No dia de seu aniversário, Fernandópolis ganha de presente mais um capítulo de sua história, só que em forma de livro. As professoras e historiadoras Rosa Maria de Souza da Costa, a Rosinha, e Perpétua Maria Marques de Matos Malacrida, a Péta, escreveram um livro com a história da Paróquia Santa Rita de Cássia e irão entregá-lo hoje, 22, à população, durante a missa em homenagem à padroeira da cidade, marcada para às 9h. A obra, que levou quatro anos para ser concluída, traz como personagens os próprios paroquianos que vivenciaram o “nascimento” e a evolução da maior paróquia da região. Conhecendo as autoras como a maioria da população fernandopolense conhece, a leitura do livro se torna indispensável.
De onde surgiu a ideia de fazer o livro?
Rosinha: O bispo da Diocese de Jales pediu para que todas as paróquias que respondem a ele escrevessem uma história sobre si. A Paróquia Santa Rita de Cássia então criou uma comissão para cuidar disso e eu fazia parte dela. Fizemos uma reunião entre os membros e depois convidei a Péta para me ajudar. Foi então que decidimos que ao invés de escrever apenas uma história iríamos fazer um livro com um levantamento histórico da Paróquia.
Quais foram os principais desafios que as senhoras encontraram na produção do livro?
Péta: Logo quando foi definido que o livro seria feito, o padre pedia durante a missa para os fiéis levarem fotos, materiais, etc. No primeiro momento encontramos muita resistência nisso, pois as pessoas não entendiam que elas eram os personagens. Como todos estavam acostumados apenas com a história factual da igreja, ninguém se achava o sujeito da história e então não levavam esse material. Só que na medida em que começamos a pegar os primeiros depoimentos e produzimos as primeiras páginas do livro, as pessoas começaram a entender o propósito e passaram a colaborar com fotos e depoimentos.
Qual a ligação das senhoras com a igreja?
Rosinha: Somos católicas, mas se disséssemos que somos paroquianas assíduas estaríamos mentindo. Entramos nesse trabalho, claro que também pela igreja, mas principalmente por sermos historiadoras.
E o fato de não estarem tão ligadas à igreja ajudou no desenvolvimento dos trabalhos? Afinal, se estivessem mais envolvidas, talvez não olhariam com imparcialidade para os fatos.
Péta: Nossa visão é uma visão de fora da igreja. O historiador, mesmo quando está envolvido com determinada situação, ele precisa ter ética para poder se distanciar do objeto que está estudando, mas lógico, da medida que estamos um pouco mais distantes do cotidiano da igreja encontramos mais facilidade para tocar em temas que muitos não gostariam de tocar, como é o caso do período da teologia da libertação de Fernandópolis, época do padre Sartim, padre Mário, pois hoje a igreja segue a conferência da Aparecida.
A história de Fernandópolis está diretamente ligada à Paróquia de Santa Rita?
Rosinha: Está. A paróquia é de 1943, enquanto as vilas que deram origem a Fernandópolis foram fundadas em 1938, Brasilândia e 1939, Pereira. Nesse meio tempo, Brasilândia conseguiu um cartório e passou a ser distrito. Na disputa política que todos já conhecem, Pereira não quis ficar para traz e brigou para sua elevação à paróquia, o que depois se consumou em 1947.
Péta: Um marco desse período foi a chegada dos padres holandeses, que tiveram uma importância muito grande na formação e na vida da comunidade fernandopolense. Todos que entrevistamos sobre a história da igreja se lembram deles, até porque eles desenvolveram um belo trabalho, não apenas na questão religiosa, mas também social. A ação dos padres holandeses era tão importante e reconhecida que quando chegava um novo vigário à cidade, as autoridades iam recebê-lo e os levavam para uma volta nas principais ruas da cidade para que a população os conhecesse.
Rosinha: O catolicismo aqui sempre foi aglutinante, ele é que aglutinava as pessoas, na reza, nos terços, posições, novenas, enfim, a igreja era praticamente responsável pela vida social na cidade, até porque o que tínhamos à época para se fazer eram os terços, quermesses e outros eventos diretamente ligados à igreja.
Péta: De certa forma a igreja também era a reguladora da vida social de Fernandópolis, por exemplo, as mulheres solteiras tinham que usar véu branco, as casadas de véu preto, as mulheres não podiam ir de calça comprida na igreja e nem de saia, apenas vestidos e daqueles bem recatados, pois calça comprida era só para homens. Resumindo, tudo o que não era considerado pecado estava ligado à igreja.
Quais são os principais personagens do livro?
Péta: Os paroquianos. Foram eles que vivenciaram o período e eles é que podem retratar o que acontecia à época. Porém, além da gente trabalhar com a memória dos que vivenciaram tudo isso, conseguimos um grande acervo de fotografias que também nos contam a história da paróquia.
As senhoras pensam em obter algum retorno financeiro com a venda do livro?
Rosinha: De forma alguma. Primeiro gostaria de esclarecer que não se trata de uma obra acadêmica, onde temos que fazer tudo de acordo com as normas da ABNT, nossa pretensão é retratar a história da cidade. Queria deixar isso claro, pois até mesmo nos livros da cidade, algumas pessoas colocaram defeito depois de pronto, na hora de fazer, poucos se propuseram, mas na hora de colocar defeito, um monte apareceu.
Péta: Todo o nosso trabalho, de mais de quatro anos, para a produção do livro foi doado a igreja, então, o livro não é nosso e sim da igreja. Foram mais de 300 depoimentos retratados em quase 400 páginas e várias fotos e isso pertence a igreja, todo o dinheiro que for arrecadado com a sua venda será utilizado na manutenção das obras sociais da paróquia. Podemos não ser daquelas paroquianas mais atuantes, mas não fizemos esse trabalho visando lucro e sim para retratar a história da cidade.
