O que para a maioria seria algo impossível, para o advogado Welson Olegário sempre houve um fio de esperança. Em 2011 uma acusação de estupro à uma menina de apenas seis anos chocou a pequena cidade de Macedônia. O acusado: um senhor de 70 anos, patrão dos pais da criança. Tudo apontava para uma condenação fácil por estupro de vulnerável, como de fato ocorreu na 1ª Vara Criminal de Fernandópolis. No entanto, o trabalho do advogado fernandopolense, ex-professor do curso de Direito da Unicastelo e especialista em Direito Penal, Welson Olegário resultou na reversão da condenação junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Isso só foi possível graças a uma sustentação oral do jurista, que provou por meio de sua tese, que não havia provas suficientes, além de elencar o perigo que representa para a sociedade condenar alguém com base apenas na fala de uma vítima vulnerável.
Como conseguiu reverter um caso que para muitos advogados era tido como perdido?
Devemos lutar por aquilo em que acreditamos sempre. Foi um grande debate perante o TJ/SP, envolvendo grandes doutrinadores do Direito Penal Brasileiro. Na primeira sessão de julgamento, após sustentação oral, terminamos perdendo por 2 votos a 1, mas, houve um pedido de vista do 3º Desembargador prorrogando o julgamento. Na segunda sessão do julgamento prevaleceu nossa tese, o réu sagrou-se vencedor por 2 votos a 1, revertendo-se o resultado. A justiça prevaleceu, ganhou a sociedade, a verdade.
Qual foi a tese utilizada pela defesa?
Basicamente, ausência de fato típico; ausência de prova pericial especifica por quem detém especialidades na área psicológica; ausência de vestígios físicos; não apreciação de todo o conjunto probatório e, com maior ênfase o perigo que representa para a sociedade condenar alguém com base apenas na fala de uma vítima vulnerável, a luz do direito penal; a insegurança que isto ocasionará nas relações sociais, em especial para os réus com parcos recursos que não podem custear um embate em segunda instância.
Pensou duas vezes antes de aceitar o caso?
Por se tratar de crime hediondo a cautela e a prudência me levaram a profunda reflexão e análise material do caso para, só então, convencido da situação de fato e de direito, aceitar o patrocínio da causa. Prevaleceu o instinto de luta para a correta aplicação da justiça.
Para o senhor, a legislação é falha quando o assunto é estupro de vulnerável?
A legislação quando tratou do estupro de vulnerável quando não há indícios de prova material (que o crime tenha realmente ocorrido, com prova efetiva de vestígios físicos) é falha. É que deu a legislação especial relevância à palavra da vítima. Deixou, então, a cargo do juiz, no livre exercício do convencimento motivado a possibilidade de aquilatar a ocorrência ou não do delito. É perigosa essa possibilidade, especificamente por falhas humanas de interpretações ou até incapacidade do julgador à mingua de outros indícios quando elementares do delito.
Quais foram as falhas no julgamento de seu cliente especificamente?
Não diria falhas, mas, lamentavelmente, inobservância de princípios basilares que regem o processo penal, tais como: interrogatório da vítima de forma a induzir nas suas respostas, sendo possíveis impressões alheias, posto que, a narrativa da depoente estava na terceira pessoa; ausência de perícia psicológica por quem tem especialidades e, no exercício do livre convencimento motivado, ausência de análise de todo o conjunto probatório, entre outros.
Seu cliente pretende processar o Estado por danos morais?
No momento, ele está se recompondo com sua família. Não me disse o que pretende, doravante. De qualquer forma, nossa atuação do caso se exauriu após o julgamento.
O que ajudaria a evitar a condenação de inocentes em casos como esse?
Quando não há elementos materiais de que o delito tenha realmente ocorrido, isto é, vestígio físico, testemunha ocular, etc, penso que, como ocorre em outros países, esta lacuna poderia ser facilmente suprida com a realização de perícia psicológica investigativa abrangente por quem tenha especialidades, pois, esta demonstra ser necessária com integração de diferentes fontes de informações e indicadores. Só valorizar a palavra da vítima como tem admitido esporadicamente a jurisprudência é perigoso, leviano até. Este é o nosso entendimento doutrinário.
Tendo em vista que no mundo jurídico as testemunhas são as prostitutas das provas, como é possível aceitar que apenas o depoimento da vítima seja crucial na decisão de mandar uma pessoa para cadeia?
Esta é a questão. Na letra da lei e aceno da jurisprudência, a palavra da vítima no estupro de vulnerável se reveste de verdade absoluta. Repita-se que, quando não há evidencias ou vestígios físicos da ocorrência do delito, isso é inadmissível no direito penal, pois, não se coaduna com juízos hipotéticos e superficiais, é preciso estruturar o decreto condenatório em robustos elementos de prova que devem existir no processo, para se aquilatar a real participação do agente na prática da infração penal, ou seja, deve-se escudar no conjunto probatório: testemunha, perícia de vestígios físicos, pericia psicológica et ali. Não só a palavra da vítima.
A falta de efetivo nas polícias - Civil e Científica - prejudica investigações como essa, que acabam se baseando apenas em depoimentos?
Nossas Policias, são em regra até bem preparadas. O problema surge quando precisamos lançar mão de fatos não provados fisicamente, e fatalmente caminha para o lado emocional, uma vez que tudo na vida do ser humano, mas tudo mesmo, se manifesta primeiro no campo emocional, psíquico, para só então desaguar no campo material, da razão ou superando os limites da razão. Aí, até pela própria evolução das tipificações delitivas, a falta de profissional com especializações especificas prejudicam sim as investigações e o julgamento propriamente dito.
Acredita que os juízes acabam sendo influenciados sentimentalmente em alguns desses casos, afinal, muitos deles são pais de família? Até onde vai a jurisprudência?
Não só os juízes, mas todos, pelo próprio caráter hediondo deste crime. Influencia o advogado, o Ministério Público que quer a justiça a qualquer custo, a sociedade, todos sofrem. O juiz não é onisciente, daí para se evitar isso deve levar em consideração todos os elementos existentes no mundo dos autos, mas o sentimento não. A jurisprudência é oscilante ainda nesses crimes, tende a se consolidar.
Como foi sua noite de sono no dia que antecedeu o julgamento em primeira e segunda instância?
Toda a tramitação foi angustiante. De um lado a infante que se disse vítima de tamanha brutalidade, de outro lado, um quase septuagenário, evangélico, trabalhador, honrado, caridoso. Um paradoxo. Todos em evolução, cheios de mazelas, dores, esperanças, conflitos. No meio, a grande dama cega que aprendemos a venerar, a Sra. Justiça, que deve prevalecer sempre. A noite de sono? Ela não existiu, se perdeu no tempo.