Método beneficia 6,5 milhões de pessoas no Brasil; em Fernandópolis 41 alunos estão aprendendo o método na ADVF
“Um monte de bolinhas”, “muito chato”, “quase desisti”, “impossível”, dentre várias outras definições são recorrentes dentre os iniciantes na aprendizagem do método Braille. Geralmente a primeira experiência com o sistema de escrita e leitura baseado na percepção pelo tato destinado à pessoas que têm deficiência visual, não é nada animadora, embora a liberdade e independência trazida por ele transforme vidas.
De acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas-, existem no país 6,5 milhões de pessoas portadoras de deficiência visual, equivalente a 3,5% da população, sendo 582 mil cegos e seis milhões acometidos apenas por deficiência visual, classificada como baixa visão.
Em Fernandópolis, vários deficientes visuais já aprenderam a ler por meio do método, existente no Brasil desde 1854 e que teve sua data nacional comemorada na última quinta-feira, 8. Esta aprendizagem em enxergar com o próprio tato está atrelada à independência como cidadão, no entanto, nem todas as necessidades de um deficiente visual está disponível com a escrita Braille. Em Fernandópolis por exemplo, uma lei municipal tornou obrigatória a identificação em elevadores, porém muita coisa ainda falta para ser adequada ao mundo de quem vive às escuras. Nem todos medicamentos, cardápios, corrimãos, e outras situações corriqueiras contam com a identificação, por isso, mesmo dominando o método nem sempre o deficiente visual consegue sua total independência.
Para auxiliar e transformar a vida de pessoas que perderam a visão ou já nasceram abstidos deste sentido, a ADVF – Associação dos Deficientes Visuais de Fernandópolis-, proporciona desde o ano 2000 - quando foi fundada -, aulas de Braille a qualquer pessoa da comunidade que queira mergulhar neste novo mundo.
Atualmente 42 alunos tem aulas de Braille com a professora Sirlene Aparecida Gasques Contrin, pupila de Noemi Salas Balestrieri, precursora no ensino do método em Fernandópolis. Como a própria Sirlene ressalta, a intenção é ensinar o aluno integrando-o novamente na sociedade, porém o treinamento não pode ser cessado nunca. “Nosso objetivo maior é que os alunos passem por aqui e não fiquem por aqui. Após aprender o método eles precisam continuar exercitando, pois um mês apenas sem ler em Braille já é suficiente para perder o tato e se perder em meio às bolinhas”, contou Sirlene.
Embora a sensação de impotência e de impossibilidade no início da aprendizagem existam, em pouco mais de dois meses é possível aprender o Braille. A aluna Andréia Cristina da Silva, 31, possui a doença de Stargardt e perdeu a totalidade da visão há 10 anos. Questionada sobre como seria sua vida atualmente caso não tivesse aprendido o Braille, ela nem sequer achou palavras para descrever. Após a aprendizagem ela voltou a estudar, concluiu a 8ª série, o ensino médio, e hoje cursa Serviço Social pela FEF – Fundação Educacional de Fernandópolis.
Mesmo com os obstáculos de calçadas em péssimo estado e semáforos sem recursos sonoros, o principal deles continua sendo a falta de informação e o preconceito. “Logo que entrei na faculdade uma professora perguntou porque eu não ficava em casa, aquela mandaria o conteúdo via e-mail. Disse que eu estava atrapalhando ficando ali parada sem escrever nada, apenas ouvindo. Quando ela passou a me questionar, ela percebeu que mesmo apenas ouvindo eu estava a par de tudo e disse: ‘nossa você está aprendendo mesmo’, isso além daquele que falam com a gente gritando como se fossemos deficientes auditivos”, contou a aluna.
Casada e mãe de uma adolescente de 14 anos, ela conta que com o Braille já não foi mais preciso depender de vizinhos para encontrar um medicamento em sua caixa de remédios. “Eu tinha vergonha, mas quando precisava tinha que pedir ajuda a alguém, muitas vezes aos vizinhos. Agora consigo ler as informações na caixinha e, por isso, peço para minha família deixar sempre o remédio na caixa correta, pois leio as informações em Braille”, disse ela.
Outra aluna prova viva dos benefícios do sistema Braille é Andrea Cristina Ruiz, 41, que sofre com dezenas de doenças que acometem sua visão. Mãe de dois filhos, ela conta que ao chegar à Associação nem sequer falava devido a timidez e se não fosse a inclusão na ADVF talvez não teria se curado de uma depressão. “Tinha medo, vergonha de todos, não saía de casa e estava sofrendo de depressão. Um dia minha irmã me pegou pelo braço e me trouxe à ADVF, e foi isso que me curou. Fora que antes não fazia quase nada sozinha, não conseguia me virar”, disse Andrea.
Assim como todos, ela também desacreditou que poderia conseguir aprender o Braille. “Era muito difícil, me dava câimbra nos dedos de tão nervosa que eu ficava. Mas sempre tive vontade de aprender e quando quero algo vou até o fim. Em dois meses eu já conseguia ler qualquer coisa, tanto que meu filho um dia se surpreendeu ao saber que eu andava por todo o campus da faculdade sozinha. Ele quis descer do carro para me levar e eu disse que não precisava mais”, contou ela, lembrando que os corrimãos da FEF contam com as informações dos blocos e salas.
Andrea Ruiz está no 3º ano de Psicologia e sonha em ser psicóloga forense. A professora de Braille Sirlene, bastante bem humorada, brinca com a aluna pedindo uma comissão quando ela estiver no cargo sonhado. “Eu sei que ela vai chegar lá e ela já sabe que vai me dar uma ‘porcentagenzinha’ do salário”, contou ela arrancando gargalhadas da aluna.
A ADVF conta com 10 máquinas de escrever em Braille e uma impressora. Qualquer pessoa disposta a aprender pode procurar a associação e passar a frequentar as aulas com a professora Sirlene Aparecida Gasques Contrin. Isso claro, se realmente quiser transformar sua própria vida.