Há algo no livro que pode nos ser adiantado?
Rosinha: Tem um trecho muito interessante da história da paróquia que está diretamente ligado ao pensamento popular. A igreja que hoje é a matriz foi construída em volta da capela que já existia. Foi assim, a Brasilândia construiu a sua igreja primeiro que a Vila Pereira e a igreja da Brasilândia, para os padrões da época, era muito suntuosa, enquanto a de Vila Pereira ainda era uma capelinha. E o pessoal da Pereira não se conformava, queria uma igreja maior do que a da Brasilândia e temos depoimentos de que houve pressão para que a obra fosse feita. Pois bem, então decidiram construir a igreja. Só que o curioso é que as pessoas da época se apegaram a um detalhe que chama muito atenção. Para que a igreja da Brasilândia fosse construída, tiveram que mudá-la de local, já que primeira capela era onde hoje é a escola Carlos Barozi e ela foi construída na praça. Coincidentemente, após a mudança de lugar da igreja, Brasilândia começou a não ir muito bem, não progredir tanto, até por conta da Segunda Guerra Mundial, uma vez que eles eram italianos, questões políticas ligadas ao fato deles serem italianos, mas a população ignorou esses fatos e atribuiu a estagnação da Brasilândia ao fato de terem mudado a igreja de lugar, pois o solo seria sagrado. Portanto não poderiam ter mexido, dava azar, segundo a crença da época. Sendo assim, quando foram construir a igreja da Vila Pereira decidiram não repetir o que teria sido o erro da Brasilândia e levantaram a igreja em volta da capela e só depois que as paredes já estavam levantadas é que desmancharam a capela para dar lugar a nova igreja. Tudo isso de medo de não se desenvolver como teria acontecido com a vila rival (risos).
Já temos o livro “Fernandópolis nossa história, nossa gente” em dois volumes e agora teremos o livro que retratará a história da paróquia Santa Rita de Cássia. O que mais em nossa cidade seria digno de um livro?
Péta: Já fizemos o da história da OAB, ele já está pronto e deve ser impresso em breve. Acho que a cultura de Fernandópolis também deveria se tornar livro. Nós tivemos uma efervescência cultural muito forte em Fernandópolis antes da vinda das faculdades. Temos um bom material sobre isso. Uma outra temática que também acho interessante é a educação de Fernandópolis, principalmente nos idos de 1940, 60, 70, pegar a memória dos professores mais antigos que enfrentavam barro, charrete, iam para os sítios para dar aula, enfim, Fernandópolis é feita de muitos capítulos e a maioria deles merecia um livro.
Dona Rosinha, na semana em que a cidade viu ser demolida a casa que pertenceu ao ex-prefeito Edison Rolim, considerada um “patrimônio histórico”, o que a senhora tem a dizer sobre a manutenção das tradições de Fernandópolis?
Rosinha: Nós não temos nenhuma lei que verse sobre os patrimônios de Fernandópolis, nem de preservação e muito menos de tombamento. Nós deveríamos formar aqui na cidade um conselho do patrimônio histórico do município. Todos falam: estamos perdendo, destruíram, etc, mas isso é lógico, ninguém está cuidando disso. Então eu acredito que primeiro, nós devemos formar esse conselho, para depois determinarmos que que é patrimônio ou não do município, seja esse patrimônio cultural, arquitetônico, ambiental, artístico, histórico, enfim, o que não podemos é continuar de braços cruzados enquanto nossa história vai morrendo.
Peta, a senhora vem de uma das famílias mais tradicionais da cidade. Qual o seu sentimento quando presencia fatos como o acima citado?
Péta: Comungo da mesma opinião da Rosinha. Se não tirarem o pé do chão para cuidarem desse assunto, daqui a pouco seremos uma cidade sem história.
E em relação ao maior dos patrimônios fernandopolenses, a FEF, o que sentem ao vê-la nesta situação e os malfeitos contra ela praticados?
Rosinha: Eu estou dentro da FEF. Desde quando fundou o curso de história, em 1990, e estou lá até hoje cuidando do CDP. Vejo isso com muita tristeza, nem sei como posso me expressar o que sinto ao ver um patrimônio que ajudamos a construir chegar a essa situação.
Péta: A Rosinha entrou em 1990 e eu 1991, só que em 2007 eu deixei a instituição. Mas nós temos lutado pela FEF, desde o começo dos anos 90, quando mudaram o estatuto da FEF. Isso aconteceu no primeiro mandato de Luiz Vilar como prefeito e a Brigida era a presidente da Fundação. Antes dessa mudança, tudo lá funcionava de uma forma muito democrática, nós tínhamos uma congregação e toda parte pedagógica passava pelos professores, onde decidíamos as grades curriculares, disciplinas, a contratação dos coordenadores, ou seja, tudo passava por nós. Quando falaram em mudar o estatuto nós fizemos uma manifestação na Câmara Municipal, pois antes, precisava-se da autorização do Legislativo e do Executivo para se fazer qualquer alteração no estatuto da Fundação. Com a nossa pressão, o Vilar e os vereadores garantiram que não aprovariam a mudança, mas em dezembro, quando todos os professores estavam focados na aplicação das provas, exames e aprovação e desaprovação dos alunos, eles colocaram a questão em discussão e aprovaram sem que nós soubéssemos. Então, tudo que aconteceu com a FEF e que estamos vendo hoje, começou naquela época. Saber disso acaba com a gente que sempre lutou pela Fundação.