juiz afirmou que ele ignorou por completo qualquer princípio constitucional e moral.
“Por sua vez, Gustavo Ruy Pinato, aproveitando-se do status de presidente da comissão parlamentar de inquérito e da fragilidade inerente à condição de testemunha, ignorou por completo qualquer princípio constitucional e moral, e continuou a inquirir Ana Paula de Souza Martins de maneira constrangedora. Ora, é evidente que os questionamentos perpetrados após o desligamento dos equipamentos seriam comprometedores, caso contrário, poderiam ser registrados. Por óbvio, Gustavo Ruy Pinato e Francisco Arouca Poço almejavam a manipulação da prova com o fim de alcançar o objetivo espúrio daquela investigação, qual seja, a cassação da prefeita sem qualquer critério legal. Logo, a presença de ambos nos quadros da Câmara Municipal representa patente perigo à instrução do presente feito, pois aproveitando-se do poder que o exercício da vereança lhes proporcionava não mediram esforços ilícitos para alcançar seus interesses, o que me leva a crer pela possibilidade de reiteração do comportamento, vale dizer, nova manipulação de informações e coação de testemunhas importantes ao deslinde do presente”, concluiu.
Já o jornalista Luciano Donadelli é acusado de também ameaçar testemunhas.
“Ao que se extrai dos depoimentos das testemunhas Ana Paula de SouzaMartins (e Arnaldo Luís Pussoli, Luciano os pressionou a colaborar com os interesses impudicos dos demais requeridos. Tanto é que tentou constranger o vereador Arnaldo Luís Pussoli a votar favoravelmente ao relatório da CPI sob a ameaça de veicular notícia pejorativa e comprometedora de sua carreira política. Um verdadeiro achaque. Já em relação à testemunha Ana Paula de Souza Martins foi mais audacioso, inclusive a ameaçando com a possibilidade de privação de liberdade”, destacou o juiz.
“A sociedade não ficará desamparada quanto à apuração de eventual malversação de dinheiro público”, afirma o juiz Renato Filho
Ainda de acordo com o magistrado, o afastamento dos membros da CPI e sua suspenção não impedirão a investigação das denúncias de superfaturamento, uma vez que o Ministério Público já abriu inquérito para apurá-las.
“Aliás, tenho por bem registrar que o afastamento dos requeridos não traduz qualquer benevolência com eventuais irregularidades perpetradas na aquisição da merenda escolar pelo Município de Fernandópolis. Ao contrário, tem por fim, justamente, garantir uma investigação pautada nos ditames legais para que se possa viabilizar a rigorosa punição dos culpados, se o caso. Acrescente-se, portanto, que tal medida não implicará prejuízo à investigação, pois eventuais irregularidades já estão sendo investigadas pelo Ministério Público nos autos do Inquérito Civil nº 14.0264.0000926/2015-2. Leia-se, a sociedade não ficará desamparada quanto à apuração de eventual malversação de dinheiro público.Contudo, da maneira como os requeridos conduziram a CPI de nº 001/2015, em tese, restaria impossibilitada uma resposta jurídica à população fernandopolense. Logo, o afastamento é medida de rigor”, completou.
Delegação ilegal de poder aos advogados
“A situação é absurda e poderia ser equiparada à contratação, pelo Poder Judiciário, de advogado para inquirir testemunhas no lugar do juiz. Veja-se, inclusive, que jamais houve precedente semelhante em outras esferas, como a Federal (isto é, desconhece-se que algum Advogado tenha feito as vezes de deputado inquirindo testemunhas em CPI). Portanto, com base nas provas colacionadas até o presente momento processual é possível concluir pelos fortíssimos indícios de ilegalidades na condução da Comissão Parlamentar de Inquérito de nº 001/2015, no que tange à inquirição de testemunhas. De mais a mais, soma-se aos atos injurídicos praticados pelos requeridos Gustavo, Rogério e Francisco a viabilização de acesso a documentos e informações sigilosas ao réu Luciano”, frisou.