O Circuito Cultural Paulista, como diz o próprio nome, leva cultura gratuitamente aos quatro cantos do estado de São Paulo. São apresentações, shows, peças teatrais e atrações que talvez jamais poderíamos presenciar sem o programa estadual, em parceria com os municípios que têm interesse em levar cultura a sua população. E é por causa deste programa que os fernandopolenses poderão se deleitar com uma das vozes mais bonitas da atualidade. A cantora Luê, se apresenta em Fernandópolis no próximo dia 11, no Teatro Municipal Merciol Viscardi e traz na bagagem um repertório capaz de emocionar e arrepiar até quem está acostumado com as canções de Gilberto Gil, Caetano Veloso e companhia. A atração, imperdível segundo os críticos, está marcada para às 20h. Em entrevista ao CIDADÃO, a cantora traz relatos do início de sua carreira, sua linha musical e opiniões sobre a música brasileira em geral.
Já conhecia ou tinha ouvido falar de Fernandópolis antes de saber que aqui se apresentaria?
Já tinha ouvido falar sim, mas ainda não conheço. Essa será a minha primeira vez na cidade.
Após o lançamento de “A fim de onda”, seu trabalho ficou conhecido em todo território nacional. Como é conhecer o país inteiro através da música?
É gratificante. Viver de música no Brasil não é uma tarefa fácil, principalmente no tempo que estamos vivendo hoje, quem escolhe esse caminho o faz porque ama, porque não consegue se ver sem a música, então, para mim, ter circulado em tantas cidades legais, algumas que inclusive nunca tinha visitado, com o meu primeiro disco, como uma cantora recente, foi e está sendo muito importante para mim.
O público do interior está mais acostumado com o chamado “sertanejo universitário”. Sente uma certa resistência em relação à sua música em cidades como Fernandópolis, por exemplo?
Talvez sim, num primeiro momento. Porque sinto que as pessoas geralmente são um pouco desconfiadas com aquilo que não conhecem, com o que para elas é novo, e isso é normal. Recentemente fiz shows em Bauru e São João da Boa Vista e o cenário era o mesmo, as pessoas não conheciam o meu trabalho e foram chegando aos pouquinhos, meio desconfiadas, mas ao mesmo tempo curiosas e então foram chegando mais perto, se permitindo ouvir o som que a gente tocava, em pouco tempo estávamos conectados. Para mim ver todo esse processo acontecer é uma delícia e acredito que o mesmo pode acontecer em Fernandópolis. Não vejo a hora de nos conhecermos.
Falta espaço na mídia para o seu gênero musical?
Bem, respondo com uma pergunta: O que é o meu gênero musical? Onde se encaixa a música que eu faço? Eu mesma não sei responder ou encaixotar em um determinado “estilo” por que acho que quando a gente define a música ela se limita (e música é tudo, menos limitada). Penso que isso talvez cause uma certa estranheza à própria mídia. Espaço há, mas acho que o que falta é oportunidade à música independente e diferente do mais comum.
Qual sua análise acerca do atual momento do cenário musical onde a cada dia um novo artista se torna famoso do dia para a noite e de repente cai no ostracismo após a música não ser mais novidade? A que se deve essa a efemeridade do sucesso?
Acho que isso se dá um pouco pelo momento que a gente vive hoje. A minha visão é que vivemos num mundo onde a informação é passada de forma muito rápida, as vezes difícil de acompanhar, a linguagem, a forma de comunicar é direta justamente para informação ser passada com velocidade, uma atrás da outra, num ritmo frenético sem fim. Vejo pessoas cada vez mais apressadas, porque afinal quem não acompanhar o ritmo fica para trás, e com isso vamos ficando mais rasos, com preguiça de nos aprofundarmos de verdade nas relações (sejam elas quais forem) e nas nossas próprias vidas e anseios. Acho que a música também sofre as consequências desse imediatismo. Essa música que fica famosa da noite para o dia e depois cai no ostracismo, como você falou, é legal também, se tem gente ouvindo e gostando, ela faz sentido. Mas logo ela se torna cansativa, porque talvez falte aprofundar um pouco, talvez falte essa coisa que a torne eterna. Vai saber, música tem mesmo os seus mistérios.
Em tempos não tão distantes os artistas conseguiam emplacar vários sucessos de um CD e hoje em dia a música em si é mais importante que o próprio artista, visto que o público nem sempre conhece os intérpretes da canção. A que se deve esta inversão de valores e o consumo exacerbado da música enquanto produto?
Acho que aqui cabe um pouco da resposta à pergunta anterior. A música tocou na rádio? Tocou na novela? Pronto, chegou até as pessoas, o que é ótimo. Mas, a partir daí, é como se aquele artista só tivesse aquela música. Poucas pessoas hoje param para saber a história da pessoa por trás da canção, ou mesmo para ouvir um disco inteiro e entender o que está sendo dito ali. Dá preguiça, demora, não dá tempo. Acho que vai do interesse de cada um fazer diferente.
