A médica fernandopolense Luisa Cherubini Aguilar retornou essa semana de uma missão humanitária na África, a qual ela mesma intitulou como transformadora. Ela embarcou para Moçambique no dia 25 de outubro e desde então conviveu e aprendeu com a triste realidade de um dos povos mais sofridos do planeta. Luisa, que é filha do advogado José Luis Cherubin Aguilar e da comerciante Marilisa Gomes Lembo, buscou por iniciativa própria conhecer a realidade da parte mais pobre do mapa terrestre, em busca de experiência para aperfeiçoar ainda mais o trabalho como médica. No entanto, acabou trazendo na bagagem muito mais do que isso, trouxe consigo uma lição de vida e o desejo de cada vez mais poder ajudar as pessoas, algo essencial para um médico.
Primeiramente, por que decidiu encarar essa missão?
Sempre quis conhecer a África. Sentia que tinha uma necessidade especial naquele lugar, como se fosse resgatar algo que há muito tempo havia perdido.
O que ela representou em sua vida?
Fui realmente achando que iria atuar como médica, mas quando cheguei, vi que a ajuda que levei foi tão insignificante perto daquelas pessoas, perto do amor e da paz que eles me transmitiram, me senti tão pequena em relação a elas. Essa viagem me fez crescer como profissional, como pessoa e me fez aprender a olhar as coisas com carinho. Me fez colocar o coração na frente da razão.
O que muda na carreira de uma médica uma visita como essa?
Olha, a mudança é extremamente significativa, eu percebo nitidamente como mudei. Querendo ou não, nós médicos trabalhamos em lugares que muitas vezes nos deixam extremamente abalados emocionalmente e acabamos por ficar frios. A palavra não é ficar frio e sim se blindar com tudo que vemos, para sofrermos menos, para não ser tão desgastante. Acabamos, com isso, não dando a atenção necessária que cada pessoa precisa e isso não é o certo. A missão abriu meus olhos para essa realidade.
De alguma forma estar presente nesse país te fez entender, genuinamente, o valor de sua profissão?
Sim. A África é um país rico, mas infelizmente ele é extremamente dividido entre quem tem condições e quem não tem. Fiquei em Moçambique e depois fui para Beira, uma cidade, assim como tantas cidades africanas, totalmente desprovida de tudo, sem saneamento básico, não tem uma água potável, não tem infraestrutura de saúde, não tem nada! E lá pude ver que a medicina é uma profissão abençoada por você precisar apenas de seus olhos, sua cabeça e suas mãos para um diagnóstico, pois lá é a única coisa que temos.
Cite uma passagem ou algo que ouviu que retrata puramente a necessidade daquele povo?
Atendi um dia uma menina de 15 anos em um povoado, sua aparência era de 11, totalmente desnutrida, judiada, você via o sofrimento em seus olhos. Antes de perguntar o que estava acontecendo, ela começou a chorar, a minha única vontade era abraçá-la e falar que ia ficar tudo bem. Foi o que fiz. Pedi um teste de HIV o qual veio positivo, entramos com retrovirais e outras medicações. Mas o que mais me marcou, foi quando coloquei ela deitada em uma esteira no chão e pedi para uma amiga lhe oferecer leite, que era a única coisa que tínhamos ali e ela recusou. Daí levantei e fui falar com ela, perguntei porque ela não queria tomar o leite, que era bom, que era para sua alimentação, só que senti que ela estava com vergonha sabe, intimidada com aquilo. Dai perguntei: você sabe o que é leite, você já tomou? Ela me respondeu: tia eu só tomei leite duas vezes na minha vida. Isso me chocou muito.
O cenário que você encontrou lá era o que imagina quando decidiu partir nessa missão?
Não, o cenário é muito pior. Muita pobreza, muita fome, muitos desabrigados. Mas mesmo assim é um povo feliz, que dança, canta e dá risada o tempo todo.
Em sua opinião, seria uma boa ideia que cada estudante de medicina fizesse uma excursão como essa para conseguir seu diploma?
Olha, no meu ponto de vista sim. Aprendi a dar valor em muitas coisas que para mim eram insignificantes, além de ter um crescimento interior maravilhoso.
O que mais te marcou?
As crianças. Elas têm uma gana muito grande por comida. Lá, manga é nativa, quando cai uma manga no chão é como se aqui estivesse estourado esses ‘bexigões’ de festa de criança, sabe quando as crianças correm para pegar o doce? Então, lá eles fazem o mesmo, mas por uma manga no chão.
O que é necessário para mudar aquela situação?
O governo poderia intervir, mas lá eles fecham os olhos, não tem infraestrutura básica alguma. Mas, o pouco que tivesse de saúde e educação já seria uma grande melhora.
Conversou com seus companheiros de viagem? O que eles disseram dessa experiência?
Que não será a única. Todos querem voltar.
O que sua família achou da sua iniciativa?
Meus pais ficaram orgulhosos, foi o que senti.
Do que mais sentiu falta no Brasil, enquanto estava na África?
Lá eu sentia falta de água quente. Porque eu passo muito frio e como não tínhamos energia, nem chuveiro tomávamos banho de balde. Pegávamos um balde, puxávamos água do poço e tomávamos banho de caneca. Mas no segundo dia já tinha acostumando e ficou tudo bem.
Do que sentirá saudade na África?
Do amor e da paz que aquelas pessoas me transmitiam diariamente.
Cumpriu sua missão?
Cumpri sim, não totalmente, pois quero voltar mais vezes. Como já tinha dito, fui lá levar medicina, achando que faria muito e quem foi a pessoa mais realizada foi eu de poder sentir o amor e a paz daquele lugar. A frase que disse para minha mãe, que fico emocionada em dizer, é que lá aprendi o que é amor de Deus, lá eu senti de verdade o que é isso e voltei com meu coração curado.
Então você pretende voltar um dia?
Sim, pretendo voltar sempre que puder. Vou fazer de tudo para voltar todo ano.