Como foi o início da sua carreira?
Bem, foi desafiador. Eu estudava direito e detestava, ao mesmo tempo eu tocava violino em orquestra e era o que me salvava de algum jeito, mas ainda não me satisfazia. Lá dentro de mim, mas bem lá dentro mesmo, existia uma vontade de cantar, só que eu era muito tímida e nem dava muita atenção, não conseguia me imaginar num palco me comunicando com uma plateia. Deus me livre. Então comecei a cantar bem aos pouquinhos nas rodas de violão da minha família e vi que todo mundo começou a prestar atenção e a me incentivar, depois foram meus amigos e então comecei a cantar em bar para ver se era isso mesmo que eu queria. E era, mas não mais em bar e fui atrás de fazer o meu show em outros lugares, com as músicas que eu gostava de cantar e não as que as pessoas conheciam. A coisa foi acontecendo, comecei a viajar para tocar em outros estados e isso me fez abandonar o direito. Logo depois veio a oportunidade de lançar o meu primeiro disco através de uma plataforma muito importante para nossa música hoje, o Natura Musical. Agora eu estou de voltada para a produção do meu segundo disco e continuo com a sensação de estar começando, realmente estou. Esse friozinho na barriga é emocionante.
Você é do Pará, terra do Carimbó, Calypso e do Técnobrega. Como foi sair com um estilo musical totalmente diferente do que era visto por lá?
Na verdade, o Pará é muito mais do que a terra do Carimbó, Calypso e Tecnobrega. Somos também guitarrada, merengue, xote, boi-bumbá, etc, etc. Não sinto que meu disco seja musicalmente muito distante dessa atmosfera, na verdade, nele existe sim a cumbia, o zouk e a guitarrada, o que o traz para perto desses ritmos comuns no Pará, mas tenho também outras influências tanto da música brasileira quanto da música “gringa”, como Novos Baianos, Caetano Veloso, Gil, Nação Zumbi, Led Zeppelin, Pink Floyd, Bob Marley, e tantos outros. Acho que no resultado final do disco essas referências todas acabaram se juntando, trazendo a ele uma linguagem mais universal.
Aliás, como você vê a cena musical em seu estado?
A cena musical no Pará é efervescente. O tempo todo tem gente nova aparecendo e produzindo, mesmo com a dificuldade que está sendo hoje contar com política cultural e incentivo do próprio Estado. Penso que a cultura é toda a identidade de um povo, tem a ver com valores e princípios, por isso, não pode jamais ser deixada de lado. Ainda assim, a cena segue criativa, quente e viva, todo o tempo tanto na música, quanto no teatro, culinária, artes visuais, etc.
Em quais músicos você se inspira?
Depende do momento. Tem me inspirado muito, há um tempo já, uma cantora paulista chamada Juçara Marçal, pela voz maravilhosa e potente, pelo jeito visceral de cantar e interpretar, e também tem essa banda chamada Wild Belle, de Chicago, que eu não consigo parar de ouvir há tempos e que para mim é uma referência para o meu som. Mas sempre me inspira ouvir Gal, Caetano, Gil, Baby do Brasil, a lista é grande.
Você já cantou ao lado de grandes artistas. Com quem você mais se orgulha de ter dividido o palco e com quem ainda sonha dividir?
Me orgulho muito de ter dividido o palco tantas vezes com um grande artista chamado Junior Soares, meu pai, da banda Arraial do Pavulagem, que tem essa missão de pesquisar e difundir os ritmos populares não só comuns no Pará, mas no Brasil como um todo. Dividir o palco com o Otto também foi muito feliz para mim, antes de resolver ser cantora eu já era fã do trabalho dele então, quando cantamos juntos foi alegria total. Ah!, eu sonho em cantar um dia com Alceu Valença, que sempre foi uma grande referência para mim.
Quais dicas a artista Luê daria aos jovens fernandopolenses que sonham em ingressar no mundo da música?
Acho que é importante saber que viver de música não é fácil, como eu disse antes. É trabalho, é acordar todo dia e pensar no que você pode fazer para movimentar sua carreira, é gravar discos, é correr atrás de patrocínio ou fazer na garra mesmo, é dar a cara à tapa e é ter coragem. Mas é puro amor e é tão gratificante que tudo faz sentido. Então acho que se você tem o sonho de se jogar na música, se jogue de uma vez, sabendo que é um caminho incerto, mas que cada minuto desse caminho vale a pena.
Muda algo em seu repertório para se apresentar em praça pública, por exemplo, e num teatro, onde as pessoas estão sentadas contemplando a apresentação, mais artística do que de entretenimento?
Sim, às vezes mudamos uma ou outra música por conta do local, se é festival com muitas bandas ou não, se o show é longo ou mais curto, etc. Essas coisas em geral ajudam na escolha do repertório.